29 Outubro 2025
- Em 28 de outubro de 1965, o Concílio Vaticano II adotou a Declaração sobre as Relações da Igreja Católica com as Religiões Não-Cristãs, que pôs fim a séculos de incompreensão entre judeus e cristãos.
- Jean-Dominique Durand, historiador das religiões: "Mudou radicalmente a perspectiva mútua. A Igreja absolve o povo judeu da acusação de deicídio. Um documento que vale a pena redescobrir e reler, especialmente após as novas tragédias no Oriente Médio."
A entrevista é publicada por Vatican News, 28-10-2025.
Aprovada pelo Concílio Vaticano II em 28 de outubro de 1965, a Declaração Nostra Aetate redefine as relações da Igreja Católica com as religiões não cristãs, em particular o judaísmo.
O breve texto dedica seu quarto parágrafo — o mais longo — à "religião judaica". Rejeita todas as formas de discriminação e "deplora o ódio, a perseguição e as manifestações de antissemitismo que, em qualquer época e por qualquer pessoa, tenham sido dirigidas contra os judeus".
Duas décadas após o Holocausto, em um povo profundamente ferido e após séculos de incompreensão entre cristãos e judeus, este texto, que reconhece a herança comum de ambas as religiões, abriu caminho para o diálogo. Uma página da história foi virada. Para Jean-Dominique Durand, historiador das religiões e presidente da Associação de Amizade Judaico-Cristã da França, este texto mudou radicalmente a perspectiva mútua. No entanto, as recentes tensões no Oriente Médio, o ataque do Hamas em 7 de outubro de 2023 e a resposta militar israelense estão colocando seis décadas de diálogo à prova.
Eis a entrevista.
A Nostra Aetate é um documento que marcou a história das relações judaico-cristãs. O que existia antes desta declaração conciliar e que página a Igreja Católica pretendia virar ao aprovar este texto durante o Concílio Vaticano II?
Anteriormente, não existia nenhum documento oficial. Com um escopo teológico completamente novo, esta é a primeira vez que a Igreja Católica oferece um texto doutrinal sobre religiões não cristãs. A Nostra Aetate, inicialmente destinada ao judaísmo — após várias hesitações e complicações — dirige-se a todas as religiões e oferece aos católicos uma perspectiva oficial da Igreja sobre as crenças não cristãs. Esta é a primeira vez que isso acontece: um documento doutrinal sobre tal assunto. A Nostra Aetate representa uma verdadeira revolução.
Neste texto relativamente breve, que dedica seu parágrafo mais longo ao judaísmo, podemos afirmar que a Igreja Católica absolve claramente o povo judeu da acusação de deicídio?
Absolutamente. Esse é precisamente o objetivo deste documento, colocado na agenda do Concílio pelo próprio Papa João XXIII, após a audiência que concedeu em junho de 1960 a um grande estudioso da história judaica, Giulio Isaac, que já havia se encontrado com Pio XII em 1949. Giulio Isaac perdeu toda a sua família em Auschwitz e dedicou sua vida ao diálogo entre judeus e cristãos, para que os cristãos pudessem adotar uma visão diferente do judaísmo e abandonar o desprezo que sentiam por ele. Ele escreveu um livro fundamental, Jesus e Israel, no qual desenvolveu a ligação entre o cristianismo e o judaísmo: Jesus era judeu, sua mãe Maria era judia, e todos os apóstolos e os primeiros mártires do cristianismo eram judeus. Essa foi a revolução iniciada por Giulio Isaac. Ele pediu ao Papa que revisasse a oração da Sexta-Feira Santa, que os judeus consideravam ofensiva. A revisão foi realizada em duas etapas: primeiro com Pio XII em 1955, depois com João XXIII em 1959, como preparação para o Concílio. Isaac convenceu João XXIII de que o Concílio representava uma oportunidade para repensar as relações entre judeus e cristãos, em particular removendo a acusação de deicídio.
