25 Setembro 2025
Luiz Marques e José Eli da Veiga avaliam que foram raros os avanços produzidos pela conferência e não há perspectivas de que o resultado deste ano seja diferente.
A reportagem é de Tote Nunes, publicada por Jornal da Unicamp, 24-09-2025.
COP30 – que acontece em novembro, em Belém – deverá trazer poucos avanços para a cooperação global no enfrentamento dos efeitos da mudança climática. A avaliação é dos professores José Eli da Veiga, da Universidade de São Paulo (USP), e Luiz Marques, da Unicamp. Segundo os especialistas, foram raros os avanços produzidos pela conferência nas edições anteriores e não há perspectivas de que o resultado deste ano seja diferente.
“As COPs são conferências das partes de uma convenção muito mal construída. Inventaram que haveria essas COPs com 200 países, e não funcionou. O balanço é zero”, disse Veiga, que é professor do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP e um dos maiores especialistas da área no Brasil.
Autor de livros como O Antropoceno e a Ciência do Sistema Terra (2019) e o O Antropoceno e as Humanidades (2023), Veiga afirma ser difícil acreditar que, num universo tão amplo de duas centenas de países, seja possível tomar uma decisão. “Aí, para não ficar chato – porque tem um monte de gente lá interessada em apresentar algum resultado –, a decisão é adiada para o ano seguinte. Qualquer coisa que é difícil de decidir, fica mais fácil adiar”, diz o especialista.
“Esta já é a 30ª edição e nada. Nenhuma funcionou. Na verdade, a COP de Glasgow (2021) chegou a produzir alguns efeitos, mas não aqueles que estão no centro da convenção do clima”, argumenta Veiga. Um dos avanços da COP26 foi a adoção do Pacto Climático, que incluiu o fim do financiamento internacional para combustíveis fósseis, um compromisso de redução do uso do carvão e de financiamento para os países em desenvolvimento. O professor da USP afirma, no entanto, que há algumas saídas. Uma delas seria a criação do que chamou de “mini coalizões”. A ideia seria juntar 10 a 15 países e buscar consensos em torno de determinados programas – como o que o Brasil está propondo para as florestas, por exemplo.
José Eli Veiga e Luiz Marques participaram do seminário “Cameja 2025 – Para Além das COPs”, realizado entre os dias 16 e 17 de setembro na Unicamp, organizado pela Comissão Assessora de Mudança Ecológica e Justiça Ambiental da Diretoria Executiva de Direitos Humanos. A programação do evento contemplou também a discussão sobre o papel dos movimentos sociais e das lideranças indígenas.
Transição para fontes mais limpas
Luiz Marques avalia que os objetivos da Convenção-Quadro das Nações Unidas para a Mudança do Clima, para a qual as COPs foram criadas, “certamente não estão sendo cumpridos”.
A principal finalidade dessa convenção, expressa em seu artigo 2, era “alcançar a estabilização das concentrações de gases de efeito estufa na atmosfera em um nível que evite interferências antrópicas perigosas no sistema climático”. Entre 1995 e 2009, esse nível de interferência antrópica perigosa foi fixado em um aquecimento médio global acima de 2 graus Celsius em relação ao período convencionalmente chamado pré-industrial (1850-1900).
“No acordo de Paris, em 2015, esse limite foi o de envidar esforços para que o aquecimento médio global não ultrapassasse 1,5 graus Celsius. Mas esse nível de aquecimento foi ultrapassado já em 2024 (1,55 graus Celsius segundo a Organização Meteorológica Mundial) e será ultrapassado irreversivelmente até 2030. Portanto, as COPs não foram capazes de ter uma incidência positiva no objetivo central que as gerou – que era justamente o de evitar uma interferência antrópica perigosa no sistema climático”, argumenta o professor.
“É como se você tivesse uma meta de parar de fumar e você não apenas não parasse, como aumentasse o consumo de cigarro. Se isso não se chama fracasso, não sei que nome se dá a isso”, justifica Marques.
Para o professor, o problema maior é promover a transição para fontes mais limpas. “A questão é que sair do petróleo – da utilização de combustíveis fósseis – significa sair do paradigma fundamental que criou a civilização industrial”, diz Marques. “Isso pressupõe uma ruptura civilizacional”, explica. Isso já seria um desafio gigantesco, continua o pesquisador, se não houvesse grandes interesses em jogo.
Marques cita um levantamento segundo o qual 57 grandes conglomerados de petróleo são responsáveis, hoje, por 80% das emissões. “Mas eles não são os únicos responsáveis pelo problema. O problema de fundo é que nossa sociedade é totalmente movida a petróleo, desde fertilizantes industriais, que produziram aumento significativo na produção de alimentos no mundo, a todo o sistema tecnológico. Tudo é baseado em energia, e mais de 80% do consumo humano de energia primária é fornecido por combustíveis fósseis. Sabe quanto era nos anos 1980? Também cerca de 80%. Ou seja, não mudou”, afirma.
O docente explica que há um forte aumento das energias renováveis de baixo carbono, mas elas apenas se adicionam às energias fósseis, não as substituem. “Somos uma sociedade voraz do ponto de vista energético. E isso não vai mudar. Enquanto não houver uma mudança política com base em iniciativas políticas das sociedades, as COPS não terão nenhuma incidência sobre a diminuição da interferência perigosa no sistema climático”, conclui.
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