14 Agosto 2025
"Essa terra que querem destruir e expropriar para transformá-la em um enorme resort, juntamente com o mar de Jesus e Maria Madalena, é um lugar sagrado. É o lugar onde tantos, no início, ouviram seu convite para segui-lo. Realmente não podemos fazer mais por Gaza, Irmão Leão?"
O artigo é de Magda Bennásar Oliver, Irmãs para a Comunidade Cristã, sfcc, publicado por Religión Digital, de 13-08-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
Caro Papa Leão, hoje ouso escrever-lhe novamente, movida pela dor insuportável que Gaza clama a todos nós. Um amigo profundamente comprometido com o Evangelho me pediu para lhe escrever uma carta. A experiência dessa tragédia nos arrebata e clama ao céu, o que me pareceu um sinal do Espírito.
A primeira carta que lhe escrevi foi por ocasião da sua eleição. Naquela ocasião, falei-lhe apaixonadamente sobre a urgência de restituir à mulher o seu devido lugar na história da nossa Igreja, um lugar que foi usurpado desde os primórdios do cristianismo. Hoje, com o mesmo amor por essa Igreja, escrevo para implorar um gesto corajoso, radical e profundamente evangélico.
A cada hora que passa em Gaza, mais crianças e adultos morrem mais de fome do que de armas. Milhares de camiões aguardam, carregados de alimentos e água potável. Pedem apenas para entrar e entregar a carga que representa a vida de centenas de milhares de seres humanos desnutridos e inocentes. Mas não lhes é permitido passar. Como dizia um médico: já não se trata apenas de fome. Trata-se das consequências para a saúde física e mental de toda uma geração. São corpos e mentes que, mesmo que sobrevivessem, nunca se recuperariam dos danos que sofreram.
E agora, como se não bastasse, estão matando os nossos irmãos e irmãs que fazem fila para a comida. Poderia alguém ser mais maquiavélico?
Não só impedem a entrada de alimentos, como também transformam o pouco que resta numa armadilha, uma armadilha na qual as pessoas colocam em risco a vida dos seus filhos. Essa armadilha foi concebida para matá-los mais rapidamente e em maior número.
Os poucos médicos que sobraram ou que correm em seu socorro sofrem da mesma fome. Sofrem a fome também os jornalistas que, com maior profecia e fidelidade do que as Igrejas, nos contam o que está acontecendo. Fazem-no com risco da sua vida e da sua saúde, porque não conseguem calar.
O que faria Jesus hoje, caro Papa Leão? Jesus, palestino e judeu, entraria na fila da fome. Não tenho dúvidas. Onde é que nós, como seus irmãos e irmãs, devemos nos colocar?
O senhor o sabe, porque Jesus nos recorda isso na parábola do Bom Samaritano (Lc 10, 25-37). É justamente o samaritano que para, que cuida do homem ferido à beira da estrada, que o recolhe e o leva para um lugar seguro, pagando as despesas com o seu próprio dinheiro.
Nossos irmãos em Gaza são o corpo de Cristo, Santidade. São o corpo alquebrado do homem que jaz à beira da nossa estrada, que os padres e os clérigos não deveriam evitar mais uma vez. Não quando a urgência é estar ali presentes, ao lado do sofrimento real. Não quando estão em jogo as vidas de centenas de milhares de irmãos e irmãs, de um povo inteiro!
É por isso que ouso pedir-lhe, Irmão Leão, juntamente com o resto dos cardeais vestidos de vermelho, para se juntar à fila da fome em Gaza.
Que possam proteger, com o peso da sua presença visível e o valor das suas vidas, aqueles que não contam. Esse povo que querem apagar do mapa, como tentaram fazer com outros anos atrás.
Não deixe que se tornem vítimas de egos que dividirão a história num antes e num depois. Poderiam vocês, clérigos vestidos da cor vermelha do martírio, tornar-se visíveis lá, em nome de todos nós que não o podemos fazer?
Irmão Leão, um gesto profético forte — como o da Igreja que se torna visível e vulnerável em Gaza — poderia reacender o interesse de muitas pessoas pela comunidade cristã. Teria um profundo impacto nas consciências e restauraria a credibilidade daqueles chamados a dar a vida por amor ao próximo.
Para mim e para milhões de pessoas permitiria reencontrar a esperança na Igreja de Jesus. Sermões, declarações e manifestações não são mais suficientes para deter a barbárie. São necessárias ações radicais.
Lembro-me de como a greve de fome de Gandhi facilitou a independência da Índia. Foi um gesto de desobediência civil não violenta, mas profundamente transformador.
Estou cercada, Irmão Leão, por pessoas que jejuam, se manifestam, escrevem e rezam. Fazemos isso na esperança de deter esse holocausto.
Sem ir muito longe, esta mesma noite, em toda a ilha de Majorca, na Espanha, em cada cidade, vila, porto e aldeia, as pessoas se manifestarão em massa das 20h às 22h. Será uma demonstração da nossa dor e do nosso desejo de um cessar-fogo imediato.
Ontem eu rezava acompanhada por um vídeo filmado no Reino Unido. Nele, uma população inteira se reveza para ler, sem interrupção, mesmo à noite, os nomes de milhares de crianças assassinadas em Gaza. Nome após nome, com lágrimas e um nó na garganta, as pessoas continuam a ler, chorando por essa pequena geração exterminada.
As crianças do futuro de Gaza não existem mais. Elas foram apagadas da existência. Suas mães, se sobreviverem, continuam aos pés da cruz, erguida pelo ódio, assistindo enquanto a fome, a sede e o abandono continuam a crucificar nossos irmãos e irmãs. Dói-me o coração ouvir sua oração a Alá. O que poderia ter sido um louvor, há muito tempo passou a ser um lamento. É o som de uma dor sufocada pela falta de forças, pela desnutrição prolongada e pela impotência mais absoluta.
Essa terra que querem destruir e expropriar para transformá-la em um enorme resort, juntamente com o mar de Jesus e Maria Madalena, é um lugar sagrado. É o lugar onde tantos, no início, ouviram seu convite para segui-lo. Realmente não podemos fazer mais por Gaza, Irmão Leão?
Nós não podemos ir fisicamente a Gaza, mas vocês, pastores vestidos de vermelho, podem fazê-lo em nome de toda a Igreja. Esse gesto seria Evangelho vivo.
Hoje, nossos irmãos e irmãs dependem de nossos gestos radicais para sobreviver e se sentirem apoiados.
Obrigado novamente por aceitar seu ministério. Esse é realmente um momento decisivo que requer todo o amor e a força do Evangelho.