COP30: balcão de negócios da catástrofe. Destaques da Semana no IHUCast

Arte: Mateus Dias | IHU

Por: Cristina Guerini e Lucas Schardong | 15 Novembro 2025

A COP30 em Belém se torna o palco das grandes contradições da política ambiental brasileira. O IHUCast desta semana mergulha na “falta de imaginação política” que, segundo Moysés Pinto Neto, permite ao lulismo conciliar a exploração de petróleo com a emergência climática. Falamos ainda sobre como Cúpula do Clima está se tornando um "balcão de negócios", sendo cooptada por lobistas do petróleo, mineração e agronegócio. Enquanto a cúpula ignora o pedido de demarcação de terras, o planeta avança rumo a um aquecimento de 2,6°C, impulsionado por recordes de emissões e o consumo dos super-ricos. A voz da floresta exige que a humanidade abandone a arrogância e aprenda a "pisar suavemente na Terra".

Falta imaginação política

O principal desafio do nosso tempo, a crise climática, está no centro das discussões da 30ª Conferência das Partes da ONU, que começou essa semana em Belém, no Pará. A capital paraense está localizada no extremo norte da floresta amazônica e se tornou palco das contradições da política ambiental brasileira e da falta de imaginação política. Na visão de Moysés Pinto Neto, o discurso de Lula na abertura da COP reflete a falta de imaginação política que paira sobre o mundo. O encurtamento do pensamento, segundo o entrevistado, está na "exploração do petróleo pelo lulismo, que não é só uma contradição momentânea; mas resultado da falta de imaginação política, uma “antropologia” muito pobre, como sempre destacava Eduardo Viveiros de Castro”.

Brasil, inferno na Terra

O filósofo acredita que “em um país como o Brasil, que é inferno na Terra para parte da sua população, o lulismo, com seu projeto de ascensão social dos pobres e um 'país de classe média', soa como um alento. Mas a antropologia lulista é a do sujeito consumidor, aquele que dispõe de renda para comprar os bens de consumo necessário e, se possível, algum luxo”. "Portanto, não há uma ruptura com as condições de possibilidade que nos levaram ao colapso ecológico: o fato de que produzimos e consumimos muito mais que o necessário, e que todo nosso sistema é pensado de uma tal maneira que fugir disso significa um suicídio político", complementa.

Futuro trágico

Em seu discurso de abertura, Lula ainda lembrou que o xamã ianomâmi Davi Kopenawa, "diz que o pensamento na cidade é obscuro e esfumaçado, obstruído pelo ronco dos carros e pelo ruído das máquinas". E conclamou os presentes a usarem a "serenidade da floresta" como inspiração. Mas Kopenawa, que inspirou parte da fala do presidente, já não vê confiança no futuro. E na Zona Azul da COP avisa que o povo da mercadoria impôs um futuro trágico para o planeta: “Daqui para frente, vai ter muita coisa ruim, vai morrer muita floresta, vai ter muito problema, esse é o meu sonho. Daqui para frente, o sofrimento vai chegar. Vai chegar fome, mudança climática, como vocês chamam. Mudança climática para mim significa pobreza, doença, poluição da água”.

Balcão de negócios

Assim como Kopenawa, Ailton Krenak já não acredita no futuro e é mais duro ainda: "Eu gostaria muito de esperançar alguma coisa surpreendente". "A vocação da COP30 – continua Krenak - é ser um balcão de negócios para negociar petróleo, madeira e terras raras. Parece que esta é a ilusão do momento", asseverou. Sobre a Cúpula dos Povos, principal espaço de representação dos movimentos sociais na COP, o escritor indígena é enfático: "Isso significa que nós estamos engajados num amplo sistema de comer o planeta. É claro que vai ter mais lugar para os indígenas gritarem, espernearem e falarem, mas isso não significa que eles vão ser ouvidos. Quem tinha que ouvir são os chefes do dinheiro no planeta, não adianta você gritar no deserto".

Próxima temporada

Por fim, o imortal da Academia Brasileira de Letras deixa um recado: "Se a gente não aprender a pisar suavemente na Terra, nós vamos abrir a lista das espécies em extinção na próxima temporada. A próxima temporada, como dizem os meninos da periferia, 'é nós'".

COP do Lobby

A indignação do Cacique Gilson, após o tumulto da última terça-feira entre seguranças da COP e manifestantes, é verdadeira. Apesar de cerca de três mil indígenas terem ocupado Belém, apenas 14% conseguiram acesso a Zona Azul. No entanto, o Brasil solicitou credenciais para os lobistas do setor de petróleo, da mineração e do agronegócio, que estão entre os beneficiados com os crachás de acesso à área de negociações. Mas o lobby não se restringe às áreas oficiais de discussão. A COP paralela acontece em locais como a Agrizone, onde o agro que mata e desmata se mostra como "solução para a crise climática".

