11 Outubro 2025
A ex-ministra do Meio Ambiente colombiana está pressionando pela criação de um tratado internacional sobre a não proliferação de combustíveis fósseis. "Todo o sistema financeiro e político depende dos combustíveis fósseis", alerta ela.
A reportagem é de Manuel Planelles, publicada por El País, 08-10-2025.
Na década de 1920, seu avô embarcou da Palestina para a América. E, por acaso, chegou à Colômbia, onde construiu uma história da qual Susana Muhamad (Bogotá, 48) é herdeira. Aproximadamente um século depois, a ex-ministra do Meio Ambiente colombiana — que ocupou o cargo de 2022 a 2025 — usa uma pulseira com a bandeira palestina no pulso. "Sinto uma desolação absoluta pela humanidade", diz ela sobre o massacre impune na Palestina. Esta cientista política e ativista climática agora atua como embaixadora da criação do tratado de não proliferação de combustíveis fósseis, promovido por uma coalizão de países e organizações da sociedade civil.
Eis a entrevista.
O Acordo de Paris celebra seu 10º aniversário em 2025. A luta pelo clima está em seu pior momento em uma década?
Acredito que sim, principalmente em termos de cumprimento do acordo pelos países. Há uma questão fundamental no Acordo de Paris que precisa ser avaliada: se conseguiremos resolver o problema climático com uma lógica em que cada país faça o que pode com o que tem. Os compromissos nacionais, as NDCs, têm se mostrado insuficientes porque mesmo os compromissos que foram propostos e devem ser reconsiderados agora, para a COP 30 em novembro, não nos levam à meta do Acordo de Paris. Na realidade, o Acordo de Paris se concentrou na redução de emissões, mas não se concentrou na transformação econômica necessária pela eliminação gradual dos combustíveis fósseis porque não era geopoliticamente possível e permaneceu cativo dos interesses da indústria de combustíveis fósseis. Primeiro, as metas não estão sendo cumpridas e, segundo, mesmo que fossem cumpridas, não seriam suficientes para atingir o objetivo. O Acordo de Paris, portanto, não está funcionando.
Este é um acordo fracassado?
Acho que é uma tentativa. Não diria que é um fracasso completo. Pelo menos existe um fórum funcional para os países, mas definitivamente não tem a arquitetura necessária para realmente atingir o objetivo de conter as mudanças climáticas.
Mas a fórmula de forçar os países a concordarem foi tentada com Kyoto, e também falhou em deter o aquecimento global.
Mas outros tratados, inclusive ambientais, alcançaram compromissos com metas vinculativas de redução. Por exemplo, com os gases que destroem a camada de ozônio, ou com o tratado sobre minas antipessoal, ou com o tratado sobre a não proliferação de armas nucleares. A diferença é que, com os combustíveis fósseis, o próprio capitalismo é desafiado.
Todos esses tratados se concentram em substâncias ou coisas específicas, mas os combustíveis fósseis são como a força vital de todo o sistema.
Sim, da industrialização dos combustíveis fósseis. Temos uma civilização inteira que foi criada nos últimos 200 anos pelo capital dos combustíveis fósseis, um tipo específico de energia que moldou o sistema. Transformá-la — e não se trata apenas de uma transição energética ou tecnológica — requer uma transformação de toda a vida. Isso toca em interesses que estão no cerne do poder global, porque os combustíveis fósseis geraram uma geopolítica de poder. Não é por acaso que, nas negociações climáticas, as decisões devem ser tomadas por consenso, não por voto. Não é por acaso que temos a indústria dos combustíveis fósseis envolvida.
O fato de as decisões precisarem ser tomadas por consenso entre todos os países é o maior objetivo que a indústria de combustíveis fósseis alcançou na luta contra as mudanças climáticas?
Claro, porque, como dizemos na Colômbia, as decisões são diluídas; elas não têm a força necessária para enfrentar o problema. Entendo que países que dependem 100%, ou uma porcentagem muito alta, das exportações de petróleo e que lutam para encontrar alternativas, como alguns países do Golfo, não vão abandonar essa indústria facilmente. Para isso, seria necessário um acordo global muito sólido e chegar ao fundo das consequências econômicas. Acredito que o Acordo de Paris, mais do que um acordo ambiental, deveria ser um acordo econômico. E deveria responder a uma pergunta: como serão os processos de custo-benefício da eliminação gradual dos combustíveis fósseis ao longo do tempo?
Mas já existem alternativas competitivas aos combustíveis?
Sim, energias renováveis, claro. A questão é que as energias renováveis geram mudanças sistêmicas, que podem até levar à democratização da geração de energia. E nunca haverá nada no sistema econômico como o petróleo, que gera os lucros de exportação de um barril; isso não pode ser comparado a um gigawatt de energia solar. Há um problema econômico: os bancos dependem desses lucros, o capital em geral. Todo o sistema financeiro e político depende das receitas dos combustíveis fósseis, uma indústria altamente rentista. Acho que o cerne da questão está aí, mais do que no problema da substituição de energia, que também não é uma questão pequena.
