11 Outubro 2025
Valentina Pisanty, professora de semiologia na Universidade de Bérgamo, publicou recentemente Antisemita. Una parola in ostaggio (Antissemitismo. Uma palavra refém) para a Bompiani. Seu livro anterior foi I guardiani della memoria e il ritorno delle destra xenofobe (Os guardiões da memória e o retorno da direita xenófoba) (2020), a partir disso começamos a nossa conversa.
A entrevista é Bruno Montesano, publicada por il manifesto, 07-10-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
Eis a enrevista.
Antissemitismo é uma palavra que corre o risco de perder o significado devido ao seu uso excessivo. Que nexo identificou entre a inflação da memória do Holocausto e a ascensão da extrema-direita?
Após a queda do Muro de Berlim, a Memória tornou-se um bastião da identidade ocidental, um fetiche em torno do qual reunir os pedaços dispersos de uma Europa movida pelo atlantismo. Na ausência de um projeto político comum, essa identidade foi constituída em torno da memória do grande trauma do Holocausto e, por extensão, dos crimes soviéticos. Selando o triunfo das democracias liberais, o movimento Nunca Mais assumiu a função de alerta para as gerações futuras: não apenas nunca mais discriminações, conflitos e violências coletivas, mas também nunca mais ideologias e utopias capazes de questionar a ordem vigente. Aquele Nunca Mais indefinido e universalista deveria garantir a proteção de todas as minorias, sem nunca ter sido esclarecido como. Difundiu-se a ilusão de que relembrar os traumas do passado fosse, em si, um remédio contra qualquer injustiça presente ou futura. Isso resultou em uma memória sacralizada e intocável, centrada em um evento cuja memória, apesar de sua suposta universalidade, precisava ser protegida de comparações sacrílegas. Para resguardar essa intocabilidade, surgiram os "guardiões da memória", aqueles que falam em nome das vítimas e que se arrogam o direito de estabelecer quais outros eventos podem ser comparados com o Holocausto. Cada comparação, por sua vez, desencadeava um senso de urgência e de necessidade de ação imediata.
Nos últimos 30 anos, as instituições da memória estadunidenses e europeias alinharam-se progressivamente à agenda das direitas israelenses no governo. A luta contra o antissemitismo foi instrumentalizada para delimitar os limites do discurso legítimo. O inimigo não é mais o antissemitismo como forma específica de racismo, mas o antissionismo, definido como suposta metamorfose do antissemitismo histórico. Daí a construção deliberada da categoria de "novo antissemitismo", aos poucos adotada pela maioria dos governos ocidentais (na Itália, isso é demonstrado pelos projetos de lei propostos pelos partidos Liga e Itália Viva, que pedem sua incorporação ao ordenamento jurídico).
Esta é a verdadeira mudança de paradigma: de um "Nunca Mais" universal para um "Nunca Mais" ultraparticularista, promovido por muitos defensores das atuais políticas da memória. Trata-se do mesmo "Nunca Mais" do sionismo ultranacionalista de Meir Kahane, teorizado no panfleto de 1971 "Never again! A program for survival". Um "Nunca Mais" restrito apenas aos judeus — identificados em bloco com Israel e suas direitas etnonacionalistas— que acaba se enxertando e parasitando aquele universal.
Mas como explicar a relação com a extrema-direita europeia?
Outro aspecto é a troca de favores. Israel emite certificados de inocência no plano do antirracismo para qualquer um que tire uma foto em frente ao Yad Vashem e condene os atuais inimigos do "Estado judaico". Em troca, os expoentes da extrema-direita, ao retornarem para casa, podem se proteger das acusações daqueles que os lembram de seu passado— ou mesmo presente — racista e antissemita, como mostra o mito de Soros, do qual são os principais propagadores. Mas entre as direitas mundiais e aquela israelense, há mais do que apenas um toma lá dá cá. Existe também uma forte convergência de pontos de vista, baseada na islamofobia, no nacionalismo exasperado e no militarismo. Israel se tornou o sonho das direitas mundiais.
Mas os judeus foram vítimas reais: qual é a distinção entre a vítima efetiva e o uso vitimário de ter sido vítima?
Sobre isso, remeto ao livro Critica della Vittima, de Daniele Giglioli: a distinção reside entre vítima enquanto tal e vítima como papel declarativo. A vítima real tem o direito de ser protegida enquanto for vítima. Mas ela não deveria ter, em virtude do seu passado, mais direitos do que outros numa disputa política. Ter sofrido violência não a torna mais competente na resolução de conflitos, nem as suas razões devem prevalecer sobre as de terceiros num momento diferente daquele em que sofreu a vitimização.
A crítica estende-se então à política identitária em geral?
