12 Setembro 2025
O assassinato do ativista conservador Charlie Kirk, aliado próximo de Donald Trump, reacendeu o debate sobre a instrumentalização política da violência nos Estados Unidos. Enquanto líderes internacionais condenam o crime, especialistas alertam que o episódio pode ser explorado pela Casa Branca para reforçar discursos de medo e justificar medidas autoritárias.
A reportagem é publicada por RFI, 11-09-2025.
Do México ao Reino Unido, passando pela Itália, Israel, Hungria e Argentina, vários líderes internacionais repudiaram o assassinato de Charlie Kirk. Mas foi do lado do presidente norte-americano que vieram as reações mais imediatas e severas.
Foi o próprio chefe da Casa Branca quem anunciou o assassinato de Kirk, uma figura conhecida da direita radical, morto a tiros na quarta-feira (10), enquanto discursava em uma universidade em Utah, no oeste do país. "Este é um momento sombrio para os Estados Unidos", declarou Donald Trump, em um vídeo publicado em sua plataforma Truth Social horas após o assassinato de Kirk. O chefe de Estado disse que o ativista era um "mártir da verdade", antes de avisar que seu governo “encontrará cada um dos que contribuíram para esta atrocidade e outros casos de violência política, incluindo as organizações que os financiam e os apoiam".
Aos 31 anos, Kirk era um influenciador e militante bastante ativo, defensor de ideias ultraconservadoras. O chefe da Casa Branca escreveu em sua rede Truth Social que “ninguém compreendia melhor a juventude dos Estados Unidos da América do que Charlie”.
No entanto, segundo Romuald Sciora, diretor do Observatório Político e Geoestratégico dos Estados Unidos do IRIS (Instituto de Relações Internacionais e Estratégicas, na França), Kirk não era tão conhecido assim no país. “Ele era, de fato, um ícone para uma parte da juventude americana”, contextualiza o pesquisador. “Mas se você perguntasse a pessoas nas ruas de Nova York, nem todos o reconheceriam. Era preciso ser republicano, pró-MAGA [sigla para Make America Great Again, o slogan protecionista de Trump] e acompanhar os movimentos ativistas da extrema-direita americana. Ele era conhecido, mas não era uma enorme celebridade, como tantas que existem nos Estados Unidos”, pondera.
'Nação do espetáculo'
Mesmo assim, o pesquisador alerta que a morte de Kirk pode ser instrumentalizada pela Casa Branca. “Trump está, infelizmente, se aproveitando desse assassinato, porque isso claramente serve aos seus interesses”, denuncia. “E o que assusta hoje é ver bandeiras americanas a meio mastro por um jovem ativista assassinado. É triste, é uma tragédia. Mas essas mesmas bandeiras não são baixadas quando crianças são mortas em escolas, por exemplo”, compara o especialista.
“Não podemos esquecer que vivemos na ‘nação do espetáculo’, e Trump é o mestre nessa arte. Ele é um comunicador nato e vai usar esse episódio para reforçar a ideia de que a América está sitiada, que a violência está em toda parte e que, sim, ele tem razão em enviar a Guarda Nacional para Washington, Los Angeles e, em breve, para Chicago, Nova York e Nova Orleans. Isso será uma ferramenta de propaganda”, afirma Sciora.
Nos Estados Unidos, a morte de Kirk gerou reações que ultrapassaram o campo republicano. O ex-presidente democrata Joe Biden e a ex-candidata à presidência Kamala Harris condenaram rapidamente o assassinato. Uma reação que surpreendeu o especialista. “Ninguém merece ser assassinado como esse rapaz foi, é claro. Mas, daí a fazer discursos como os de Joe Biden e Kamala Harris, dizendo que ‘a América está mergulhada na violência e que precisamos combatê-la’, é adotar a mesma retórica de Trump”, analisa Sciora. “Eles ficaram em silêncio por seis meses, mesmo com a democracia americana sendo atacada de todos os lados pela atual administração Trump. Isso é seguir a linha da presidência. É um erro estratégico”, critica.
“Temo, de fato, que Trump aproveite esse momento para ir ainda mais longe. Como sabemos, há seis meses os Estados Unidos vêm caminhando para um regime semiautoritário [...]. Portanto, é evidente que esse governo pode usar o que aconteceu para avançar ainda mais nesse sentido”, alerta Romuald Sciora.
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