30 Outubro 2025
O Brasil está enfrentando uma crise de saúde pública e econômica diretamente ligada à emergência climática, com o calor extremo e a poluição do ar causando perdas de bilhões de dólares e milhares de mortes prematuras anualmente, de acordo com o novo Relatório Global 2025 da Lancet Countdown, um levantamento que monitora os vínculos entre saúde e mudança climática.
A reportagem é publicada por Ecodebate, 29-10-2025.
Onda de calor e colapso da produtividade
O relatório, compilado para jornalistas, detalha como a mudança climática está ceifando vidas e afetando os meios de subsistência no Brasil. Em 2024, a população brasileira foi exposta a 15,6 dias de ondas de calor cada, em média, sendo que 94% desses dias não seriam esperados sem a mudança climática.
O impacto no trabalho é devastador: em 2024, a exposição ao calor resultou em uma perda média de mais de 6,7 bilhões de horas de trabalho potencial, um aumento de 51% em comparação com o período de 1990-1999. Essa perda de produtividade se traduziu em um prejuízo financeiro potencial de US$ 17,7 bilhões, o que equivale a quase 1% do Produto Interno Bruto (PIB) do país.
Os setores mais afetados foram o agrícola (36% das perdas) e o da construção (34%).
Aumento alarmante de mortes e doenças
O custo humano do calor está em ascensão. De 2012 a 2021, o Brasil registrou uma estimativa de 3.600 mortes anuais relacionadas ao calor, um aumento de 4,4 vezes em comparação com a década de 1990. Para a população idosa (acima de 65 anos), o valor monetário da mortalidade relacionada ao calor atingiu US$ 5,7 bilhões entre 2020 e 2024 – um aumento de 383% desde 2000–2004.
Paralelamente, a poluição atmosférica antropogênica (PM2.5) foi associada a mais de 63.000 mortes em 2022, um aumento significativo em relação às 51.000 mortes registradas em 2010. O valor monetário dessa mortalidade prematura devido à poluição do ar chegou a US$ 50 bilhões em 2022, equivalente a 2,4% do PIB. O diesel usado no setor de transporte foi identificado como o maior contribuinte individual, associado a 22.000 mortes em 2022.
As mudanças climáticas também estão ampliando a ameaça de doenças infecciosas: a adequação climática para a transmissão da dengue pelo mosquito Aedes aegypti aumentou em 30%.
Inação energética e dependência fóssil
Apesar dos riscos, o país demonstra um atraso na transição energética, o que “está custando vidas e sobrecarregando a economia”. Em 2023, o Brasil apresentou uma receita líquida negativa de carbono, gastando um total líquido de US$ 4,6 bilhões em subsídios a combustíveis fósseis.
A dependência do transporte rodoviário é marcante, com 77% da energia consumida pelo setor proveniente de combustíveis fósseis, e 0% de eletricidade em 2022. Adicionalmente, a preparação do Brasil para a transição de baixo carbono diminuiu 6,6% em 2024 em relação ao ano anterior.
Impactos ambientais extremos
Os dados ambientais refletem a gravidade da situação:
- A área de terra que experimenta pelo menos um mês de seca extrema por ano aumentou quase 10 vezes, passando de 5,6% em 1951-1960 para 72% em 2020-2024.
- O Brasil também viu um aumento de 10% nos dias classificados como de alto risco de incêndios florestais (média de 41 dias por ano entre 2020 e 2024), associados a uma média anual de 7.700 mortes causadas pela fumaça (PM2.5).
- Mais de um milhão de pessoas (1.087.390) vivem atualmente a menos de 1 metro acima do nível do mar, estando em risco devido à elevação marítima.
Potenciais benefícios da transição alimentar
O relatório também aponta que mudanças nos setores de alimentação e agricultura poderiam gerar grandes benefícios para a saúde. Em 2022, a carne vermelha e laticínios foram responsáveis por 87% de todas as emissões associadas ao consumo de produtos agrícolas.
O consumo insuficiente de alimentos à base de plantas (frutas, vegetais, legumes, etc.) foi associado a 140.000 mortes em 2022, enquanto o consumo excessivo de carne vermelha, laticínios e carne processada contribuiu para 70.000 mortes.
Apesar da perda acumulada de 69 milhões de hectares de cobertura arbórea entre 2001 e 2023, há um sinal encorajador de que a tendência de desmatamento foi revertida, com uma queda de 15% na perda de cobertura arbórea entre 2022 e 2023.
Apesar da urgência dos dados, a cobertura jornalística sobre a relação entre clima e saúde no Brasil caiu 79% em 2024 em relação a 2023. O maior foco da pesquisa científica no país é sobre os impactos do clima na saúde (91% dos artigos), com pouca atenção dada à adaptação (9% dos artigos).
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