26 Setembro 2025
O evento organizado por Vox e Patriotas pela Europa em Madri, no qual Milei participou por videoconferência, foi marcado por mensagens extremistas, referências ao cristianismo e demonização da esquerda.
O artigo é de Steven Forti, publicado por CTXT, 16-09-2025.
Steven Forti é historiador e analista político, professor associado de História Contemporânea na Universidade Autónoma de Barcelona e pesquisador do Instituto de História Contemporânea da Universidade Nova de Lisboa, co-autor de Patriotas indignados. Sobre la nueva ultraderecha en la Posguerra Fría (Alianza, 2019) e autor de Extrema derecha 2.0. Qué es y cómo combatirla (Siglo XXI de España, 2021).
Eis o artigo.
À primeira vista, a cúpula organizada pelo Vox em Madri no último fim de semana não traz grandes novidades. O Vistalegre estava mais ou menos cheio, bandeiras da Espanha por toda parte, Abascal se gabando... e os discursos clássicos aos quais os ultradireitistas de todos os tipos nos acostumaram: uma mistura de insultos, vitimismo, ataques contra a esquerda, imigrantes, a "religião climática", a "ideologia de gênero" e o globalismo, além da defesa da nação, identidade, soberania, tradição e família. O de sempre.
Alguns até acreditam que foi um fracasso, já que a maioria dos aliados internacionais do Vox não compareceu a Madri e se limitou a enviar mensagens em vídeo. Há algo de verdade nisso, mas vale a pena parar e analisar mais a fundo o que aconteceu e o que foi dito, porque a impressão que tenho é que o Europa Viva 2025 marca, de certa forma, uma guinada considerável. Ou, se preferir, uma aceleração acentuada na estratégia da extrema-direita. E não apenas na Espanha.
Um pouco de contexto
No dia 14 de setembro, o Vox organizou no palácio de Vistalegre, em Madri, um evento chamado Europa Viva 2025, em parceria com o Patriotas pela Europa (PfE), a formação europeia de extrema-direita presidida por Santiago Abascal. A extrema-direita está historicamente dividida na União Europeia (UE). De um lado, estão os Conservadores e Reformistas Europeus (ECR), liderados pelos poloneses do Lei e Justiça e pelos Irmãos da Itália. Os Tories britânicos fundaram o ECR em 2009 e, nos anos seguintes, incorporaram forças de extrema-direita, essencialmente atlantistas. O Vox se juntou em 2019, pouco antes das eleições europeias daquele ano, que lhe permitiram entrar no Parlamento Europeu. Do outro lado, estava a Identidade e Democracia (ID), formação criada no mesmo ano de 2019 por Marine Le Pen e Matteo Salvini, que reunia partidos mais próximos da Rússia.
No verão de 2024, pouco depois das últimas eleições europeias, o primeiro-ministro húngaro Viktor Orbán – cujo partido, Fidesz, havia deixado o grupo dos populares europeus três anos antes – criou o PfE. A operação foi apenas uma mudança de marca com algumas adesões, como a do Vox e a do partido de Andrej Babis na República Tcheca. O objetivo – alcançado apenas parcialmente – era fazer uma OPA (Oferta Pública de Aquisição) ao grupo de Conservadores e Reformistas: hoje, os dois partidos competem pelo terceiro lugar no Parlamento de Estrasburgo, atrás dos populares e socialistas. O Alternativa para a Alemanha ficou de fora e montou seu próprio grupo, a Europa das Nações Soberanas (ENS), que inclui formações menores, principalmente do leste do continente. Na realidade, esses três grupos competem entre si e têm algumas divergências, mas compartilham a mesma visão de mundo, colaboram mais do que imaginamos e muitas vezes acabam votando da mesma forma em Bruxelas.
