19 Setembro 2025
Após assassinato de Charlie Kirk, governo dos EUA mira seus críticos. Suspensão de programa de humorista e classificação de movimento Antifa como terrorista são consequências mais recentes.
A reportagem é de Alexandre Schossler, publicada por DW, 18-09-2025.
A suspensão do famoso programa de entrevistas do comediante Jimmy Kimmel, anunciada nesta quarta-feira (17/09), é o exemplo mais recente de como o governo do presidente americano, Donald Trump, está elevando sua pressão para reprimir opositores e o que chama de "esquerda radical" após o assassinato do ativista ultraconservador Charlie Kirk, gerando temores de que a gestão do republicano esteja tentando aproveitar a indignação com a morte para sufocar a oposição política.
A rede de televisão ABC anunciou a retirada do ar, em caráter indefinido, do talkshow noturno "Jimmy Kimmel Live", citando como motivo declarações de Kimmel sobre a morte de Kirk. O apresentador havia dito em seu programa que o movimento "Make America Great Again" (MAGA) estava tentando lucrar com o assassinato de Kirk. Ele também sugeriu que o suposto assassino poderia fazer parte do movimento MAGA.
O chefe da agência reguladora de mídia dos EUA, a FCC, ameaçou então abertamente revogar as licenças das emissoras se elas continuassem a transmitir o programa de Kimmel.
Trump classificou como uma "boa notícia" a suspensão do programa de Kimmel. "O programa de Kimmel, com as suas baixas audiências, está cancelado; parabéns à ABC por finalmente ter tido coragem", escreveu Trump em sua plataforma Truth Social. O chefe de Estado chamou Kimmel de "um completo fracassado", criticando como "terríveis" os níveis de audiência do show televisivo do comediante.
Kimmel é o segundo humorista famoso crítico de Trump que tem seu programa suspenso em poucos meses. Em julho, a rede CBS anunciou que retiraria do ar, ao fimi do ano, o famoso talk show de Stephen Colbert, alegando motivos financeiros.
Trump classifica Antifa como terrorista
No dia anterior, Trump atacara diretamente o que chama de "esquerda radical", afirmando que ela "causou danos tremendos ao país", ao conversar com repórteres antes de partir para uma visita de Estado ao Reino Unido. "Mas estamos arrumando isso."
Já nesta quarta-feira, ele aparentemente começou a cumprir a ameaça: anunciou na Truth Social a designação do movimento antifascista Antifa como uma "grande organização terrorista", classificando-o como "um desastre radical de esquerda, perigoso e doentio".
Trump também disse, na mesma postagem, que recomendará investigar aqueles que financiam o Antifa "de acordo com os mais altos padrões legais".
Embora não seja a primeira vez que o presidente americano ataca opositores, desta vez, porém, há um interesse renovado alimentado pela indignação com o assassinato de Kirk, um ativista e podcaster que era um importante apoiador de Trump e amigo do vice-presidente JD Vance e de assessores presidenciais.
Logo após o assassinato, o líder republicano e membros de seu governo já haviam iniciaram conversas e movimentações para classificar algumas organizações como terroristas domésticos, ordenar investigações de irregularidades em organizações sem fins lucrativos do campo progressista ou revogar o status de isenção fiscal delas.
A Casa Branca apontou a Indivisible, uma rede de ativistas progressistas, e a Open Society Foundations, fundada pelo bilionário liberal George Soros, como potenciais alvos de escrutínio. A Open Society Foundations condenou a violência e o assassinato de Kirk e afirmou que "é vergonhoso usar essa tragédia para fins políticos, dividindo perigosamente os americanos e atacando a 1ª Emenda" da Constituição.
"O que está acontecendo nos EUA parece vir do manual para autocratas", opinou o jornal alemão Süddeutsche Zeitung, afirmando que Trump e seus aliados estão usando a morte de Kirk "como pretexto para o desmonte das liberdades" e que o temor de que Trump e seus aliados queiram transformar os Estados Unidos num sistema autoritário se tornou "assustadoramente real".
Silenciar a oposição
Trump fez da retaliação a inimigos políticos um pilar de sua campanha de retorno à Casa Branca e, desde o início do seu segundo mandato, mobilizou o governo federal para pressionar universidades e outras instituições independentes. Ele também ordenou uma investigação da plataforma online ActBlue, que arrecada fundos para os democratas.
Decretos de Trump atingiram organizações sem fins lucrativos com tentativas de limitar seu trabalho ou congelar o financiamento federal, mas propostas mais agressivas para revogar o status de isenção fiscal nunca se concretizaram.
Agora, porém, o clima piorou, e críticos temem que Trump esteja usando a morte de Kirk para intensificar a campanha de retaliação contra seus inimigos políticos e os seus esforços de longa data para sufocar a oposição política nos Estados Unidos.
O deputado republicano Chip Roy, do Texas, quer que a Câmara dos Representantes crie uma comissão especial para investigar organizações sem fins lucrativos, afirmando que "precisamos seguir o dinheiro para identificar os autores dos ataques antiamericanos coordenados que estão sendo realizados contra nós".
O senador, também republicano, Ted Cruz, do Texas, e outros congressistas propuseram uma legislação que permita ao Departamento de Justiça usar leis originalmente concebidas para combater o crime organizado para processar manifestantes violentos e os grupos que os apoiam.