Financeirização da natureza

Assim, a COP30 se torna "vitrine e laboratório de financeirização da natureza: bancos, mineradoras e empresas do agronegócio pautam a agenda da conferência por meio da divulgação de programas de descarbonização, créditos de carbono e metas de net zero", destacou o relatório COP dos Lobbies. As empresas ainda patrocinam eventos paralelos, pavilhões corporativos e “casas” próprias em Belém.

Veneno no prato

E já que estamos falando de interesses privados, vale destacar quem meio aos holofotes virados para a COP, o Ministério da Agricultura e Pecuária, no dia 11 de novembro, autorizou o registro de 30 novos agrotóxicos para uso no Brasil. Destes, 16 são produtos oficialmente classificados como "muito perigosos para o meio ambiente", enquanto os demais receberam classe três, que significa que são "perigosos para o meio ambiente". Com isso, o governo mata também o debate sobre a agricultura familiar, que figura entre os 111 temas prioritários da COP.

Sabedoria indígena

Raoni, que subiu a rampa do Palácio do Planalto com Lula em janeiro de 2023, foi enfático: "Não queremos petróleo na Amazônia". Aos 93 anos, a liderança indígena participou da “barqueata” deu a largada para a Cúpula dos Povos. A bordo de uma das embarcações, "Raoni advertiu o governo do Brasil de que os planos de exploração de petróleo na foz do rio Amazonas e de construção de uma ferrovia para escoar a produção de soja, a Ferrogrão, no meio de terras indígenas não podem avançar".

Monocultura de ideias

Raoni, Krenak, Kopenawa e Gilson apontam para um mundo que é contrário à monocultura das ideias. Não habitam o deserto da imaginação política, mas floresta da biodiversidade política em que nasce, todo dia e toda hora, novos mundos.

Safári de Sarajevo

A brutalidade humana está cada vez mais exposta e ilimitada. Essa semana veio à tona o escândalo do Safári de Sarajevo. Um pacote turístico de final de semana que levava atiradores que pagavam para matar civis durante o cerco à capital Bósnia, entre 1992 e 1996. Os fatos foram revelados pelo jornalista Ezio Gavazzeni, que afirma que italianos ricos participaram dessa sinistra caçada humana.

Dia Mundial dos Pobres

Papa Francisco elegeu o penúltimo domingo do ano litúrgico para celebrar o Dia Mundial dos Pobres. Este ano, a data será celebrada em 16 de novembro. A reflexão do frei Luiz Carlos Susin lembra o dever da Igreja:  "mais do que tapetes, barretes, sinetes e outros ornamentos, a alma da Igreja e seu desafio maior é abrigar o que o diácono e mártir São Lourenço denominou 'tesouro da Igreja': os pobres – o órfão e a viúva em suas tribulações – que são o nosso lugar teológico e cristológico privilegiado, nosso juízo inicial e final. Os pobres são a carne de Cristo: 'A Igreja pobre para os pobres começa por dirigir-se à carne de Cristo. Se nos fixarmos na carne de Cristo, começamos (...) a compreender o que é esta pobreza – a pobreza do Senhor. E isso não é fácil!".

Inteligência vegetal

E já que hoje destacamos a COP30 e a crise climática, queremos retomar o debate da questão ambiental sob outra perspectiva: a inteligência que brota do mundo vegetal. Sem cérebro, sem coração, como podem as plantas serem dotadas de inteligência? Defensor da inteligência vegetal, Stefano Mancuso, busca entender como as plantas percebem suas circunstâncias e respondem aos estímulos ambientais de forma integrada”. Em um extrato que publicamos do seu novo livro, o professor e criador do movimento de neurobiologia vegetal defende a necessidade urgente da humanidade reconhecer e respeitar a soberania da Mãe Terra e suas leis naturais para garantir a própria sobrevivência a longo prazo. 

Cântico das Criaturas

Inspirado pelo Cântico das Criaturas de São Francisco de Assis, Mancuso enfatiza que a vida na Terra é um fenômeno complexo que exige a colaboração de inúmeros atores (grandes e pequenos) em conjunto, sem um líder. A harmonia, aponta o biólogo, é alcançada quando todos os elementos funcionam na sequência correta, e essa é a lição que a natureza oferece para evitar que a entropia prevaleça.

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