11 Outubro 2025
Em Nova York, três jovens filhos de famílias exiladas do socialismo soviético militam hoje por Zohran Mamdani, um candidato a prefeito que se define como socialista. Suas histórias familiares revelam como a ideia de socialismo é ressignificada entre gerações e adquire novos sentidos no cenário político americano.
O artigo é de Mariia Fedorova, publicado por Nueva Sociedad, 09-10-2025.
Mariia Fedorova é jornalista e trabalha na revista The City. É bolsista do programa Arthur F. Burns, desenvolvido pelo International Center for Journalists.
Eis o artigo.
Em uma tarde de sábado, no parque McGolrick, em Greenpoint, voluntárias e voluntários da campanha de Zohran Mamdani, com suas camisetas coloridas, misturavam-se à paisagem. Eles faziam parte de um contingente de mais de 50 mil militantes espalhados por toda a cidade.
Entre eles, três jovens se destacam por suas histórias familiares: em seus próprios círculos e comunidades de origem, eles são exceções. Seus parentes fugiram do socialismo soviético — ou lutaram contra ele — antes de imigrarem para os Estados Unidos. Agora, como jovens adultos nascidos e criados no país, trabalham com entusiasmo para eleger um candidato que se define como socialista.
Os tios e tias de Magdalena Morańda participaram do movimento polonês Solidariedade contra o Partido Comunista em Breslávia (Wrocław). Seus pais deixaram a Polônia em busca de uma vida diferente. A filha, que cresceu em Ridgewood, hoje bate de porta em porta fazendo campanha por Mamdani e é militante ativa dos Socialistas Democráticos da América (DSA, na sigla em inglês).
Essa parte de sua história, no entanto, ela mantém em segredo. "Meus pais não sabem que eu faço parte da DSA. Não creio que aprovariam que eu fizesse parte de uma organização socialista," ela diz. Quando sua mãe liga enquanto ela está com outros ativistas, ela simplesmente responde: "São meus amigos da campanha do Zohran."
O socialismo democrático de Mamdani é muito diferente da economia planificada da era soviética, marcada por períodos de severas restrições totalitárias. Mas para as famílias que vieram daquele "antigo socialismo", as lembranças não se apagam facilmente.
A história familiar de Umit Muradi está ancorada nesse passado. Seus parentes afegão-turcomanos sobreviveram à invasão soviética do Afeganistão em 1979, enquanto seus avós sofreram a coletivização no Turcomenistão soviético na década de 1940, em um contexto de fome, repressão cultural e restrições religiosas.
Mesmo hoje, ele às vezes se surpreende com seu próprio apoio a Mamdani. "É uma loucura, não vou mentir." No apartamento da família no Queens, a política era um tema tabu, até perigoso. E o socialismo? "Uma fantasia que não vai funcionar. Pode ser manipulado e dirigido por um pequeno grupo no topo."
Depois, há Alex Rudnicki, criado em Nova Jersey em uma família polonesa com raízes ucranianas. Ele absorveu a mesma lição: "Crescendo em Nova Jersey, o que se costuma ouvir é que muitos políticos são muito corruptos, que não pensam no bem-estar das pessoas." Assim como Morańda e Muradi, ele também sai às ruas para apoiar Mamdani e sua mensagem socialista democrática. Em seu tempo livre, eles batem em portas, conversam com desconhecidos — às vezes são convidados a entrar, às vezes são recebidos com escárnio —, promovendo a ideia de um Estado mais ativo.
A Visão de Mamdani
No dia seguinte, na praça Athens, em Astoria — o bairro onde Mamdani vive e atua como deputado estadual —, Morańda se coloca diante de um grupo de militantes, muitos dos quais estão tendo sua primeira experiência política. "Sei que muitos e muitas estão nervosos", ela lhes diz. "Pensam: 'Não sou especialista em políticas públicas. Não tenho todas as respostas.' Mas quero que saibam algo: vocês sabem mais do que imaginam."
Morańda vai mostrando os eixos da campanha de Mamdani, repetindo-os quase como um mantra: congelamento dos preços do aluguel (ou seja, impedir que subam por um período determinado), ônibus gratuitos e com serviço expresso (sem custo para os usuários e com maior frequência) e creches universais. Tudo, claro, financiado com impostos mais altos para os ricos. "Vocês já são especialistas", ela diz com segurança.
Para o cientista político Rafael Khachaturian, essa combinação de idealismo e pragmatismo é a chave: uma mistura de ideias de esquerda com organização prática. "Controle democrático por parte da classe trabalhadora, um setor público fortalecido, direitos trabalhistas, proteção de minorias, participação de base", ele enumera. Ele observa que este tipo de política vem se gestando desde os protestos contra a Guerra do Vietnã e que mais recentemente encontrou seu lar nos Socialistas Democráticos da América.
