28 Outubro 2025
Durante o segundo painel do IV Congresso Continental de Teologia Latino-Americana e Caribenha, três reconhecidos teólogos latino-americanos — Eduardo Arens, Luiz Carlos Susin e Francisco Aquino Júnior — compartilharam reflexões sobre os caminhos atuais da teologia na América Latina e no Caribe.
O a reportagem é de Micaela Alejandra Díaz, publicada por Religión Digital, 24-10-2025.
O teólogo peruano Eduardo Arens iniciou sua exposição observando que o mundo pós-moderno vive uma crise de sentido, marcada pelo individualismo, pelo consumismo e pela desconfiança. Diante disso, propôs olhar para o Evangelho como alternativa: “Jesus encarnava uma humanidade que viveu em sua simplicidade, despojada de todo o aparato que impede ser transparente, autêntico e acolhedor”.
Arens destacou que a figura de Jesus tem sido muitas vezes “mitificada e divinizada”, o que levou à perda de sua humanidade. “Jesus, o filho de Maria, o galileu, viveu, ressuscitou e continua vivo naquilo que representava e encarnava: uma vida nova”, afirmou. O biblista insistiu que o Jesus histórico deve voltar a ser o referencial da fé cristã: “Tomar Jesus como referência implica conhecer bem esse Jesus de Nazaré... receio que esse Jesus, o que se encarnou no mundo, não o levamos a sério porque ele incomoda”.
Para Arens, a mensagem de Jesus continua sendo revolucionária por seu amor incondicional e sua opção pela fraternidade: “Jesus colocou as pessoas em primeiro plano, não a religião nem o culto. O amor que ele pregava é gratuito, incondicional e sem esperar nada em troca”. O teólogo concluiu exortando à recuperação da simplicidade e da humanidade de Jesus como modelo para o mundo atual: “Se não voltarmos à nossa fonte, a Igreja está condenada a permanecer nos arquivos ou nos museus como peças arqueológicas. Jesus é o grande ausente que devemos redescobrir”.
Luiz Susin: “O cristocentrismo é o mais original de nossa teologia”.
Em sua conferência sobre a tradição teológica latino-americana, o brasileiro Luiz Carlos Susin afirmou que a característica mais original da teologia no continente é seu cristocentrismo, centrado em Jesus de Nazaré. “Nosso modo de viver a fé é o seguimento do mestre Jesus — seu principal título, o primeiro que aparece no Evangelho”, declarou.
Susin explicou que esse seguimento tem implicações históricas e humanas: “Jesus nos ensina a prestar atenção aos sinais dos tempos, e esses sinais são também ecológicos, espaciais, territoriais”. O teólogo franciscano fez um apelo para voltar “aos espaços onde a vida é possível”: “Não é no grande espaço do universo nem no espaço virtual digital, mas no espaço da casa, da comunidade, onde o corpo possa caber”.
Ele também convidou a manter viva a esperança em meio aos desafios contemporâneos: “Em tempos muito desafiadores, é preciso confiar no Espírito e no Cristo ressuscitado, que também nos convida à esperança. O princípio da libertação e o princípio da misericórdia se unem ao princípio da esperança; esses três são irmãos gêmeos e devem estar sempre presentes”.
Francisco Aquino Júnior: “A teologia latino-americana se faz a partir de baixo”.
O também teólogo brasileiro Francisco Aquino Júnior tratou do tema do método teológico, concentrando sua reflexão nas características fundamentais da teologia latino-americana. “Desde o início, sublinhou-se que a teologia da libertação não trata apenas de doutrinas ou textos, mas de explicitar o teologal da realidade”, explicou.
Aquino Júnior destacou três traços essenciais dessa corrente: seu enfoque no teológico da realidade, seu caráter prático e seu lugar social. “Mais do que se preocupar com textos ou conceitos, a teologia da libertação se ocupa da realização histórica da salvação”, afirmou. Acrescentou ainda que se trata de uma “teologia da práxis”, que busca “colaborar na realização histórica do reinado de Deus no mundo”. Ressaltou também que “a salvação e o reinado de Deus vão se manifestando a partir de baixo, como ocorreu na práxis de Jesus”.
O teólogo lembrou que o lugar da teologia não é neutro nem abstrato, mas situado: “Deus age no mundo a partir de baixo; quer salvar a todos, mas o faz a partir dos últimos deste mundo”. Concluiu afirmando que a teologia latino-americana mantém sua identidade ao ser fiel a essa opção: “Todas as teologias da libertação enfrentam a realidade; são teologias da práxis e se fazem a partir dos pobres e a serviço deles. Essa é sua especificidade e sua força.”.
Leia mais
- A Igreja Latino-Americana contra as minas poluentes
- História da igreja na América Latina. Artigo de Eliseu Wisniewski
- João Paulo II teve dificuldade em compreender a Igreja latino-americana e sua teologia da libertação. Artigo de Luis Martinez-Saavedra
- Uma teologia como chave para oprimidos resistirem à aspereza da vida. Entrevista especial com Ronilso Pacheco
- A Teologia da Libertação é um esforço de dizer uma palavra sobre o Deus de Jesus no mundo em que se vive, segundo Francisco de Aquino Júnior
- "Ratzinger fez Jon Sobrino e Gustavo Gutiérrez sofrerem muito, mas foi corajoso quando afastou Marcial Maciel". Entrevista com José Ignácio González Faus
- Gustavo Gutiérrez: servidor dos pequenos e teólogo da libertação. Artigo de José Oscar Beozzo
- Gustavo Gutiérrez, pai da teologia da libertação
- Teologia da Libertação: Ratzinger não era o problema
- “Teologia da Libertação em Tempos Excepcionais de Crise e Esperança”. Ameríndia apela à reflexão face à pandemia
- Papa enaltece padre pioneiro da Teologia da Libertação argentina
- Teologia da Libertação, Leonardo Boff em guerra no Twitter com ministro do Exterior
- A teologia da libertação asiática fica órfã com a morte do jesuíta Samuel Rayan
- Teologia da Libertação: o que significa no contexto atual?
- Ecologia e Teologia da Libertação
- Teologia da libertação no Iraque: uma leitura teológica das manifestações iraquianas
- Teologia da libertação: a Igreja resiste a Francisco
- A força dos pequenos: a Teologia da Libertação
- Perseguição à Teologia da Libertação baseou-se em duas fraudes, indicam pesquisas
- O futuro da Teologia da Libertação
- Teologia da Libertação. Revista IHU On-Line, Nº. 214
- Perseguição à Teologia da Libertação baseou-se em duas fraudes, indicam pesquisas
- João Paulo II. Balanço de um pontificado. Artigo de Xabier Pikaza
- Bento XVI consolidou o giro conservador que João Paulo II impôs à América Latina
- Relembrando o padre e poeta revolucionário Ernesto Cardenal
- Poeta, místico e revolucionário: lembrando Ernesto Cardenal no ano do seu centenário. Artigo de Guillermo Arenas
- Ernesto Cardenal e sua trajetória pelo Cosmos (1925-2020): poesia, mística, revolução e libertação
- Ernesto Cardenal agradece ao Papa Francisco o perdão e está pronto para ir para casa