Sim, o título de vítima tornou-se um legado transmitido de geração em geração. Se os efeitos da vitimização passada perduram no presente, não há dúvida de que tudo deve ser feito para pôr fim a isso. Mas uma coisa é reconstruir a genealogia que permite compreender por que é tão difícil erradicar um preconceito pelo qual fomos no passado. — e ainda somos — vítimas. Outra coisa é transformar aquela condição em um recurso a ser usado no cenário público, para afirmar uma primazia entre as vítimas ou para reivindicar direitos ou licenças especiais. Nesse sentido, as políticas de identidade têm sido nocivas.
A memória talvez seja o exemplo mais evidente de uma tendência geral a cultivar a excepcionalidade do próprio trauma, em vez de elaborá-lo e superá-lo, recuperando assim a confiança na humanidade e retornando ao fluxo normal da história. Frequentemente me perguntam o que deve ser feito para "salvar a memória do Holocausto". Mas a memória não é um patrimônio a ser preservado como tal, exceto talvez para aqueles que fundamentam sua identidade de grupo na memória subjetiva daqueles eventos. Em vez disso, é mais uma ferramenta a serviço da compreensão das dinâmicas passadas, útil para reconhecer e combater situações em determinados aspectos análogas no presente.
No ataque de 7 de outubro, além da raiva anticolonial, havia também uma dimensão antissemita — de acordo, por exemplo, com a conhecida Carta do Hamas, ainda que emendada?
Não creio que seja tanto uma questão de preconceito racista, mas sim de uma sobreposição indevida entre israelenses e judeus. Não sei se aqueles que saíram para matar pessoas em 7 de outubro eram realmente antissemitas: certamente odiavam Israel e não faziam distinção, até mesmo porque, naquele contexto, "israelenses" e "judeus" tendem a ser usados como sinônimos. É nessa confusão que a retórica árabe contra Israel às vezes se deixou contaminar por motivos típicos do antissemitismo europeu, como pedras a serem atiradas ao acaso. Fiquei impressionada com uma entrevista com Abu Mazen na década de 1990, durante o processo de paz, na qual, quando o criticaram por sua tese de doutorado negacionista de 1982, ele respondeu que agora não escreveria mais aquelas coisas, mas que naquela época eram úteis porque os judeus eram seus inimigos.
É por isso que é fundamental separar o antissemitismo do antissionismo. O primeiro é um racismo, o segundo, uma posição política. É claro que pode haver sobreposições: pode acontecer que alguém, ao criticar o sionismo, acabe recorrendo a estereótipos antissemitas, ou que um antissemita se camufle por trás da legitimidade política do antissionismo. Mas isso não é a norma. Nos discursos anti-israelenses difundidos na Europa, muitas vezes prevalece uma aversão visceral que não nasce do antissemitismo, mas de outras fontes, como o anti-imperialismo ou o antiamericanismo. Precisamente para evitar que essa hostilidade degenere em antissemitismo, é necessário manter as distinções claras. Essas distinções são, em vez disso, sistematicamente obscurecidas por muitos representantes institucionais das comunidades judaicas, que tendem a equiparar Israel e judeus, por exemplo, afirmando que qualquer pessoa que discorde não é um verdadeiro judeu. E, infelizmente, suas vozes recebem muito mais espaço na mídia do que aquelas de realidades alternativas como o Laboratório Hebraico Antirracista ou o Nunca Indiferentes.
Como podemos interpretar assassinatos de judeus, como os ocorridos nos EUA ou em Manchester, em um contexto em que atos como pichações sobre Israel em frente às sinagogas são percebidos como ainda mais graves devido ao trauma intergeracional do judaísmo?
São atos antissemitas na medida em que visam os judeus como tais, e não por suas posições políticas. Antissemitismo significa negar que os judeus não coincidem com Israel, assim como nem mesmo os israelenses constituem um bloco monolítico; significa atribuir responsabilidade a alguém apenas por ser judeu ou israelense, como se seu pensamento fosse determinado por uma anomalia inata. Hoje, no entanto, dois níveis devem ser distinguidos: o primeiro, prioritário, é a violência assassina em Gaza e na Cisjordânia, que deve ser interrompida urgentemente. O segundo é o perigo de que comentários antissemitas se traduzam em ações concretas, uma violência que também deve ser combatida.
O trauma de segunda geração pode amplificar a percepção de palavras ou situações, pois leva à aplicação do esquema da violência sofrida a diferentes contextos. Mas essa percepção deveria ser superada, não cultivada: pelo contrário, as políticas da memória tiveram o propósito de manter a ferida aberta.
A acusação de nazismo é uma espécie de pomo de discórdia trocado entre os dois lados: Israel diz ao Hamas que eles são nazistas, alguns que apoiam a Palestina afirmam que Israel é nazista. Por que razão, na sua opinião?