A DSA começou como uma pequena organização na década de 1980, mas após a campanha presidencial de Bernie Sanders em 2016 transformou-se em um movimento nacional. Hoje conta com mais de 80 mil membros — a maioria incorporada depois de 2016 — e sedes locais ativas em todo o país. Sua plataforma de 2024, "Os trabalhadores merecem mais", combina demandas de curto prazo — como a semana de trabalho de 32 horas, Medicare para todos, universidade e moradia gratuitas — com objetivos de longo prazo: limitar o poder da Suprema Corte, quebrar o bipartidarismo e opor-se às intervenções militares americanas.
Mamdani se define como socialista democrático, mas esclarece que sua plataforma não é idêntica à da DSA. Ele não faz campanha pela propriedade pública nem pela semana de trabalho de 32 horas. Suas propostas tributárias são mais limitadas, focadas nos nova-iorquinos de maior renda. Embora tenha sido crítico de Israel e prometido prender Benjamin Netanyahu se ele visitar a cidade, sua campanha se concentrou principalmente em temas locais.
Em 2020, ele definia o socialismo simplesmente como "um compromisso com a dignidade" e, neste mesmo ano, citou Martin Luther King Jr. na CNN. Lá, ele o definiu como "uma melhor distribuição da riqueza para todos os filhos de Deus neste país." Embora seja membro ativo da DSA, sua mensagem é matizada.
Para Morańda, também militante da DSA, essa estratégia é correta. "Sou uma pessoa prática", ela diz. "Sei no que ele acredita e por quais políticas ele luta." Se ele precisar ajustar posições sobre segurança ou negócios para vencer, "está tudo bem para mim."
Para Khachaturian, a mistura de Mamdani — uma mensagem centrada na acessibilidade da vida urbana, transmitida através de um prisma multicultural nova-iorquino — é o que o torna eficaz. "O trabalho está ligado às experiências de vida das pessoas", ele explica. Para os três militantes, essa mensagem é mais do que uma estratégia: é uma aposta pessoal.
Despertares Políticos
Aos 23 anos, Morańda vive no leste de Astoria e trabalha na captação de recursos para uma organização dedicada a causas de justiça social: um emprego de escritório com um lado militante. O aumento dos aluguéis a obrigou a deixar Ridgewood. "Embora eu não tenha um aluguel regulado, o congelamento e as políticas do Zohran contra os maus proprietários me fazem sentir que poderei continuar vivendo no Queens", ela conta.
Sua tia não teve a mesma sorte e se mudou para Maspeth, a meia hora de metrô ou à mercê do ônibus Q39. Morańda pega esse mesmo ônibus para visitá-la. "Os ônibus rápidos e gratuitos me permitiriam vê-la com mais frequência e facilitariam sua vida. Isso me anima muito."
Seu pai, carpinteiro, fabrica móveis sob medida para clientes ricos de Westchester e Manhattan. "Ele me ligou de Tribeca esta semana e me disse: 'Estou em um prédio de luxo'." Em casa, o contraste é evidente: eles vivem endividados e mal conseguem pagar as contas no final do mês. "A família americana média", ela resume.
Para Muradi, de 27 anos, a política também começou como uma contradição. "Em Nova York há muito descontentamento", ele diz. Custos crescentes, creches inacessíveis... "E então, durante o governo Biden, repetia-se que a economia estava ótima. Talvez para o 1%, mas o resto estava sendo esmagado."
Muradi cresceu em South Ozone Park, passando os fins de semana no enclave afegão de Flushing — apelidado de Qalacha, "fortaleza". Seu pai é motorista de Uber; sua mãe, enfermeira com turnos duplos. "O bem-estar material é o primeiro", ele diz. Seu objetivo é simples: aposentar seus pais. Depois de trabalhar em finanças, ele voltou para o Queens e começou a militar por Mamdani. "As pessoas que vivem de programas de assistência social... esse é o meu mundo."
Rudnicki, já na casa dos trinta, se desiludiu durante os anos de Barack Obama, quando as mudanças que ele esperava não vieram. "Coisas boas aconteceram, claro, mas principalmente no plano internacional. A violência exercida em nome do capitalismo, os programas militares... isso me desanimou", ele recorda.
O que o fez voltar a se interessar por política foi ouvir propostas concretas — como melhorar o transporte público ou ampliar o acesso a creches infantis — que, ao contrário do que ele havia aprendido quando criança, colocavam as necessidades da gente comum no centro. "Foi aí que a ficha caiu: estas são as pessoas que tentam ajudar quem mais precisa, quem não tem tempo para perseguir o chamado sonho americano — ou nova-iorquino. Aí ele me pegou."
