O cobrador de impostos e o “cobrador” da justificação. Comentário de Ana Casarotti

“Jesus entre os escribas e fariseus” (1844), obra de Achille Mazzotti

Foto: Reprodução Jornal Madeira

24 Outubro 2025

A leitura que a Igreja propõe neste domingo é o Evangelho de Jesus Cristo segundo Evangelho de Lucas 18,9-14 que corresponde ao 30° Domingo do Tempo Comum, ciclo C do Ano Litúrgico. O comentário é elaborado por Ana Maria Casarotti, Missionária de Cristo Ressuscitado.

Naquele tempo, Jesus contou esta parábola para alguns que confiavam na sua própria justiça e desprezavam os outros: "Dois homens subiram ao Templo para rezar: um era fariseu, o outro cobrador de impostos. O fariseu, de pé, rezava assim em seu íntimo: 'Ó Deus, eu te agradeço porque não sou como os outros homens, ladrões, desonestos, adúlteros, nem como este cobrador de impostos. Eu jejuo duas vezes por semana, e dou o dízimo de toda a minha renda'. O cobrador de impostos, porém, ficou à distância, e nem se atrevia a levantar os olhos para o céu; mas batia no peito, dizendo: 'Meu Deus, tem piedade de mim que sou pecador!' Eu vos digo: este último voltou para casa justificado, o outro não. Pois quem se eleva será humilhado, e quem se humilha será elevado".

Jesus continua ensinando por meio de parábolas. Neste domingo, ele se dirige àqueles que confiam em sua própria justiça e desprezam os outros. É a partir dessa perspectiva que lemos o texto do evangelho de Lucas. Jesus se dirige àqueles que confiam que, por seus próprios méritos, já estão justificados, o que os leva a uma atitude de desprezo pelos outros. A parábola menciona dois homens que sobem ao Templo para rezar: “um era fariseu, o outro cobrador de impostos”.

Recriando a cena, lembremos que os fariseus eram um grupo bastante variado, pois havia sacerdotes e leigos, pessoas simples e também pessoas com certa influência, cultas ou artesãos. Entre as características fundamentais desse grupo heterogêneo, destacam-se o pagamento do dízimo e o cumprimento das prescrições sobre a pureza. O grande risco desse grupo era colocar a observância das normas acima da pessoa.  

Os publicanos eram aqueles que cobravam os impostos que deviam ser pagos a Roma. Eles, os publicanos, haviam comprado o direito de arrecadar os impostos, pelo que tinham a seu serviço um grupo de pessoas que, em diferentes lugares, operava cobrando esses impostos da população. Em nossa linguagem atual, era uma espécie de terceirização dos impostos que Roma impunha a cada um dos países que lhe estavam submetidos. Por isso, o comerciante, o lavrador, o pescador, todos os residentes, estavam expostos ao pagamento exigido pelos publicanos. Eram pessoas desprezadas e consideradas ladras porque, a partir do seu lugar, exploravam o povo

Jesus descreve a oração de cada um deles: O fariseu, de pé, rezava assim em seu íntimo: 'Ó Deus, eu te agradeço porque não sou como os outros homens, ladrões, desonestos, adúlteros, nem como este cobrador de impostos. Eu jejuo duas vezes por semana, e dou o dízimo de toda a minha renda'.

O fariseu está de pé e reza “em seu íntimo”. Ele não faz grandes manifestações externas e parece agradecer a Deus por não ser desonesto, ladrão ou adúltero. No entanto, essa ação de graças não é sincera, pois ele despreza quem está ao seu lado. Seu discurso é cheio de arrogância, e o orgulho de se considerar um bom fariseu, que segue à risca as regras da Lei, faz com que ele despreze quem também está rezando ao seu lado. Sua oração, mais do que uma conversa sincera com Deus e uma demonstração de confiança, parece ser uma espécie de lembrete para si mesmo e para Deus de tudo o que ele faz. É como se ele estivesse cobrando de Deus uma justificativa. Tanto na sua observância rigorosa quanto no pagamento do dízimo, ele espera receber alguma recompensa, e não faz isso de forma espontânea ou por gratidão.

O cobrador de impostos, porém, ficou à distância, e nem se atrevia a levantar os olhos para o céu; mas batia no peito, dizendo: 'Meu Deus, tem piedade de mim que sou pecador!'

Ele sabe que é pobre, pecador e indigno, mas mesmo assim se dirige a Deus de acordo com sua realidade. Reconhece seus erros, seu trabalho já é considerado desonesto, não é bem visto pelo povo e serve ao império, mas ainda assim vai Templo. Talvez tenha enfrentado olhares de reprovação, insultos ou gestos de desprezo para estar lá, mas sente a necessidade de rezar e de se conectar com Deus. Carregado pelo peso da sua condição, não tem motivos para se orgulhar e busca no olhar misericordioso de Deus um pouco de esperança. É alguém que precisa de Deus, que pede e implora, mostrando quem realmente é, sem máscaras.

“Eu vos digo: este último voltou para casa justificado, o outro não. Pois quem se eleva será humilhado, e quem se humilha será elevado".

Mais uma vez, Jesus revela a falsidade de uma religião que se baseia apenas em cumprimentos e ações externas, sem promover um diálogo de confiança ou uma relação verdadeira de filiação com Deus. As palavras do fariseu mostram que ele se vê separado dos demais, considerando-os ladrões, desonestos e adúlteros. Ao mesmo tempo, ele destaca algumas práticas importantes, como o jejum e a esmola. O texto nos mostra um homem orgulhoso de suas ações e de suas atitudes, mas que não sente a necessidade de Deus. Por isso, ele não volta para casa justificado; não pede nada a Deus, pois acredita que sua própria vida e seus gestos já lhe dão essa justificativa.

O Papa Leão XIV, em sua nova Exortação Apostólica, afirma: "Estou convencido de que a opção prioritária pelos pobres gera uma renovação extraordinária tanto na Igreja como na sociedade, quando somos capazes de nos libertar da autorreferencialidade e somos capazes de ouvir o seu clamor" (DT 7). Jesus soube escutar o pedido sincero de um cobrador de impostos, é um clamor que vem do fundo do coração e ele nos convida a aprender a ouvir assim também, percebendo a presença de Deus na vida das pessoas.

As palavras do Papa Leão nos ajudam a entender isso, ensinando que devemos reconhecer a presença de Deus na vida daqueles que estão em necessidade e carência: “Nos rostos feridos dos pobres, encontramos impresso o sofrimento dos inocentes e, portanto, o próprio sofrimento de Cristo. Ao mesmo tempo, talvez devêssemos falar mais corretamente dos múltiplos rostos dos pobres e da pobreza, pois se trata de um fenômeno variado; de fato, existem muitas formas de pobreza: a de quem não tem meios de subsistência material, a de quem é socialmente marginalizado e não tem meios para expressar sua dignidade e capacidades, a de quem se encontra em uma condição de fraqueza ou fragilidade pessoal ou social, a de quem não tem direitos, nem espaço, nem liberdade (DT 9).

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