Como essa mensagem complexa pode ser transmitida em um contexto político onde populismos conservadores estão usando mentiras para avançar pelo mundo?
Acho que a natureza está falando, e isso só vai piorar. Então, teremos que mostrar a relação entre a desregulamentação da natureza e os impactos dos desastres na humanidade, e vinculá-la à produção de combustíveis fósseis. Há outro tópico pouco explorado: a saúde, os impactos dos combustíveis na qualidade do ar e as doenças respiratórias em muitas cidades do mundo.
Você trabalhou na indústria de combustíveis fósseis por alguns anos, para a Shell. Por que saiu?
Isso foi em 2003. Eu realmente achava que essas empresas estavam caminhando para uma transição energética. Elas começaram a se vender como empresas de energia que usariam os lucros do petróleo para criar uma revolução energética. Trabalhei lá por cinco anos como consultor em questões ambientais e sociais e como parte da plataforma de inovação. Mas quando decidiram, em 2008, que, em vez de dedicar o dinheiro da inovação a alternativas renováveis, investiriam no aprofundamento do extrativismo por meio de novas técnicas de exploração, como o fracking [fraturamento hidráulico], decidi me demitir porque entendi que eles não iriam criar uma transição energética, mas sim manter o status quo.
Por que um tratado de não proliferação de combustíveis fósseis é necessário?
O Acordo de Paris é um acordo ambiental internacional focado em emissões. O que propomos com o tratado é um complemento que vai ao cerne do problema econômico e abre a discussão sobre o que significaria a transição na produção. E como isso pode ser feito sem comprometer a soberania energética dos países, sem comprometer suas economias. Porque não se pode buscar uma transformação dessa magnitude mantendo condições como se nada estivesse acontecendo no sistema financeiro, ou nas formas de avaliar economicamente os países, porque então a transição não acontecerá. Por exemplo, a Colômbia. Para pagar sua dívida, a Colômbia precisa de receita tributária, e uma das fontes mais importantes vem das exportações de petróleo. Quando se diz que não vamos explorar mais petróleo, a próxima pergunta é como ela vai pagar sua dívida? Não há realmente nenhum sistema de apoio para a Colômbia fazer a transição. E o que está acontecendo hoje com a direita no debate eleitoral? Bem, eles continuam perguntando como a Colômbia vai parar de explorar combustíveis fósseis. As condições para cumprir o Acordo de Paris não existem, porque é um problema econômico.
Quando você espera que esse tratado se concretize?
Há quase quatro anos, há uma campanha da sociedade civil, que já levou 17 países a reivindicar ativamente o tratado. Diversas possibilidades legais foram estudadas, e chegou-se à conclusão de que algo assim – transformá-lo em um tratado da ONU que exija consenso – jamais acontecerá. Portanto, o que se propõe é uma grande coalizão de países para buscar a complementaridade regional entre produtores e consumidores de combustíveis fósseis. O objetivo é criar algo como uma grande ilha de países e economias suficientemente interdependentes que começarão a negociar um tratado entre si.
Fora do sistema das Nações Unidas?
Sim, foi assim que surgiu, por exemplo, o tratado sobre minas antipessoal, que não teve chance de chegar a um consenso devido aos produtores de minas. A Colômbia decidiu liderar a convocação da primeira conferência diplomática para começar a preparar o terreno para o que poderia se tornar um tratado. O objetivo é atingir cerca de 30 países, o que criaria as condições para a negociação de um tratado específico. A conferência está prevista para ocorrer por volta de abril de 2026.
Acha que a Espanha vai participar?
A Espanha deveria ser um desses países. Primeiro, porque passou por uma transição energética muito importante. Segundo, porque é atualmente líder na UE em causas sociais e ambientais, e é um dos países que assumiu posições progressistas em muitos aspectos. E terceiro, porque também existe uma grande complementaridade econômica entre os países latino-americanos e a Espanha. Pode ser a voz principal na UE. Precisamos de um ou dois países europeus para apoiá-la, e a Espanha seria fundamental. Também estamos em negociações com o Reino Unido, que também decidiu não conceder mais licenças de exploração de combustíveis.
Como você se sente quando vê as imagens do massacre em Gaza como neta de um palestino?
É a destruição absoluta do direito internacional. É a sensação de que a impunidade total pode reinar. Qualquer uma dessas potências, por razões econômicas ou geopolíticas, pode invadir outro país. E ninguém responde. Um povo pode ser massacrado e ninguém responde. O que está acontecendo com o povo palestino é o anúncio de uma nova ordem internacional onde o que foi construído após a Segunda Guerra Mundial para tentar estabelecer regras é questionado. Eu me sinto impotente e enojado... Não há mais palavras, você não encontra palavras diante de um genocídio vivo onde ninguém pode responder. E não é por acaso que os ambientalistas são os que têm tomado medidas da sociedade civil, com a flotilha, por exemplo. Porque isso está ligado a essa defesa do capital dos combustíveis fósseis e a essa defesa dos interesses geopolíticos do poder. Esse sistema pode se sustentar, mas cada vez mais com autoritarismo e armas. Eu sinto uma desolação absoluta pela humanidade.
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