A Declaração rejeita todas as formas de perseguição e deplora o antissemitismo. Era necessário isso para estabelecer ou restabelecer o diálogo e começar a caminhar juntos?
Trata-se precisamente de caminhar juntos e enfatizar o vínculo. Esta palavra aparece na Nostra Aetate e tem sido usada constantemente por João Paulo II e seus sucessores: o vínculo. É um termo poderoso que une o cristianismo e o judaísmo, visto que a religião cristã não pode ser compreendida sem o conhecimento do judaísmo e, em particular, do Antigo Testamento.
O cristianismo não seria um ramo de oliveira do judaísmo?
É exatamente isso que São Paulo diz na Carta aos Romanos, falando da oliveira brava enxertada na oliveira boa: o cristianismo cresce nas raízes do judaísmo.
Portanto, significa reconhecer que os judeus foram os primeiros a receber a Palavra de Deus...
Sim, sem dúvida. Em termos teológicos, João Paulo II, a partir da Nostra Aetate, aprofundou sua reflexão a ponto de reconhecer que a primeira aliança jamais foi revogada e que a teologia da substituição já não encontra respaldo. Essa teologia sustentava que o cristianismo havia substituído o judaísmo. Mas não é esse o caso: o cristianismo veio depois, para aprofundar, não para substituir. Isso é fundamental. Não é mencionado explicitamente na Nostra Aetate, mas o texto permitiu ao Vaticano criar, sob o pontificado de Paulo VI, a Comissão para as Relações Religiosas com o Judaísmo. Posteriormente, tanto o Vaticano quanto as Igrejas locais produziram inúmeros documentos que ampliaram consideravelmente o conteúdo da Nostra Aetate. A visita de João Paulo II à Grande Sinagoga de Roma — sua viagem mais longa e mais curta — não teria sido possível sem a Nostra Aetate: a mais longa, porque levou 2.000 anos para ser concluída; a mais curta, porque foram necessários apenas dois quilômetros para ir do Vaticano à sinagoga.
Paulo VI assina 'Nostra Aetate' em 28 de outubro de 1965 (Fonte: Vatican Media).
Este texto continua extremamente relevante. No contexto da tensão que vivenciamos no Oriente Médio, a conexão é inegável. Como este texto pode servir hoje para acalmar as tensões e nos lembrar de que “a fraternidade universal exclui toda discriminação”, como afirma o título do parágrafo final do documento?
Esta é uma questão absolutamente fundamental. Diz respeito à recepção da Nostra Aetate e às consequências que devemos dela extrair em nosso cotidiano. Infelizmente, hoje testemunhamos o retorno de antigos preconceitos, inclusive em círculos cristãos, em paróquias e, por vezes, entre religiosos e sacerdotes. Numerosos preconceitos antissemitas ressurgem com força. O historiador judeu Georges Bensoussan, profundamente envolvido no diálogo judaico-cristão, observou que, se já não falamos de deicídio, este termo é substituído por "genocídio", uma questão muito grave. Estamos, portanto, em uma crise nas relações judaico-cristãs devido à tragédia que se desenrola no Oriente Médio: primeiro com o terrível "pogrom" perpetrado pelos terroristas do Hamas em Israel, depois com a guerra resultante e as fortes emoções que ela despertou em todo o mundo.
Por vezes, tendemos a esquecer a causa inicial desta guerra, provocada pelo Hamas, e, ao mesmo tempo, ressurgem antigos preconceitos contra os muçulmanos. No entanto, a Nostra Aetate convida-nos também a olhar para o Islão e para outras religiões. Mais do que nunca, devemos estudar a Nostra Aetate. Devemos voltar a este documento conciliar, lê-lo e relê-lo, e propô-lo nas paróquias. Os textos podem ser magníficos, mas são inúteis se não forem acolhidos e internalizados. Hoje, infelizmente, 60 anos depois, receio que a Nostra Aetate tenha sido esquecida. Precisamos de voltar aos fundamentos. E isto aplica-se também — sublinho — às nossas relações com o Islão na Europa. É claramente essencial.
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