Em fevereiro passado, o Vox organizou uma cúpula de Patriotas pela Europa em Madri com a intenção de mostrar força e aproveitar a onda do início da presidência de Donald Trump nos Estados Unidos. Além disso, em maio de 2024, quando ainda era membro do ECR, o partido de Abascal havia organizado outro evento, o Europa Viva 2024, que reuniu em Vistalegre líderes da extrema-direita europeia e americana. O ato do último fim de semana se insere, portanto, nesta série de encontros internacionais que mostram o papel cada vez mais importante que o Vox está desempenhando na Internacional Reacionária. A escolha de Madri – sede, há alguns meses, do Economic Forum dos cripto-libertários, com o presidente argentino Javier Milei como convidado de honra – também demonstra a centralidade da Espanha para os ultradireitistas de todas as partes do mundo. O objetivo principal – e explícito – é derrubar o governo de Pedro Sánchez e libertar a Espanha dos "vermelhos".
Por fim, não se pode perder de vista o objetivo secundário do partido de Abascal: iniciar o ano político com um evento de massa, apoiado por aliados internacionais, para ganhar mais visibilidade na mídia, aproveitando o momento político, marcado pelo tsunami trumpista, pela humilhação da UE nos campos de golfe da Escócia, pelos escândalos de corrupção que atingem populares e socialistas e pelo descontentamento dos cidadãos com os incêndios que assolaram a península neste verão. Segundo as últimas pesquisas, o Vox está subindo nas intenções de voto, principalmente entre os mais jovens.
As redes ultrass, o elemento chave
Em comparação com eventos anteriores, poucos líderes de extrema-direita viajaram para Madri. Apenas o português André Ventura (Chega), o flamengo Tom Van Grieken (Interesse Flamengo), a grega Afroditi Latinopoulou (A Voz da Razão) e o pouco conhecido por aqui Rafael López Aliaga, prefeito de Lima. Sentada perto de Abascal, embora não tenha falado, estava a húngara Kinga Gál, vice-presidente do PfE e muito próxima de Orbán. A conexão húngara – não se esqueça – é crucial para o Vox, também por causa dos empréstimos milionários concedidos por um banco próximo ao governo magiar. A realidade é que os 8.500 participantes que estiveram no Vistalegre passaram a maior parte do tempo assistindo a mensagens gravadas em vídeo.
A única exceção foi Milei, que, em baixa, se conectou online e leu um texto sem muito entusiasmo ou paixão. O autodenominado "leão" portenho decidiu ficar na Argentina para enfrentar a crise de seu governo – com sua irmã Karina no centro do furacão – e tentar salvar o que pode nas eleições legislativas do final de outubro, após o fracasso eleitoral na província de Buenos Aires. Todos os outros se limitaram a enviar uma mensagem em vídeo: o tcheco Babis, o húngaro Orbán, o austríaco Herbert Kickl, o italiano Salvini... Assim como Ventura, Van Grieken e Latinopoulou, todos são membros do Patriotas pela Europa. Houve duas ausências notáveis: a francesa Marine Le Pen e o holandês Geert Wilders. E uma surpresa: o retorno de Giorgia Meloni, que apareceu novamente em um evento do Vox, após a saída de Abascal do ECR. Já se sabe que a italiana gosta de ter sempre um pé em cada lado.
Do outro lado do Atlântico, além de Milei, estavam os de sempre: o chileno José Antonio Kast, o brasileiro Eduardo Bolsonaro, o paraguaio Santiago Peña, o colombiano Álvaro Uribe, a venezuelana María Corina Machado. Todos eles são membros do Fórum de Madri, a rede ultradireitista criada pela Fundação Disenso do Vox, em 2020, que organiza cúpulas anuais nos países da região (Bogotá, 2022; Lima, 2023; Buenos Aires, 2024; Assunção, 2025). As redes tecidas pelos ultras são cruciais. O próprio Orbán destacou em sua mensagem gravada que, através do Vox, no último biênio, ele não apenas abriu a sede em Madri de seu think tank, o Centro de Direitos Fundamentais, mas também penetrou na América Latina. Atenção ao soft power húngaro.
Além disso, não faltaram as mensagens de duas figuras-chave da Internacional Reacionária: o presidente da Fundação Heritage, Kevin Roberts, e o do casal Matt e Mercedes Schlapp, promotores da Conferência de Ação Política Conservadora (CPAC). A Heritage, fundada no início dos anos setenta com o objetivo de rearmar ideologicamente o conservadorismo, é quem elaborou o Projeto 2025 para a presidência de Trump e tem tentáculos em todos os países, incluindo a Espanha. Enquanto a CPAC, também criada na época de Nixon, é a cúpula anual dos republicanos americanos: há uma década, ela tem criado franquias em vários países dos cinco continentes, como Brasil, México, Argentina, Hungria, Polônia, Austrália, Japão e Coreia do Sul. Agora o Paraguai também se juntará.
