29 Outubro 2025
- "Porque você era mestiço... você tinha experimentado a opressão em primeira mão. É por isso que você podia falar de libertação", recordou Boff durante seu testemunho no IV Congresso Continental de Teologia.
- Ele enfatizou que a inovação de Gutiérrez residia em colocar os pobres no centro da reflexão teológica: "Ele formulou, pela primeira vez, uma teologia que dá centralidade aos pobres, não individualmente, mas como um grande coletivo."
- Para Boff, a maturidade do pensamento de Gutiérrez o levou a ampliar seus horizontes em direção a uma teologia da vida ecológica e humanista.
- A Teologia da Libertação nasceu na América Latina, mas se espalhou pelo mundo, com expressões na África, Ásia e Europa.
A reportagem é de Micaela Alejandra Díaz, publicada por Religión Digital, 28-10-2025.
No Quarto Congresso Continental de Teologia, durante a homenagem a Gustavo Gutiérrez, o teólogo brasileiro Leonardo Boff ofereceu um testemunho sincero e memorável. Considerado um dos companheiros mais próximos do fundador da Teologia da Libertação, Boff lembrou-se de Gutiérrez como "um querido amigo" e "uma figura brilhante que deu centralidade aos pobres na reflexão teológica".
“Conheci Gustavo no início da década de 1970, no primeiro encontro de teólogos latino-americanos que tivemos que realizar nos Estados Unidos, devido às ditaduras que assolavam a América Latina”, relatou Boff. Esse encontro marcou o início de uma relação fraterna e de uma aliança teológica que transformaria a maneira de falar sobre Deus a partir da perspectiva dos oprimidos.
“Eu lhe disse desde o início: a Teologia da Libertação tinha que nascer de você. Porque você era mestiço, ou melhor, indígena, pequeno, doente, aleijado… você tinha experimentado a opressão em primeira mão. É por isso que você podia falar de libertação”, recordou Boff.
Teologia que surge dos pobres
Boff enfatizou que a inovação de Gutiérrez residia em colocar os pobres no centro da reflexão teológica. "Ele formulou, pela primeira vez, uma teologia que dá centralidade aos pobres, não individualmente, mas como um grande coletivo", observou. "É por isso que seu ponto de partida é a opção preferencial pelos pobres e contra a pobreza que Deus não quer".
O pensador brasileiro também enfatizou que a Teologia da Libertação “não tem Marx como pai ou padrinho”, mas sim “uma teologia inicialmente espiritual que olha para os pobres como um Cristo sofredor, como alguém que renova o Caminho da Cruz de Jesus, que tem mais etapas do que aquela que Ele percorreu quando sofria em Jerusalém”.
“O primeiro momento da teologia não é falar sobre Deus, mas falar com Deus”, disse Boff. “Não a partir de abstrações, mas a partir dos rostos humilhados e ofendidos dos pobres.”
Teologia incorporada na história
O autor de Jesus Cristo Libertador recordou que tanto ele quanto Gutiérrez desenvolveram suas obras quase simultaneamente, movidos pelo mesmo espírito: “Parecia que o Espírito do mundo nos havia levado a falar de libertação. Gustavo escrevia Teologia da Libertação e eu, Jesus Cristo Libertador; era o mesmo sopro de fé e esperança em meio às lutas do povo.”
Boff destacou a dimensão autobiográfica da obra de Gutiérrez: “Desde jovem, ele sofreu de doenças, mas também aprendeu a sofrer com os outros. Sua teologia nasceu da dor e da esperança, da experiência vivida pelos oprimidos”.
Ele mencionou três livros que resumem essa espiritualidade: Bebendo de sua própria fonte, O Deus da vida e Falando de Deus a partir do sofrimento dos inocentes.
Libertação, vida e cuidado com a Terra
Para Boff, a maturidade do pensamento de Gutiérrez o levou a ampliar seus horizontes em direção a uma teologia da vida, ecológica e humanista: "Ele falava do Deus da vida porque entendia que a vida está ameaçada: a vida dos pobres, da humanidade e da Mãe Terra."
O teólogo brasileiro, portanto, conectou o legado de seu amigo ao ideal andino de bem viver: "Ele nos ensinou que a economia não é acumulação, mas comunhão; que devemos cuidar da Pachamama, viver em harmonia com a natureza, com a sociedade e conosco mesmos."
“Nascemos para brilhar”
Boff concluiu afirmando que a Teologia da Libertação “nasceu na América Latina, mas se espalhou pelo mundo”, com expressões na África, Ásia e Europa. “Para cada opressão”, disse ele, “há a sua correspondente libertação” — das mulheres, dos povos indígenas, da natureza, de todos aqueles crucificados ao longo da história.
Ao concluir seu discurso, ele evocou a presença espiritual de seu amigo: "Gustavo Gutiérrez está aqui, presente, talvez sorrindo, fazendo piadas com o bom espírito que tinha."
“Nós o recordamos como um amigo inesquecível, e queremos estar juntos e levar adiante o que ele nos legou na Teologia da Libertação: o amor pelos pobres, nos quais encontramos o Cristo sofredor que clama pela ressurreição, e lutaremos apesar de todas as dificuldades para criar um espaço de liberdade, um espaço para respirar, um espaço onde a pessoa possa se sentir humana, amada e capaz de amar e ter a alegria de viver, porque se nascemos no coração das grandes estrelas vermelhas, se nascemos lá, não é para viver sofrendo neste mundo, mas nascemos para brilhar.”
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