Causas e consequências da "revolução" nepalesa. Artigo de Roman Gautam

Foto: Wikimedia Commons | हिमाल सुवेदी

13 Setembro 2025

Milhares de jovens foram às ruas de Katmandu contra uma classe dirigente desacreditada e forçaram a queda do primeiro-ministro Oli, mais associado à sua riqueza pessoal do que às suas credenciais comunistas. Inspirados pelos levantes no Sri Lanka e em Bangladesh, os protestos no Nepal criaram um vácuo de poder e geraram o sonho de uma regeneração, por enquanto incerto.

O artigo é de Roman Gautam, publicado por Himal Southasian, e reproduzido por Nueva Sociedad, 11-09-2025. 

Roman Gautam é editor da Himal Southasian, revista regional independente sediada em Colombo. Anteriormente, foi editor da The Caravan.

Eis o artigo. 

Os nepaleses geralmente não dão atenção à política de seus vizinhos do sul da Ásia, exceto a Índia. Mas quando os cidadãos do Sri Lanka se levantaram em 2022 para derrubar o regime de Gotabaya Rajapaksa, eles prestaram atenção. Depois, foi a vez de Bangladesh, com seu levante em julho do ano passado, que colocou Sheikh Hasina e todo o sistema político ao seu redor sob os holofotes da opinião pública. Mais uma vez, o Nepal tomou nota. Em várias conversas em Katmandu, após ambos os eventos, ouvi o mesmo refrão: "Nossa vez vai chegar".

E agora chegou. Em 8 de setembro, sob a bandeira dos "protestos da Geração Z", milhares de jovens saíram às ruas, fartos de um sistema político corrupto e de uma classe dirigente envelhecida e desacreditada que reparte o poder para continuar saqueando o país. Fartos também de não ver outro futuro senão emigrar para trabalhar no exterior, como fazem milhares diariamente. Os protestos começaram pacificamente, mas a violência não demorou: a polícia abriu fogo, o número de mortos subiu rapidamente para 19 e os hospitais se encheram de feridos. Foi o dia de protesto mais sangrento da história do Nepal.

Na manhã de 9 de setembro, a tristeza e a raiva levaram milhares de pessoas a sair às ruas, desafiando os toques de recolher. Os símbolos ligados ao governo e à classe política se tornaram, em todo o país, alvos dos manifestantes. As sedes dos partidos e as casas dos líderes políticos foram incendiadas. À tarde, colunas de fumaça preta já se elevavam sobre o vale de Katmandu. O principal aeroporto do país foi fechado e os voos, desviados. Nas novas sedes ministeriais, localizadas ao sul da capital, helicópteros aterrissaram para evacuar os funcionários para locais seguros. O que veio depois foram mais tiros, mais sirenes, mais explosões e uma fumaça ainda mais densa.

Os ministros começaram a renunciar, seguindo os passos do ministro do Interior, que havia se demitido na noite anterior. Os parlamentares da oposição renunciaram em massa, e os apelos para dissolver o governo e convocar novas eleições se multiplicaram. Antes das três da tarde, o primeiro-ministro Khadga Prasad Sharma Oli – em seu terceiro mandato, tão teimoso e egocêntrico como sempre – também anunciou sua renúncia.

À medida que o dia avançava, a situação saiu completamente do controle. Já não se tratava dos manifestantes da "Geração Z" do dia anterior: a multidão havia tomado o comando. Vídeos circulavam de líderes políticos sendo espancados, de suas casas sendo apedrejadas e incendiadas. A residência do primeiro-ministro estava em chamas, assim como a casa do presidente, o edifício da Suprema Corte, o Parlamento, os supermercados, as delegacias e muitos outros locais. A essa altura, havia, é claro, muito mais mortos a serem contados. O chefe do Exército apareceu em público para pedir calma e moderação, mas seus apelos não serviram para deter os saques e a violência. Finalmente, já na noite, foi anunciado que o Exército seria enviado para restabelecer a ordem.

No dia seguinte, o Nepal amanheceu com uma profunda incerteza. O sentimento geral é que o governo deveria responder pelos 19 mortos e que Oli e a velha guarda deveriam ir embora. Mas a magnitude dos incêndios, o derramamento de sangue e o descontrole da multidão – para além da névoa vermelha da raiva – não encontram justificação. Ninguém sabe quem está no comando agora. Ninguém pode dizer o que acontecerá.

