"O fato de o evento estar ocorrendo em um território tão simbólico é uma declaração poderosa que oferece uma oportunidade extraordinária para mudar a narrativa, recentralizar o conhecimento indígena e reimaginar a governança."
O artigo é de Marcos Colón, publicado por El País, 02-08-2025.
Marcos Colón é professor de mídia e comunidades indígenas na Southwest Borderlands Initiative, na Escola Walter Cronkite de Jornalismo e Comunicação de Massa da Universidade Estadual do Arizona. É autor de "A Amazônia em Tempos de Guerra" (Planeta, no prelo) e editor da coletânea de ensaios "Utopias Amazônicas" (2025).
Acabo de retornar de Atalaia do Norte, na Amazônia brasileira, onde no dia 5 de junho, no Rio Javari, honrei a memória dos meus amigos, o jornalista britânico Dom Phillips e o indigenista brasileiro Bruno Pereira, brutalmente assassinados ali por sua inabalável defesa dos direitos indígenas e da Amazônia.
O que testemunhei ali não foi apenas uma lembrança; foi um lembrete contundente do que está em jogo: a vida de todos os seres humanos e do restante da natureza, a preservação dos territórios indígenas e o direito de sonhar com uma Amazônia além da pilhagem da extração capitalista. A missão de Dom e Bruno — ouvir as vozes indígenas e defender a floresta — continua a guiar aqueles de nós que acreditam que a Amazônia não é um recurso a ser explorado, mas um arquivo vivo e pulsante de conhecimento ancestral, dignidade e resiliência.
Caminhei pelos corredores de conferências globais e pelas trilhas alagadas da floresta tropical, e em ambos os lugares parei para ouvir. O que ouço não são promessas corporativas, mas os antigos avisos que Dom Phillips resumiu em seu livro póstumo, Como Salvar a Amazônia: "As pessoas devem aprender com os povos indígenas que somente o pensamento coletivo e comunitário, e não a ganância individual, pode salvar a Amazônia."
Suas palavras assumem uma urgência ainda maior hoje. A Amazônia não precisa de mais uma cúpula centrada em um espetáculo de líderes mundiais desconectados de sua realidade. O que é necessário são medidas baseadas em cuidado, justiça e respeito aos guardiões originais da floresta. O que testemunhei na Amazônia não é apenas degradação ambiental, mas a erosão do significado e do pertencimento.
Com a aproximação da COP 30, os olhos do mundo se voltam para Belém e os preços exorbitantes dos quartos de hotel, que são até três vezes mais altos do que os de Glasgow durante a COP26. É irônico — e amargo — ver como as tarifas exorbitantes refletem o mesmo capitalismo predatório que está destruindo a Amazônia em sua busca incessante por lucro econômico. Mas não se trata apenas de custos inflacionados: trata-se de exclusão. Por causa desses preços, delegados de países mais pobres e organizações da sociedade civil de base, que frequentemente representam as comunidades mais afetadas pela crise climática, não podem participar. (Que tipo de justiça climática pode ser alcançada quando participar da "COP dos Povos", o fórum paralelo de ONGs e organizações de base em Belém, custa entre US$ 8.400 e US$ 16.800 por pessoa?)
Se Belém se tornar um playground para os privilegiados, a Amazônia voltará a ser mercantilizada como espetáculo, e seus rios, povos e ecossistemas se tornarão cenário para posturas diplomáticas. A governança climática não pode ser leiloada para quem der o maior lance. Se a COP30 excluir as próprias vozes que busca elevar, não será uma cúpula de soluções, mas um símbolo de hipocrisia.
Como nos lembra o recente "Apelo por uma Reforma Urgente das Negociações Climáticas da ONU", o processo da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas tem falhado consistentemente em produzir resultados significativos. As emissões continuam a aumentar. Comunidades indígenas e tradicionais permanecem marginalizadas. O ecossistema amazônico, um regulador crucial para o planeta, está à beira do colapso.
Enquanto isso, nos últimos 30 anos, as COPs se tornaram espetáculos midiáticos massivos, performáticos e, muitas vezes, vazios. Com pavilhões suntuosos, campanhas chamativas e marcas corporativas, a Zona Azul, o espaço para negociações oficiais, tornou-se um mercado climático, cada vez mais distante das comunidades mais afetadas pelo colapso ecológico. Não se trata de uma questão de percepção: é um fracasso político.
Uma investigação recente do New York Times revelou que o número de participantes em cúpulas climáticas cresceu exponencialmente. Enquanto a COP29 teve 71 mil participantes, a COP28 em Dubai teve mais de 84 mil, predominantemente composta por grupos de lobby dos combustíveis fósseis, empresas e delegações governamentais. Longe de representar progresso, essa grande participação reflete o crescente abismo entre os tomadores de decisão e as comunidades mais afetadas pela crise climática.
Belém não é apenas uma cidade: é a porta de entrada para um dos biomas mais complexos e ameaçados da Terra. O fato de a COP30 estar ocorrendo na Amazônia é, por si só, uma declaração poderosa que oferece uma oportunidade extraordinária para mudar a narrativa, recentralizar o conhecimento indígena, reimaginar a governança e fortalecer alternativas bioculturais à extração.
Mas como tudo isso pode acontecer se as empresas de combustíveis fósseis patrocinam os maiores pavilhões? Se o governo brasileiro leiloa terras para exploração de petróleo na costa amazônica? Se comunidades indígenas que defendem a floresta tropical são convidadas a se apresentar no palco, mas silenciadas na mesa de negociações? Se a reforma política é debatida em tendas com ar-condicionado enquanto, a poucos quilômetros de distância, rios transbordam e a floresta tropical queima?
Nesta COP, o governo brasileiro promoveu a "governança inovadora" por meio de fóruns descentralizados, grupos de trabalho e um mutirão. Embora isso sugira alguma abertura, muitos membros da sociedade civil temem que ela seja diluída. Há pouca clareza sobre quem é responsável, quais estruturas de tomada de decisão existem e como o conhecimento popular será valorizado.
Se a COP30 não conseguir integrar significativamente essas vozes, se continuar a servir à coreografia diplomática das elites e corporações, não só não alcançará seus objetivos políticos, como também corroerá ainda mais a confiança nos processos climáticos globais.
Em Belém, temos a oportunidade de romper com o caminho do colonialismo climático. De rejeitar o modelo em que o Sul Global se torna um espaço para exibir e vender "bioeconomias" e "crescimento verde" — a extração sob novos disfarces.
A verdadeira ação climática deve desmantelar as estruturas que criaram a crise. Isso significa pôr fim à expansão dos combustíveis fósseis. Significa confrontar os interesses do agronegócio e da mineração. Significa ver o conhecimento indígena não como "complementar", mas como central.
Para alcançar isso, precisamos de uma COP baseada em responsabilização, equidade e escuta radical — uma COP que consagre os direitos territoriais dos povos indígenas, acabe com os subsídios aos combustíveis fósseis e se abra a atores não estatais de maneiras que não sejam meramente simbólicas.
Não permitamos que a COP30 se transforme em mais um carnaval climático de exclusão, greenwashing e performance governamental. Vamos fazer dela um avanço: um momento em que a Amazônia fale não das margens, mas do centro do cenário mundial. A Amazônia não é um destino. É um alerta, uma professora e um espelho. E não vai esperar.
Dom Phillips acreditava que as respostas já estavam lá, na gestão indígena, na responsabilidade coletiva, em aprender a desaprender. Se ignorarmos essas lições de Belém, corremos o risco não só de falhar com a floresta e seu povo, mas também de perder nossa última chance de realmente ouvi-la.