Em entrevista exclusiva a ((o))eco, CEO da COP30 diz que fim dos fósseis não está na agenda de negociações porque nenhum país pediu a inclusão do tema.
A poucos dias da COP30, ((o))eco conversou com exclusividade com a diretora-executiva do evento, Ana Toni. Ao lado do embaixador André Corrêa do Lago, presidente designado da conferência, ela tem conduzido a construção da Cúpula de Belém em um processo inovador de diálogo com a sociedade.
A seguir, você confere os principais trechos da entrevista, disponível na íntegra no podcast Entrando no Clima. Confira:
A entrevista é de Cristiane Prizibisczki, publicada por ((o))eco, 28-10-2025.
Ana, eu gostaria de começar perguntando sobre o processo de construção da COP30, que foi muito diferente de outras COPs, pelo fato de ter tido uma escuta muito grande de vários setores da sociedade. Qual é a sua avaliação sobre esse processo, passados vários meses desde seu início, e como as contribuições que vieram desses setores vão ser, de fato, adotadas?
Como presidência da COP, era uma prioridade para a gente expandir a presidência para a inclusão de outras vozes. Então, a criação dos círculos dos ministros de Finanças, dos ex-ministros de COP, do Balanço Ético, os chamados enviados setoriais, os conselhos, isso tudo enriqueceu muito e está nos nutrindo e nos orientando em tudo o que a gente faz.
Não dá para imaginar fazer uma COP sem isso. [Me pergunto] como é que os outros presidentes e CEOs de COP fizeram sem essa ajuda absolutamente essencial que a gente recebeu.
Também na priorização da agenda de negociação, nós escutamos os temas com outros ouvidos. Por exemplo, o tema de oceanos, nós temos uma enviada de oceanos e o tema foi trazido também pelo Balanço Ético muito fortemente, então, quando o tema é trazido dentro das negociações, o ouvido está muito mais sensível a isso.
Toda essa inclusão sensibilizou, logicamente, eu, o André [André Corrêa do Lago, presidente da COP30], mas também toda nossa equipe, todos os negociadores, para temas que a gente não teria sensibilidade se não tivesse a participação ativa dos enviados, dos círculos, dos conselhos.
Vocês acabaram recebendo várias propostas de setores variados para o enfrentamento da crise climática que não necessariamente entrará nas negociações. O que vocês pretendem fazer com esse montante de informação e de propostas que vieram para esse processo?
O interessante é que não somente a presidência recebeu [as propostas]. Na pré-COP, por exemplo, as cartas feitas pelos jovens, pelos indígenas, foram entregues para todos os delegados que estavam ali.
Então, por já estarmos nessa relação com eles, nós asseguramos que a voz deles fosse para os outros. Não foi tudo canalizado na presidência [da COP30), ao contrário, nosso grande objetivo é abrir os canais que normalmente são muito fechados para todos.
Na Pré-COP, nós abrimos o evento com o relato dos quatro círculos, então, aquela informação dos círculos foi também para todas as delegações. A gente fez questão, desde o começo, de mostrar que isso é uma co-construção, todo mundo influenciando, em um grande mutirão mesmo.
A crise das hospedagens acabou tomando o espaço de outras discussões que poderiam ter sido feitas, ao longo do ano. Que lições ficam desse processo?
Primeiro, eu diria que ela não tomou lugar das outras discussões, a gente só teve que trabalhar em dobro. Teve que ter a discussão de hospedagens e teve que ter a discussão de conteúdo e acumulou esses dois debates.
As COP estão cada vez maiores, a gente está começando um novo ciclo de COPs, fazendo uma COP num país que tem uma sociedade civil maravilhosa, hiper engajada, que tem muita demanda e quer participar.
Então, acho que a mensagem que fica é que fazer COP dá uma trabalheira do cão em termos logísticos, em termos de negociação…mas vale muito a pena.