A acusação cruzada de nazismo tem sido uma constante em todos os conflitos desde que o Holocausto foi elevado a paradigma universal. Certamente nunca é útil para a resolução: comparar alguém a Hitler equivale a colocá-lo no papel do Inimigo Absoluto, com quem qualquer compromisso é excluído e toda medida, defensiva ou agressiva, parece legítima. O impacto emocional varia, é claro: para os judeus, tal acusação acarreta uma ofensa adicional. No entanto, de um ponto de vista lógico, não se pode dizer que uma reductio ad Hitlerum seja racista se dirigida a um judeu, e neutra em todos os outros casos.
Qual sua opinião sobre a acusação de dois pesos e duas medidas ligada ao boicote, ou seja, que com outros regimes culpados de violações de direitos humanos nada deve ser feito — com exceção da Rússia?
Nenhum outro país recebeu tanta leniência quanto Israel: no plano governamental, o duplo padrão não é contra, mas a favor de Israel. É claro que é natural que haja uma
atenção distinta daquela, por exemplo, dada à Somália: Israel é apresentado como o posto avançado do Ocidente no Oriente Médio, como uma democracia, e temos uma responsabilidade especial para com ele, visto que o armamos e apoiamos muito mais do que a Somália.
É normal que nos questionemos mais a fundo sobre os crimes israelenses do que os de outros países. Espera-se muito mais de um aliado do que de um ator distante.
Mas há outro aspecto a considerar. A memória que Israel instrumentaliza para fins bélicos é a mesma com a qual fomos educados a nos identificar. O contraste entre a mensagem de paz universal associada àquela memória e seu uso para justificar operações militares de violência inaudita é tão gritante que inevitavelmente gera uma reação.
Pode explicar a diferença entre a definição de antissemitismo da IHRA (Aliança Internacional para a Memória do Holocausto) de 2016 e a Declaração de Jerusalém de 2020?
A definição da IHRA nasce com a intenção declarada de oferecer um instrumento útil para monitorar as formas mais sutis de antissemitismo que às vezes se escondem por trás da retórica antissionista. Na prática, porém — também graças a uma série de recursos linguísticos, como a substituição da forma indicadora de dúvida ("poderia constituir um episódio de antissemitismo...") pela forma assertiva ("é antissemitismo") —se transformou em um dispositivo que tende a equiparar antissionismo e antissemitismo.
Muitos dos casos listados entre as possíveis ofensas antissemitas coincidem com clichês ou argumentos típicos da retórica anti-israelense e antissionista. Isso não é por acaso. O propósito político dessa definição — silenciar as críticas mais veementes a Israel — é evidente para qualquer um que estude esses temas. É por isso que vários acadêmicos sentiram a necessidade de elaborar um corretivo: a Declaração de Jerusalém (DJ). Embora a IHRA tenha sido rapidamente adotada por vários governos ocidentais, a começar pelos Estados Unidos, era necessário um instrumento capaz de restaurar a distinção entre antissemitismo e antissionismo. A DJ cumpre essa função, mas permanece um discurso acadêmico.
O muro institucional e jornalístico que protege a IHRA é praticamente intransponível. O principal mérito da DJ é afirmar que a linha entre o discurso razoável e o irrazoável não coincide com aquela entre discurso antissemita e não antissemita. É possível ser irrazoavelmente hostil a Israel sem por isso ser antissemita. E como o debate político também é composto por posições parciais, radicais ou irrazoáveis, e seu propósito é precisamente estabelecer o que é razoável e o que não é, não é legítimo excluir a priori uma parte inteira da discussão.
Em Antisemita. Una parola in ostaggio, você escreve que o problema está no definir rigidamente o que é aceitável e o que não é. Mas como combater discursos de ódio sem ter definições?
Por meio de thin definitions e thick descriptions: com definições leves e interpretáveis, que buscam, caso a caso, compreender quais são os elementos em jogo para poder avaliar se um discurso é racista. A rigidez dos critérios transforma a definição em instrumento de censura, a serviço daqueles que detêm seu monopólio.
Insisto: o antissemitismo não é um preconceito "unicamente único". É uma forma de racismo dirigida contra os judeus e deve ser contrariada como qualquer outro racismo. Cada forma de racismo tem suas especificidades, dependendo do estereótipo mobilizado, mas os instrumentos de proteção devem ser os mesmos. Devemos, portanto, voltar a pensar em termos gerais: racismo é discriminação baseada na atribuição de traços indeléveis a um grupo. O estereótipo difamador pode dizer respeito à suposta perfídia conspiratória judaica ou à suposta inferioridade dos povos explorados e colonizados. Ambas as formas de racismo, no entanto, podem levar ao genocídio, como a história demonstrou.
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