Os acontecimentos dos últimos dois dias, por sua rapidez e magnitude, parecem desafiar a lógica e o bom senso. Mas há vestígios do passado que voltarão a aparecer à medida que os nepaleses se confrontam com a pergunta de qual é o próximo passo.

Em primeiro lugar, isso vinha se formando há muito tempo, e desmantelar o sistema enraizado exigirá um esforço enorme. A raiva que se manifestou após os levantes no Sri Lanka e em Bangladesh vinha se acumulando por anos. A saída do Nepal da guerra civil, terminada há quase duas décadas, foi repleta de esperança [1]. Os partidos do establishment – sobretudo o Congresso Nepalês e o Partido Comunista do Nepal (Marxista-Leninista Unificado) de Oli, os mesmos que lideravam o governo agora derrubado – prometeram um novo amanhecer democrático depois de enfrentarem a monarquia [2]. Após depor as armas e aceitar se apresentar a eleições democráticas, os maoístas venderam o sonho de uma sociedade mais justa a milhões de nepaleses que nunca tiveram um tratamento equitativo. Depois, em grande parte, as esperanças foram destroçadas e as promessas, quebradas.

Os maoístas venceram as primeiras eleições do pós-guerra, um sinal claro da profunda vocação de mudança do povo nepalês. No entanto, não conseguiram concretizar transformações reais e logo acabaram se tornando outro partido do establishment. Seu fracasso ficou simbolizado na figura de seu próprio líder, Pushpa Kamal Dahal, mais conhecido como Prachanda, cujo nome passou a ser mais associado à sua riqueza pessoal do que às suas credenciais revolucionárias. O projeto de uma nova Constituição – surpreendentemente progressista no contexto histórico do Nepal – ficou estagnado por anos, até que finalmente foi aprovado, embora já muito reduzido e despojado de sua audácia inicial [3]. Nas eleições seguintes, o voto se fragmentou entre os três partidos do establishment, com acordos de bastidores e traições públicas que alimentaram um carrossel interminável dos mesmos líderes desacreditados entrando e saindo do poder.

Nos anos após a guerra, o Nepal teve alguns avanços, mas estes foram lentos e tortuosos, e muitas vezes foram conquistados mais apesar do governo do que graças a ele. Os serviços públicos continuam deploráveis, mesmo com a alta pressão tributária. Para a maioria dos nepaleses, a principal fonte de esperança e sustento são as remessas enviadas por seus familiares que trabalham no exterior, muitos deles em condições terríveis. Enquanto isso, a elite política – composta, como sempre, por homens de castas dominantes da região de Pahad – tem estado muito confortável, cultivando cuidadosamente suas relações com empresários e capitalistas amigos. Mas a longa série de escândalos de corrupção dos últimos anos, nos quais se viram envolvidos políticos, burocratas e empresários de todo o espectro do establishment, apenas reforçou a péssima opinião que a população tem do sistema.

Em segundo lugar, é bom lembrar que os nepaleses sabem como iniciar uma revolução popular, mas nunca conseguiram sustentá-la ao longo do tempo. O primeiro levante democrático, na década de 1950, derrubou os primeiros-ministros hereditários da dinastia Rana e concedeu ao povo o direito ao voto. No entanto, liberta de mais de um século de controle dos Rana, a monarquia logo se voltou contra os incipientes partidos democráticos, e a dinastia Shah, que a sucedeu, consolidou seu poder. Após décadas sob o regime do Panchayat – uma espécie de falsa democracia administrada pela monarquia –, os nepaleses voltaram a se levantar em 1990 [4]. Aquela revolução devolveu o poder aos partidos democráticos, embora sob um rei convertido em monarca constitucional. Esse sistema também falhou: o mau governo e a escalada da insurgência maoísta abriram caminho para um golpe real em 2005. Depois, em 2008, veio o fim da guerra e a abolição da monarquia. Mas as esperanças que se seguiram a esse processo acabaram novamente traídas.

A conjuntura atual marca a última tentativa do Nepal de corrigir o rumo. Pode ser que não passe para a história como uma revolução – ninguém pede para derrubar o sistema de governo –, mas o que a cidadania clama é por uma mudança radical nas regras do poder. O problema é que o passado é um inimigo poderoso, e os velhos costumes políticos do Nepal souberam reaparecer uma e outra vez com novos rostos. Hoje, o ânimo popular se inclina para uma suposta nova guarda: figuras emergentes como Rabi Lamichhane, um apresentador de televisão que se tornou político, ou Balen Shah, um rapper que se tornou prefeito de Katmandu. O primeiro fundou um novo partido em meados de 2022 e, apenas alguns meses depois, obteve um surpreendente 10% dos votos nas eleições nacionais. O segundo irrompeu no mesmo ano, derrotando dois candidatos do establishment e arrasando nas eleições municipais da capital. No entanto, os antecedentes de ambos dão mais de um motivo de preocupação, embora muitos nepaleses prefiram ignorá-lo em sua busca por salvadores.