O que há de novo?
O que se ouviu em Vistalegre parece mais do mesmo: Deus, pátria e família. Mas não é verdade. Há três elementos novos. Em primeiro lugar, a maior radicalização do tom e das mensagens: os discursos de todos são extremamente desinibidos. Pode-se dizer que já eram antes. Com certeza, mas agora todas as linhas vermelhas desapareceram. É o efeito Trump 2.0: tudo é permitido. Parece que a chamada "desdemonização" adotada por Le Pen, ou seja, a estratégia de normalização que esconde os aspectos e discursos mais extremistas, foi para o beleléu. Meloni ainda o faz pela metade, e até se atreveu a pedir, naquele fórum, que a Ucrânia continue a ser ajudada e que se defenda um futuro Estado para os palestinos.
Embora possa ser uma experiência pouco aconselhável para pessoas com estômago fraco, sugiro fortemente que todos assistam às gravações do Europa Viva 2025 para ter uma ideia da ameaça existencial que nossas democracias enfrentam. Não basta resumir seus lemas: é preciso ver em primeira pessoa.
Emulando o estilo descontrolado de Milei, Ventura gritou, por exemplo, que é preciso colocar "Sánchez na cadeia" e que devemos "acabar com o socialismo na Europa"; ele chegou a elogiar a caçada a imigrantes em Torre Pacheco, enquanto Latinopoulou pediu "deportações em massa" e a suspensão do direito de asilo. Abascal, por sua vez, chamou Sánchez de "cafetão" e "psicopata que ocupa a Moncloa" e reforçou que é preciso "confiscar e afundar" o Open Arms. Ao fundo, o público cantava o tempo todo "Pedro Sánchez, filho da puta" e "Europa cristã e não muçulmana".
Isso nos leva ao segundo ponto. Não é novidade dizer que, há muito tempo, os ultras enchem a boca com a defesa dos valores cristãos e da família tradicional contra os supostos perigos representados pelo progressismo, o liberalismo, a ideologia de gênero ou a agenda 2030 das Nações Unidas. No entanto, em Vistalegre, as referências ao cristianismo foram constantes. O objetivo é converter a luta das extremas-direitas em uma nova cruzada para salvar a civilização ocidental. De fato, o lema da cúpula era "A Reconquista Começa", conceito usado e repetido ad infinitum por todos, junto com a advertência de que "não nos renderemos". Abascal o atualizou, também, falando do "Califado de Bruxelas". Latinopoulou falou do "suicídio da Europa cristã", enquanto Milei citou as Sagradas Escrituras e López Aliaga – que chamou os limenhos de seus "irmãos em Deus" – definiu a esquerda como "o mal" e acrescentou que "o enxofre é o seu cheiro tradicional". Torquemada aplaudiria de pé. Mas o mais interessante, e que mostra a grande influência de um nacionalismo cristão americano em ascensão, foi trazido pelo casal Schlapp e Kevin Roberts. Embora para a grande maioria seus nomes não digam nada, não estamos falando de pessoas sem importância. Pelo contrário: são eles que estão no comando.
Os promotores da CPAC contaram que visitaram as Astúrias neste verão e rezaram em Covadonga "pela força da Espanha". Matt Schlapp falou da "batalha contra a escuridão", ou seja, o socialismo, junto "com Deus e Jesus Cristo", enquanto sua esposa, Mercedes, convidou a todos a "retornarem às igrejas" e se casarem porque "o casamento é a bênção de Deus". Roberts, por sua vez, afirmou que a cruz é o "símbolo mais importante de nossa civilização" contra "o depravado" – entenda-se o progressismo – e condenou a suposta "tentativa descarada de derrubar a maior cruz do mundo", em referência ao Vale dos Caídos. Além disso, citou São Pedro, Constantino, Dom Pelayo e os Reis Católicos – e também acrescentou Trump – para explicar que é preciso lutar contra a "falta de fé" junto a Deus para evitar o colapso civilizacional.