A COP não é um evento, a COP virou um processo. E acho que a COP30 não está acontecendo só em Belém, ela aconteceu no Brasil inteiro o tempo todo. Aconteceu em Nova Iorque, aconteceu em Londres, aconteceu em diversos lugares do mundo.
E esse é um processo muito interessante de ver que, no final, as COP estão se tornando um lugar de pensar um novo modelo de desenvolvimento.
Outro tema que também tem tomado as manchetes é o avanço do processo de exploração de petróleo na Foz do Amazonas. Você e o embaixador André Corrêa do Lago já se manifestaram sobre esse assunto dizendo que esse fato não vai interferir nas negociações. Porém, a contradição está dada. Então, como conseguir que haja engajamento da sociedade para a construção da COP30 e para o enfrentamento da crise climática, se ela se vê, nesse momento, um pouco desacreditada?
Acho que o Brasil está fazendo uma COP, e o presidente Lula tem falado sobre isso, que é a COP da verdade. E ter verdade não quer dizer que não tenha contradições nessa verdade.
Eu acho que o que mostra é que o Brasil está enfrentando essas contradições uma por uma. O nosso grande emissor é o desmatamento, o uso da terra, e a gente enfrentou [o problema] com políticas públicas. O Brasil foi o segundo a apresentar sua NDC, agora estamos debatendo o tema de energia e que bom que estamos debatendo esse tema.
A gente já fez nossa lição de casa sobre o tema do desmatamento, há uma maturidade no debate, e acho que em termos de energia estamos muito atrasados, mas a contradição não é só do Brasil, é do mundo.
O que acontece é que o Brasil não está escondendo essa contradição. O próprio presidente Lula já falou que temos que nos libertar da dependência do combustível fóssil.
Agora, querer é uma coisa, como fazer é muito mais difícil. Acho que o Brasil está enfrentando o problema e o debate está acontecendo. E a COP vai ajudar a fomentar ainda mais esse debate, tanto no nível internacional como no nacional.
Acredito que a liberação agora da autorização do IBAMA para a pesquisa na Foz [do Amazonas] vai trazer ainda mais debate. Que bom, vamos debater, vamos conversar, vamos saber quais são os caminhos. Acho que é muito saudável, mostra que a nossa democracia está fortalecida.
Não existe escolha simples. São diferentes níveis de dependência dos combustíveis fósseis, e isso tem que ter uma maturidade entre todos nós para termos essa conversa baseada na ciência e priorizando, logicamente, o combate à mudança do clima o máximo que cada país consiga.
Mas a ciência fala justamente que não poderia mais ter exploração de petróleo. Eu vou insistir na pergunta, no sentido das negociações. Você acha que o Brasil vai conseguir avançar na proposta da transição para longe dos combustíveis fósseis, no âmbito negocial, tendo que lidar internamente com essas questões?
O papel do Brasil, como presidência da COP30, é mediar os interesses de todos e avançar. A gente tem feito consultas para entender quem é que está fazendo essas propostas para transitar para o fim dos combustíveis, quais países têm propostas na mesa para avançar nesse tema, quais países já pediram um novo tema na agenda formal para esse tema e isso não aconteceu.
Nenhum país colocou uma proposta na mesa para isso. Só para deixar isso bem claro, isso não está na agenda oficial e não é porque o Brasil não queira, é porque nenhum país propôs esse tópico na agenda.
O que tenho é que há um desejo, sim, de todos, em como a gente acelera a transição para uma economia de baixo carbono e a transição para longe dos combustíveis fósseis é uma parte disso, mas tem outras partes, como triplicar renováveis, duplicar eficiência energética, conservar florestas.
Então, a transição para longe dos fósseis está dentro de uma lógica muito mais rica e complexa de medidas que precisam acontecer e isso ainda está na agenda, que são os próximos passos do Balanço Global.
Está faltando bem pouco tempo para a COP. O que ainda precisa ser feito ainda?
