18 Setembro 2025
Israel deu início a uma imensa e nova ofensiva na Cidade de Gaza nesta semana, apesar da crise humanitária no local e os apelos da comunidade internacional por um cessar-fogo. Em entrevista à RFI, o cirurgião ortopedista francês François Jourdel, da ONG Médicos Sem Fronteiras, volta de uma segunda missão nos hospitais do enclave palestino e descreve o colapso da população local.
A informação é publicada por Rfi, 17-09-2025.
"O que impressiona é a destruição quase total da Faixa de Gaza", diz o médico que esteve no enclave palestino em novembro de 2023, antes de retornar recentemente. "Ficamos chocados desde que passamos a fronteira porque atravessamos uma área que virou uma terra de ninguém: uma zona onde o Exército israelense destruiu sistematicamente todos os prédios e vemos apenas pedaços de parede", diz.
Segundo Jourdel, o choque não é menor ao rever pessoas que conheceu há dois anos. "Você vê o estado de fadiga, de emagrecimento em seus rostos e em seus corpos. Exaustão e desnutrição também, provavelmente", reitera.
Bombas em zonas humanitárias
O médico confirma as informações dos poucos jornalistas que ainda restam no enclave palestino de que não há nenhum setor seguro na Faixa de Gaza. "Nós vivemos isso cotidianamente. De tempos em tempos, bombas caem a um quilômetro das casas, em plena zona humanitária", reitera.
Para Jourdel, o cotidiano da população de Gaza é "uma luta constante para sobreviver". Segundo ele, por causa da destruição das residências, famílias inteiras dormem em espaços de 20 m2, "uns sobre os outros". Mas o médico ressalta que a maioria dos palestinos do enclave vive em barracas. "Eles dormem no chão, com ratos, moscas. Como não há banheiros, há vermes em tudo."
Entre os pacientes que atendeu em sua última missão, o cirurgião afirma ter se deparado com pessoas com "estilhaços de balas, bombas e drones" nos corpos. "Há corpos mutilados com ferimentos imensos, pessoas com os membros fraturados, abertos, sem sensibilidade nas pernas e braços, gente esmagada por escombros de imóveis. Somos obrigados a fazer amputações", diz.
Empatia e tristeza
Após ter convivido e tratado a população de Gaza, o médico francês afirma que sente empatia, tristeza e impotência diante de uma situação que viu se agravar ao longo de quase dois anos. "Compartilhamos essa amargura e gostaríamos de confortá-los quando partimos, dizendo 'tudo vai melhorar, ficaremos felizes em vê-los novamente'", afirma. "Mas há tão poucas perspectivas que é extremamente doloroso deixá-los, porque não temos ideia de qual será o destino deles, eles também não sabem, e acho que ninguém sabe."
O cirurgião também expressa sua vontade de retornar à Faixa de Gaza para continuar ajudando a população. "É preciso fazê-lo. As pessoas merecem isso", diz. "Ainda mantenho contato um pouco via WhatsApp, mas para mim é ainda mais preocupante e estressante. Estou acompanhando a situação em Gaza, dia após dia, mas há muita dor, lágrimas, sangue", lamenta.
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