Acabar com a esquerda
O terceiro elemento está intimamente ligado aos outros dois. A desculpa foi oferecida pelo assassinato do supremacista branco Charlie Kirk, fundador da organização ultraconservadora Turning Point USA. Em Vistalegre, ele foi homenageado com um vídeo, no final do qual foi cantado de pé "A morte não é o fim", o hino oficial das Forças Armadas espanholas para os caídos em combate. Abascal, que no dia anterior apareceu com a mesma camiseta que Kirk usava quando foi assassinado – com a palavra "Freedom" estampada –, pediu uma oração por ele. Matt Schlapp o definiu como "um grande herói", enquanto Milei disse que ele era "um guerreiro exemplar" e um "mártir da liberdade". Mais uma vez, o substrato religioso.
Mas o elemento novo, principalmente por sua visceralidade, é uma demonização da esquerda como nunca havíamos visto antes. Para Abascal, a esquerda "promove a violência" e é "assassina". Para Milei, os esquerdistas são "terroristas", enquanto para a supostamente moderada Meloni, eles são "extremistas e odiadores" que têm "maus mestres", fazendo um claro paralelo com as Brigadas Vermelhas. Segundo Roberts, "são opositores da ordem, emissários da violência e inimigos da verdadeira cruz". O toque final foi dado pelo casal Schlapp: "Os esquerdistas querem destruir a todos nós, física e espiritualmente", então é necessário usar "nosso poder e autoridade para acabar com a esquerda".
Os ultras já não estão apenas atacando a esquerda e se fazendo de vítimas, um clássico por lá, mas estão clamando para que se tome uma atitude contra aqueles que consideram – textualmente – representantes do maligno na terra. Para eles, o assassinato de Kirk foi um evento catártico que, por um lado, alinhou ainda mais as agendas e os discursos das extremas-direitas em todo o mundo e, por outro, será usado como uma espécie de incêndio do Reichstag 2.0. Ou seja, a justificativa para dar a guinada definitiva, eliminar a esquerda e, de quebra, destruir completamente as democracias liberais e instaurar autocracias eleitorais. Não apenas em Washington... onde, por sinal, nas mesmas horas, o general aposentado Mike Flynn, conselheiro de Segurança Nacional na primeira administração de Trump, publicou um longo e bizarro tuíte onde acusa os "assassinos globalistas" – em suas palavras: Soros, Obama, Clinton, Biden, Gates, Schwab, Macron, Starmer, Merz e muitos outros – de "odiar a Deus" e pede a Trump que trave uma guerra para extirpar seus "atos demoníacos". Alguém pode pensar que Flynn é maluco e possivelmente seja verdade, mas nos Estados Unidos, nos últimos dias, muitos dentro do movimento MAGA dizem e pedem o mesmo.
Em Vistalegre, também foi enfatizado que a morte de Kirk representa um ponto de virada e que não há mais volta. Segundo Abascal, "a Reconquista começou e não será parada". Em todo este pandemônio de ódio explícito e sem freio, os ultras não perderam a oportunidade de tentar se apropriar da palavra "amor". Isso mesmo. A apropriação de conceitos para ressignificá-los não é algo novo para as extremas-direitas. Eles já conseguiram isso com o termo liberdade – reivindicada por todos em Vistalegre – e, parcialmente, com o de democracia. Eduardo Bolsonaro chegou a afirmar, por exemplo, que no Brasil "a democracia está sequestrada" por um "tirano", o juiz Moraes, que condenou seu pai por tentativa de golpe de Estado.
O amor esteve na boca de todos: o amor pela pátria, pelo povo, pela família, pelos filhos... até mesmo o amor pelo futuro. O amor deles contra o suposto ódio de uma esquerda assassina, extremista e demoníaca. O mundo de cabeça para baixo. As hordas de Vistalegre não foram, no entanto, as hordas do amor: foram as hordas do ódio dispostas a passar à ação. Umas hordas que se protegem sob o manto do Deus da Contrarreforma. Fomos avisados.
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