31 Julho 2025
A adesão da extrema direita a Trump, com Eduardo Bolsonaro e aliados buscando sanções para favorecer Jair, só tornou tudo mais surreal.
O artigo é de Maria Luiza Falcão, publicado por Jornal GGN, 30-07-2025.
Maria Luiza Falcão Silva é economista (UFBa), MSc pela Universidade de Wisconsin – Madison; PhD pela Universidade de Heriot-Watt, Escócia. É pesquisadora nas áreas de economia internacional, economia monetária e financeira e desenvolvimento. É membro da ABED. Integra o Grupo Brasil-China de Economia das Mudanças do Clima (GBCMC) do Neasia/UnB. É autora de Modern Exchange-Rate Regimes, Stabilisation Programmes and Co-ordination of Macroeconomic Policies: Recent experiences of selected developing Latin American economies, Ashgate, England/USA.
Donald Trump acaba de recuar. A tarifa de 50% sobre as exportações brasileiras, anunciada com estardalhaço no início de junho e prevista para entrar em vigor em 1º de agosto, foi suspensa. O motivo alegado? “Avaliação técnica em curso sobre impactos para o consumidor americano.” A verdade? Trump chickened out. Amarelou. Recuou sob pressão.
Desde o início, o tarifaço soava mais como chantagem política do que como uma medida econômica racional. Carnes, café, frutas tropicais, suco de laranja e até aeronaves brasileiras foram alvos não por ineficiência, mas por excelência. O pretexto era “defesa da indústria americana”, mas o real motivo era político: retaliação contra decisões soberanas do Brasil, incluindo a postura firme do Supremo Tribunal Federal e do governo Lula em defesa da democracia.
A adesão da extrema direita brasileira a Trump, com Eduardo Bolsonaro e aliados buscando sanções para favorecer Jair Bolsonaro, só tornou tudo mais surreal. Era o Brasil sendo alvejado por sua própria extrema direita, agora com assento informal na Casa Branca.
A verdade é que o tarifaço encontrou forte resistência nos EUA. Empresários da Flórida e do Texas alertaram para o aumento de preços de alimentos. Restaurantes, cafeterias, supermercados e a poderosa indústria de fast food protestaram contra a medida. O café brasileiro, que chega fresco e barato, ameaçava virar artigo de luxo. A carne também sofreria encarecimento imediato para consumidores já afetados por inflação alimentar.
No plano internacional, a medida isolava ainda mais os EUA em relação ao BRICS+ e ao Sul Global. O Itamaraty, mesmo com discrição, costurava apoios nos bastidores. Até mesmo alguns aliados europeus de Trump consideraram a ação “exagerada”.
Trump tentou rugir, mas teve que miar. A imagem de homem forte da economia começa a desmoronar quando os próprios consumidores americanos reagem à alta de preços nos supermercados, e quando os lobbies comerciais batem à porta da Casa Branca.
O Brasil teve uma vitória parcial. Mostrou que tem aliados, que a chantagem tem limite e que a dignidade econômica e diplomática ainda resiste. Mas é cedo para baixar a guarda. O recuo pode ser momentâneo, um recálculo político. Soa como uma forma de desviar a atenção do desastre do tarifaço.
O ataque mudou de forma. Com o fracasso do tarifaço, Trump mirou diretamente o coração da democracia brasileira, a Suprema Corte. O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF) que enfrentou os golpistas de 8 de janeiro e resistiu às pressões de setores autoritários ligados ao bolsonarismo foi o alvo.
A sanção imposta a Alexandre de Moraes foi feita com base na chamada Global Magnitsky Act, uma legislação dos Estados Unidos criada originalmente para punir indivíduos estrangeiros acusados de corrupção ou violações graves de direitos humanos. Inspirada no caso do advogado russo Sergei Magnitsky, morto sob custódia após denunciar corrupção estatal, a lei permite que o governo dos EUA congele ativos e negue vistos a pessoas que considerar envolvidas em abusos. O problema é que, no caso brasileiro, essa legislação foi usada de forma distorcida e politicamente motivada: não há crime, não há violação de direitos. O que há é um juiz constitucional defendendo a democracia contra ataques golpistas. Usar a Magnitsky Act contra Moraes é uma aberração jurídica e uma grave afronta à soberania do Brasil.
A ofensiva, disfarçada de ato administrativo, é, na prática, uma tentativa de intimidar as instituições brasileiras e favorecer seus aliados internos. É mais do que um ataque pessoal. É um ataque à soberania jurídica do Brasil.
Trump chickened out, mas não desistiu. Se o ataque econômico falhou, agora a tática é institucional. Quando não se pode dobrar o país pela tarifa, tenta-se desmoralizar suas instituições, seus juízes, suas leis, sua democracia. O Brasil precisa entender a gravidade desse novo estágio.
O que está em jogo não é apenas o comércio de café ou carne bovina. É o respeito à soberania brasileira. É a capacidade de dizer não à chantagem, venha ela em forma de tarifa ou de sanção.
Trump mostrou que recua quando encontra resistência. Mas também mostrou que não tem limites quando sente espaço. O Brasil venceu uma batalha, mas a guerra pela autonomia e pelo respeito está longe de acabar.