25 Outubro 2025
"Reconhecer o Estado da Palestina não é um ato de benevolência nem um gesto simbólico: é um ato de justiça histórica e de fidelidade aos princípios universais que deveriam guiar a comunidade internacional"
O artigo é de Luciano Fazio, matemático pela Università degli Studi de Milão, especialista em previdência pela Fundação Getulio Vargas e consultor externo do DIEESE para assuntos previdenciários. É também autor de O que é previdência do servidor público (Loyola, 2020).
Eis o artigo.
Em 22 de outubro de 2025, a primeira-ministra Giorgia Meloni afirmou que a Itália reconhecerá o Estado da Palestina somente quando o Hamas não estiver no governo. Assim, ela revela uma profunda confusão entre dois conceitos distintos: o Estado e o governo. Trata-se de um erro conceitual que não é apenas técnico, mas também político e histórico, pois ignora um dos princípios fundamentais da ordem internacional contemporânea: o direito dos povos à autodeterminação.
O reconhecimento de um Estado não equivale à aprovação de seu governo ou de sua classe dirigente. Trata-se, ao contrário, do reconhecimento da existência de uma comunidade política soberana, dotada de território, população e capacidade de autogoverno. Um Estado pode atravessar crises, ter governos instáveis ou até ilegítimos, mas isso não anula sua existência como sujeito de direito internacional. A maior parte dos países do mundo, inclusive a Itália, reconhece vários Estados com governos ditatoriais ou democráticos, mas responsáveis por atos criminosos do ponto de vista do direito internacional — como Israel, Rússia e até os Estados Unidos da América, por exemplo. Ou seja, a posição da líder política de Roma, além de conceitualmente equivocada, é parcial, pois segue o critério de “dois pesos e duas medidas” de acordo com os interesses políticos e ideológicos de seu governo.
Subordinar o reconhecimento da Palestina à condição de que um determinado grupo político não esteja no poder significa, na prática, negar a um povo o direito de decidir autonomamente o próprio destino. Significa inverter o princípio fundador da ONU e dos processos de descolonização do século XX, segundo o qual todo povo tem o direito de determinar livremente seu sistema político e de viver em um Estado independente.
Confundir Estado e governo equivale, portanto, a renegar não apenas a soberania estatal, mas também o fim da era colonial. É uma visão que repropõe, sob novas formas, a lógica do domínio europeu sobre os povos “a serem guiados” ou “educados” antes de poderem ser considerados dignos do autogoverno.
Sem dúvida, os políticos do mundo podem expressar julgamentos políticos sobre o Hamas. Não é adequado, contudo, condicionar a esses julgamentos o reconhecimento de um povo e de seu direito a um Estado. Pretender decidir quando e como um povo pode exercer sua soberania significa reproduzir a mesma mentalidade colonial que, por séculos, negou liberdade e dignidade aos povos da África, da Ásia e da América Latina.
Reconhecer o Estado da Palestina não é um ato de benevolência nem um gesto simbólico: é um ato de justiça histórica e de fidelidade aos princípios universais que deveriam guiar a comunidade internacional. Somente separando com clareza o Estado de seu governo — e reconhecendo o direito dos povos de decidirem seu próprio futuro — será possível falar, de fato, em uma política externa coerente com os valores da liberdade e da igualdade entre as nações.
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