Lamichhane está cercado por polêmicas, incluindo acusações de corrupção que o levaram à prisão até que fosse libertado em meio ao atual levante popular. Embora essas acusações tenham um claro fundo político – fazem parte dos métodos da velha classe dirigente para acabar com um rival –, não está claro que sejam totalmente infundadas, e Lamichhane ainda precisa convencer de que está limpo. Mais ainda: durante sua breve passagem pelo governo após as eleições de 2022, ele não teve escrúpulos em se aliar com os membros da velha ordem. A gestão de Shah como prefeito, por sua vez, tem sido marcada pela ineficiência administrativa, e sua principal "conquista" continua sendo o culto à personalidade que ele construiu nas redes sociais. Se a velha guarda deve ir embora de uma vez por todas, os nepaleses podem ter certeza de que a nova será realmente melhor?

Os resultados eleitorais de Lamichhane e Shah, que representaram um duro golpe para os velhos partidos, foram um prenúncio da fúria anti-establishment que hoje transbordou. Se o Nepal voltar às urnas no curto prazo, o mais provável é que o voto se incline com força contra os partidos tradicionais. Mas isso, por si só, não garante líderes capazes de resistir às tentações que arruinaram seus predecessores, nem um governo disposto a impulsionar mudanças reais. No que diz respeito a reformas profundas, a uma verdadeira reinvenção da política, o Nepal se aventura em um terreno inexplorado e desconhecido.

Com o levante do Nepal, que se soma aos de Bangladesh e Sri Lanka, é tentador ver uma Primavera do sul da Ásia, similar à Primavera Árabe do início da década de 2010. Os elementos estão lá: governos corruptos, povos fartos, levantes que se encadeiam uns aos outros. Mas também se repetem outros traços: a morte, a devastação e a ausência de um caminho seguro para algo melhor. É bom lembrar como terminou a Primavera Árabe: com a democracia sendo sufocada novamente pela autocracia. Em Bangladesh, as multidões também impuseram sua vontade após a necessária queda do governo de Hasina, e um governo interino tem lutado para limpar o sistema enquanto o país se aproxima de novas eleições. O próximo governo bem poderia devolver o poder aos velhos atores e, com eles, às velhas práticas. No Sri Lanka, uma nova administração despojada do velho establishment tem descumprido suas promessas uma após a outra. Não houve nenhum amanhecer luminoso. E agora o Nepal, de seu abismo presente, sonha com uma nova política que funcione de verdade para a cidadania. Que não se derrame mais sangue nesta luta.

O desafio urgente é processar todo o horror destes últimos dias: os corpos que ainda esperam ser cremados, a necessidade de restabelecer algum tipo de ordem. Mas nada do que vier será fácil.

Notas

[1] O conflito – que durou entre 1996 e 2006 – opôs o Estado monárquico e a guerrilha maoísta que, com a estratégia da "guerra popular", conseguiu controlar grande parte do território. Após o fim da guerra civil, abriu-se caminho para uma transição que pôs fim à monarquia [N. do E.].

[2] O Partido Comunista do Nepal (Marxista-Leninista Unificado) é uma das principais forças políticas do país, de orientação marxista com traços nacionalistas. Não deve ser confundido com os partidos maoístas, como o Partido Comunista do Nepal (Centro Maoísta). O maoismo nepalês é marcado por contínuas cisões e reunificações. Por sua vez, o Congresso Nepalês é um partido fundado em 1947 sob influência indiana e é membro da Internacional Socialista [N. do E.].

[3] A Constituição de 2015, que substituiu a "provisória" de 2007, declara que o Nepal é um "Estado republicano democrático federal independente, indivisível, soberano, laico, inclusivo, democrático, orientado ao socialismo". Mas essa referência ao socialismo é bastante retórica [N. do E.].

[4] O Panchayat (1960–1990) foi um regime de partido único instaurado pelo rei Mahendra após dissolver o Parlamento e proibir os partidos políticos. Apresentava-se como uma "democracia guiada" baseada em conselhos locais, mas na prática consolidou o poder absoluto da monarquia e limitou severamente as liberdades políticas [N. do E.].

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