Conversas com mamãe e papai
Na praça Athens, os voluntários de Mamdani se movem em pares. Cada militante carrega um roteiro, uma lista de ruas designadas e um aplicativo que registra cada porta batida, cada conversa. Essa prática de campanha porta a porta é comum na política americana: não apenas permite persuadir eleitores indecisos, mas também fortalecer a moral dos próprios militantes.
O aplicativo não apenas armazena endereços: ele traça "universos" de eleitores cuidadosamente projetados, com as listas que a campanha priorizou para visitas e chamadas. São abordadas tanto as "portas difíceis" — onde há hostilidade ou indecisão — quanto aquelas já favoráveis a Mamdani, para consolidar apoios.
"Você pode bater em uma porta que já está marcada para o Zohran e ter uma conversa agradável", diz Morańda, apontando para um cartaz de campanha em uma janela próxima.
Ela sabe ler o bairro e adaptar a mensagem. "Sei identificar um edifício com aluguel regulado pelo Estado", ela explica. "Aí eu começo falando sobre a proposta de congelar os preços do aluguel." Se ela vê um carrinho de bebê na calçada, ela fala sobre creches universais. Um edifício longe do metrô: primeiro ela promete ônibus gratuitos. Sua experiência em campanhas de moradia e seu trabalho com a legisladora estadual Sarahana Shrestha — cuja vitória foi chave para aprovar a Lei de Energias Renováveis Públicas — moldam sua abordagem. "Ali eu vi como as eleições podem gerar mudanças reais para a classe trabalhadora", ela diz. A chave não eram os rótulos. "Quando fiz campanha pela Sarahana no condado rural de Ulster, nunca mencionei que ela era socialista. As pessoas se importam com os temas. Se o rótulo as assusta, eu quero que elas votem nela porque se importam."
Morańda considera que Bernie Sanders contribuiu para que o termo "socialismo" deixasse de soar ameaçador, o que facilitou para que muitos militantes pudessem explicá-lo melhor a pais e mães que haviam emigrado da Europa fugindo de regimes socialistas. Rudnicki, por sua vez, refere-se a seus parentes que ainda vivem na Europa: quando vêm visitar, inevitavelmente comparam os sistemas de proteção social que têm lá com as desigualdades que observam nos Estados Unidos.
Na família de Morańda, a distinção continua sendo fonte de tensão. Seu pai chama o sistema de saúde universal de "socialismo"; sua mãe, de "direitos humanos básicos." "Minha mãe adorava o Bernie", diz Morańda. "Para ela, o que é padrão na Europa não é socialismo."
Khachaturian esclarece a diferença: na Europa, os sistemas de proteção social convivem com o capitalismo e amortecem seus efeitos mais duros, enquanto o socialismo democrático americano, como o que os militantes de Mamdani apoiam, busca impulsionar mudanças estruturais adaptadas a necessidades imediatas. Muradi compartilha essa visão prática: "Eu vejo muitas coisas no socialismo real que não funcionaram." Mas ele esclarece: "Socialismo não significa um regime autoritário."
Para Khachaturian, esta distinção é central. Ele cresceu no sul do Brooklyn, filho de pais russos da Geórgia, e observa a lacuna entre as gerações que viveram o socialismo real — com alfabetização universal e estabilidade econômica, mas repressão política — e o socialismo aspiracional da juventude atual. "Não havia muitas oportunidades para falar seriamente sobre esses temas", ele recorda. "A não ser que você estivesse procurando alguém que te explicasse por que eles estavam errados."
Em algumas famílias, no entanto, a conversa começa a mudar. A mãe de Morańda ainda detesta a palavra "socialismo", mas — observa a filha — "ela gosta de todas essas ideias socialistas."
Muradi adota a mesma estratégia: apelar a benefícios concretos. Seu pai era cético no início. "Ele dizia em farsi: 'Este cara quer ônibus grátis. É uma loucura'." Mas com o tempo, algo começou a mudar. Como motorista de Uber, ele cruzava comunidades diversas de Nova York todos os dias e começou a ouvir mais sobre Mamdani. Antes das primárias democratas, ele ligou para o filho: "Preciso que você vá votar no Zohran Mamdani."
Para Morańda, as tensões continuam aparecendo em ligações telefônicas ou quando seus pais visitam seu apartamento em Astoria. "Como minha mãe não sabe que estou na DSA nem em tudo isso, ela não entende como estou ocupada", ela diz. "Não entende por que meu quarto está bagunçado ou por que tenho menos tempo para lavar a roupa." De vez em quando, sua mãe faz piadas: "Você ainda está por aí tentando mudar o mundo?", ela diz. E Morańda responde: "Sim.
Nota
A versão original deste artigo, em inglês, foi publicada em The City em 02-10-2025 com o título “Their Families Fled Soviet Socialism. Now They’re Knocking Doors for Mamdani”, e está disponível aqui.
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