Muita coisa precisa ser feita. Acabamos de acabar a pré-COP. A pré-COP foi excelente, porque a presidência da COP30 se adiantou com muitos temas de consulta. Fizemos muitas consultas com os negociadores esse ano, muito mais do que outras presidências.
Mas tem coisas que a gente ainda precisa fazer. Uma delas, por exemplo, é assegurar qual vai ser a agenda da COP. Todo mundo que trabalha na COP sabe que tudo tem que ser acordado por consenso, inclusive a agenda. E nem sempre a agenda tem consenso. Temos trabalhado muito para tentar adiantar o máximo possível para que a gente gaste o menos tempo possível da COP discutindo a agenda e já entre nos temas de negociação.
Também estamos programando a Cúpula [dos Líderes] e vendo o que a cúpula pode entregar que possa ajudar na COP. Então, tem muita coisa para fazer. Coisa não falta.
Mas tudo que vocês tinham previsto para fazer em preparação para a COP, vocês conseguiram concluir?
Conseguimos concluir tudo que a gente tinha que preparar. Estamos muito satisfeitos com o que foi a preparação para as negociações. Fizemos a nossa lição de casa e esperamos poder começar uma COP mais redonda possível. Agora é ver a dinâmica das negociações.
Essa COP tem muitos temas e não tem um tema principal, como foi o ano passado, por exemplo, do financiamento. Você elencaria algum tema principal que você gostaria que saísse com bons resultados da COP30?
Primeiro, toda COP tem muitos temas. Todas as COPs têm, sei lá, 100 temas que serão negociados. Mas é que, normalmente, tinha um tema principal para o fechamento do livro de regras do Acordo de Paris.
E você está absolutamente certa que o livro de regras já foi finalizado. Então, agora a gente está refinando o que o livro de regras não dá.
Então, não tem nenhum tema mais sexy, ou mais importante. Tem diversos temas tão importantes quanto.
Eu diria que, da nossa perspectiva, a adaptação é um tema muito, muito importante para essa COP. A adaptação sempre esteve no andar de baixo das COPs, mas a gente quer colocar como prioritário.
Logicamente, o tema de transição justa também é fundamental. E finalizando com o tema não só do financiamento climático, mas diversos temas que ligam a importância do clima com a economia.
Eu acho que a nossa COP vai deixar um legado nessa integração do mundo COP, pequenininho, clima, com o mundo econômico mais amplo, fora do regime climático.
Mesmo porque esses temas que você citou, eles transitam tanto pela agenda de negociações, como pela agenda de ação também. Eles passam por essas duas esferas que vão compor a COP.
Certamente. Eu acho que nessa COP, e cada vez mais para as futuras, a gente vai julgar as COPs tanto com os temas de negociação, como também pelos temas da agenda de ação. Por exemplo, TFFF. Não é um tema de negociação, mas vai ser fundamental do legado dessa COP 30.
Para finalizar, eu queria te perguntar: o que você espera que seja o legado da COP? Como você espera que ela seja lembrada?
Eu espero que seja lembrada por duas coisas. Primeiro, como uma COP inclusiva, participativa, transparente, por todas as razões que a gente já conversou, a maneira que a gente construiu, com tanta gente, essa presidência, porque eu acho que enriqueceu muito os debates.
E, segundo, eu espero que ela seja lembrada como uma ponte entre o mundo do regime climático com as outras instituições de fora do mundo climático, principalmente as econômicas. Os ministros da fazenda, os bancos multilaterais, o setor privado. Essa COP está fazendo uma ponte muito interessante com o mundo para fora do regime climático.
Tomara que isso vire um legado e que as outras COPs possam reforçar essa ponte, porque, para ficarmos no um grau e meio [de aquecimento], a gente vai precisar da ajuda de todos, não só dos negociadores climáticos, mas dos governos subnacionais, dos bancos multilaterais. Esse é o chamado mutirão e acho que a COP vai ser lembrada por isso.