Polícia acredita que assassino agiu sozinho
As ameaças de Trump à "esquerda radical" foram feitas apesar de a polícia ter dito acreditar que o suspeito pelo assassinato, Tyler Robinson, agiu sozinho. "Estou farto do ódio dele [Kirk]", escreveu Robinson numa troca de mensagens com um amigo, segundo os investigadores do caso.
Mesmo assim, funcionários do governo Trump têm repetidamente feito declarações sobre a necessidade de investigações e punições mais amplas relacionadas à morte de Kirk.
A procuradora-geral Pam Bondi culpou "radicais de esquerda" pelo tiroteio e disse que eles serão responsabilizados. O chefe de gabinete adjunto da Casa Branca, Stephen Miller, disse que houve uma "campanha organizada que levou a esse assassinato".
Os comentários de Miller foram feitos durante uma conversa com Vance, que apresentou o podcast de Kirk na Casa Branca nesta segunda-feira. Miller disse estar sentindo "uma raiva concentrada e justificada" e que "vamos canalizar toda essa raiva" para "erradicar e desmantelar essas redes terroristas", usando "todos os recursos que temos".
No podcast, Vance disse que é preciso "falar sobre este movimento incrivelmente destrutivo de extremismo de esquerda que cresceu nos últimos anos e que, acredito, é parte da razão pela qual Charlie foi assassinado".
A teórica da conspiração Laura Loomer, uma fervorosa apoiadora de Trump com um longo histórico de comentários preconceituosos, disse: "Vamos calar a esquerda". Ela também afirmou querer que Trump "seja o 'ditador' que a esquerda pensa que ele é".
Na sexta-feira passada, o Departamento de Justiça tirou do seu site um artigo sobre uma pesquisa do Instituto Nacional de Justiça (NIJ) que concluiu que "extremistas da extrema direita cometeram muito mais homicídios com motivação ideológica do que extremistas da extrema esquerda ou extremistas islâmicos radicais" desde 1990.
Essa afirmação contrasta fortemente com os comentários feitos por altos funcionários do governo Trump sobre a ameaça do extremismo de esquerda após o assassinato de Kirk. O Departamento de Justiça não explicou por que o artigo foi removido.
"Cultura do cancelamento" republicana
Trump adota posições claramente parciais sobre violência política. Ele descreveu as pessoas que invadiram o Capitólio em 6 de janeiro de 2021 como "reféns" e "patriotas" e perdoou 1.500 delas em seu primeiro dia de volta à Casa Branca.
Ele também zombou da presidente da Câmara, Nancy Pelosi, após um ataque ao marido dela e precisou de dois dias para condenar o atentado cometido em Charlottesville por um supremacista branco, que atropelou pessoas que protestavam contra uma manifestação neonazista.
Quando Trump condenou o assassinato de Kirk numa mensagem de vídeo, um dia depois do ocorrido, mencionou vários exemplos de "violência política da esquerda radical", mas ignorou ataques semelhantes aos democratas. Nesta segunda-feira, ao ser questionado sobre o recente assassinato da parlamentar democrata do Minnesota Melissa Hortman, Trump disse que não estava familiarizado com o caso.
Como conservadores frequentemente se sentem vítimas de "cancelamento" pelos liberais por suas opiniões, Trump, no primeiro dia do seu segundo mandato, assinou um decreto proibindo todos no governo federal de se envolverem em condutas que "restrinjam inconstitucionalmente a liberdade de expressão de qualquer cidadão americano".
Em fevereiro, na Conferência de Segurança de Munique, Vance criticou o governo do ex-presidente Joe Biden por encorajar "empresas privadas a silenciar pessoas que ousaram dizer o que se revelou uma verdade óbvia" sobre a pandemia de covid-19 e também criticou países europeus por "censurarem o discurso político".
"Sob a liderança de Donald Trump, podemos discordar de suas opiniões, mas lutaremos para defender seu direito de expressá-las publicamente, concorde ou discorde", disse Vance na época.
Agora, muitos conservadores americanos, que sempre reclamaram da "cultura do cancelamento", estão fazendo campanha para arruinar a carreira ou mesmo a vida de pessoas que criticaram ou menosprezaram Kirk após a sua morte ou que acusam de espalhar discurso de ódio.
Uma campanha de lideranças conservadoras levou, em poucos dias após a morte de Kirk, à demissão ou punição de professores, funcionários públicos, um comentarista de TV, uma colunista do jornal Washington Post e à expectativa de mais demissões.
O Departamento de Estado alertou que revogará os vistos de qualquer estrangeiro que glorificar ou ridicularizar o assassinato de Kirk. E Vance incentivou pessoas a denunciarem aos empregadores qualquer um que celebrasse o assassinato do ativista.
"O envolvimento do governo nessa campanha nos aproxima ainda mais do macartismo", observou Adam Goldstein, da Fundação para os Direitos Individuais e a Expressão, referindo-se à campanha dos anos 1950 para erradicar os comunistas, que levou a falsas acusações e arruinou carreiras. "Não é um grande momento para a liberdade de expressão", disse.
As atuais posições da Casa Branca e de congressistas republicanos não apenas contrastam fortemente com as declarações de alguns meses atrás como também vão de encontro à tradição do Partido Republicano de defesa da liberdade de expressão e às críticas à esquerda pela "cultura do cancelamento" após declarações vistas como ofensivas.
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