06 Setembro 2025
"O mandato bolsonarista representou um dos períodos mais ameaçadores da democracia brasileira. É verdade que o Brasil ainda possui uma democracia falha e em vias de consolidação, mas o bolsonarismo se posicionou claramente contra o regime democrático desafiando os princípios constitucionais, atentando contra as estruturas do Estado Democrático de Direito e colocando em risco as vidas da maioria da população brasileira constituída por pessoas pobres, mulheres, negros, pardos, periféricos, indígenas, imigrantes, LGBTQIPA+ e outras minorias vulneráveis."
O artigo é de Sandoval Alves Rocha.
Sandoval Alves Rocha é doutor em Ciências Sociais pela PUC-Rio, mestre em Ciências Sociais pela Unisinos/RS, bacharel em Teologia e bacharel em Filosofia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE, MG), membro da Companhia de Jesus (jesuíta), trabalha no Serviço Amazônico de Ação, Reflexão e Educação Socioambiental (Sares), em Manaus.
Eis o artigo.
Estamos passando por um momento histórico em que a democracia brasileira é testada a partir do julgamento da tentativa de um Golpe de Estado colocada em curso pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, que não aceitou a derrota nas eleições de 2022. O ex-presidente demonstrou durante todo o seu mandato tendências autoritárias e contrárias ao regime democrático que o havia elegido em 2018, através do voto livre e direto.
Durante este período, Bolsonaro manifestou saudosismo em relação ao Regime Repressivo, cultuou figuras representativas da Ditadura Militar e trabalhou intensamente para fragilizar e abolir direitos básicos da população, como, saúde, educação, alimentação, meio ambiente e comunicação. Por outro lado, ele estabeleceu fortes alianças com setores sociais conservadores ligados ao escravagismo, ao antiambientalismo, ao negacionismo científico e ao crime organizado. O Brasil se viu sequestrado pelo obscurantismo político e social.
O mandato bolsonarista representou um dos períodos mais ameaçadores da democracia brasileira. É verdade que o Brasil ainda possui uma democracia falha e em vias de consolidação, mas o bolsonarismo se posicionou claramente contra o regime democrático desafiando os princípios constitucionais, atentando contra as estruturas do Estado Democrático de Direito e colocando em risco as vidas da maioria da população brasileira constituída por pessoas pobres, mulheres, negros, pardos, periféricos, indígenas, imigrantes, LGBTQIPA+ e outras minorias vulneráveis.
Direitos conquistados com muita luta e esforço com a redemocratização se viram em processo de enfraquecimento e anulação a partir da articulação dos setores políticos vinculados ao bolsonarismo, com o apoio de grandes empresários e financistas. Avanços adquiridos em períodos anteriores sofreram retrocessos, como o alívio do desemprego, a redução da pobreza e extrema pobreza, a melhoria educacional, a redução do desmatamento florestal, a elevação da produção de riqueza nacional, a ampliação do multilateralismo e o reconhecimento internacional.
Esta fase obscurantista foi evidenciada ao público em momentos críticos vividos pelos brasileiros, destacando-se a devastação do meio ambiente, o retorno do Brasil ao Mapa da Fome, a elevação do desemprego, o aumento das violações dos direitos humanos, a perseguição de jornalistas, a explosão de fake news nas redes sociais, a necropolítica adotada na Pandemia da Covid-19, a marcha das forças armadas contra o Poder Judiciário (agosto de 2021) e o ataque violento aos poderes da república (08 de janeiro de 2023).
Felizmente, o Brasil por meio de suas instituições democráticas iniciou uma reação dando um basta neste espiral diabólico, derrotando o candidato da Ditadura Militar nas eleições de 2022. A partir deste momento, outras reações democráticas frearam a marcha autoritária, levando muitos bolsonaristas e o próprio Bolsonaro à condenações judiciais, com a prisão e cassação de direitos eleitorais. A democracia volta a respirar criando esperança de consolidação e melhoria na vida do brasileiro. Garantindo a vontade popular, somente a democracia pode gerar perspectivas de melhores condições de vida para a maioria da população.
A democracia possibilita e promove a organização da sociedade civil, que se mobiliza não somente para ampliar os seus direitos, mas sobretudo para implantá-los na vida do país, criando uma nação fraterna e sustentável. É na democracia que o povo pode eleger livremente seus representantes e criar formas mais efetivas de participação e controle social. É na democracia que se aprende a respeitar o diferente e cria-se os limites imprescindíveis da convivência social sem agressão nem atentados à vida.
Precisamos ainda avançar nas conquistas democráticas e empenhar esforços para criar uma cultura do respeito à diversidade, da participação social, do cuidado com o meio ambiente, da proteção dos bens comuns nas cidades, nas florestas e nos campos. A defesa da democracia frente aos ataques de grupos autoritários é uma ação indispensável para podermos continuar sonhando com um país mais justo e solidário.
O julgamento da trama golpista como desfecho da reação democrática iniciada nas eleições de 2022, mostra a maturidade da nossa democracia. É certo que esta democracia precisa melhorar efetivando os direitos fundamentais e tirando do papel promessas vazias, no entanto, é preciso comemorar esta vitória histórica da democracia brasileira frente aos agouros ameaçadores do autoritarismo.
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