22 Julho 2025
Atlas dos Conflitos no Campo Brasileiro publicado pela Comissão Pastoral da Terra registra cerca de 51 mil disputas por terra e água, além de casos de trabalho escravo, entre 1985 e 2023; Publicação é lançada em evento que marca o aniversário de 50 anos da organização ligada à Igreja Católica.
A reportagem é de Paula Bianchi, publicada por Repórter Brasil, 21-07-2025.
Lançado nesta segunda-feira (21), o Atlas dos Conflitos no Campo Brasileiro revela o peso da Amazônia na geografia da violência agrária no país. Entre 1985 e 2023, a região concentrou quase metade (44%) dos 50.950 casos, segundo dados compilados pela CPT (Comissão Pastoral do Campo), responsável pela publicação. Desse total, 84% referem-se a disputas por terra, 8,9% a casos de trabalho escravo, e 7,1% a conflitos por água.
O documento foi lançado durante o 5º Congresso Nacional da entidade, realizado em São Luís (MA), em comemoração aos 50 anos de existência da pastoral ligada à Igreja Católica. Considerada a principal referência na produção de dados sobre conflitos por terra no país, a CPT é uma das mais importantes organizações em defesa da reforma agrária e da justiça social no campo.
Segundo o Atlas, a Amazônia passou, desde 2008, a responder por mais da metade dos conflitos registrados anualmente. Em 2016, esse índice chegou a 57%. “A Amazônia é a região, por sua vez, para onde se expandiram nos últimos anos o agronegócio e a mineração, em muitos casos avançando sobre terras públicas e devolutas [áreas ainda sem destinação] com base na grilagem de terras e invasões, promovendo processos de expropriação de indígenas, quilombolas e camponeses”, explica um trecho do publicação.
Todos os dez municípios mais conflituosos do país ficam na chamada “Amazônia Legal” — sete deles no Pará, com destaque para Marabá (548 conflitos), São Félix do Xingu (394) e Altamira (288). Completam a lista Rio Branco, Porto Velho e Macapá.
Dos 5.570 municípios brasileiros, 2.969 (53,3%) registraram ao menos uma disputa por terra desde 1985, segundo a CPT. A maioria dos casos (60,9%) corresponde a reações contra ocupações ou posses. Já os atos dos movimentos sociais representam 22% do total: 8.944 ocupações (17,6%) e 1.152 acampamentos (2,3%).
A Amazônia também se destaca em relação ao número de assassinatos. Das 2.008 mortes por violência no campo registradas entre 1985 e 2023, 66,8% ocorreram nessa região, seguido de Nordeste (16,9%) e Centro-Sul (16,3%).
O Pará foi o estado com maior número de casos de assassinatos (612), tentativas de assassinato (420) e ameaças de morte (1.597). Quando se trata dos massacres (entendidos pela CPT quando há o assassinato de três ou mais pessoas em uma mesma ocasião), 50 episódios deixaram 259 pessoas mortas no Bioma Amazônia entre 1985 e 2022. O Pará é o estado não só com o maior número de ocorrências deste tipo (26), mas também de vítimas (125 pessoas).
Ao longo das quase quatro décadas cobertas pelo Atlas, os indígenas são a terceira categoria que mais sofreu ações de violência contra ocupação e posse, especialmente na Amazônia e no Centro-Sul, atrás apenas dos sem-terra e posseiros. Quase a totalidade dos conflitos é por terra (92%), enquanto os conflitos por água representam 8% — a maior parte envolve mineradoras e garimpeiros.
Entre 1985 e 2023, foram registrados 4.559 ocorrências de conflitos envolvendo povos indígenas. Mais da metade (2.501) aconteceu nos últimos cinco anos da série histórica.
“A análise destes dados nos mostra um crescimento dos conflitos e violências envolvendo os Povos Indígenas em todas as regiões do Brasil, com destaque para a Amazônia brasileira, em especial a partir de 2019”, explica a professora Roberta Aruzzo, professora de Geografia da UFRRJ e vice-coordenadora do Grupo de Pesquisa Geografias e Povos Indígenas (GeoPovos-UFRRJ), que coordenou a análise dos dados.
No recorte entre 2004 a 2023, a maior concentração de assassinatos ocorreu na Amazônia, com 71 casos (52%), seguida do Centro-Sul com 39 (28%) e do Nordeste com 25 (18%), totalizando 135 mortes de indígenas registradas pela CPT.
O Atlas também identifica uma escalada na violência contra a população quilombola. Entre 2000, quando a CPT passa a trabalhar com a categoria quilombola, e 2023 foram registradas 430 ameaças de morte contra essa população. Antes de 2000 os quilombolas estavam incluídos em outras categorias, como a de posseiros, por exemplo.
Os povos quilombolas estiveram envolvidos em 3.017 conflitos no campo nestes 24 anos. As ações dos movimentos quilombolas incluíram a formação de dois acampamentos e a realização de 74 ocupações e 216 manifestações neste período.
O território maranhense é o que concentra mais localidades quilombolas no país (2.025 áreas), assim como os conflitos nestas localidades (977 registros), seguido da Bahia, com 1.814 localidades e 339 conflitos. Minas Gerais aparece em terceiro lugar em localidades (979) e em conflitos (212).
“O Censo [do IBGE] ainda revela que apenas 4,3% dessa população reside em territórios já titulados no processo de regularização fundiária, o que demonstra a vulnerabilidade territorial e a imperativa r-existência quilombola”, diz a publicação.
Os dados do Atlas também apontam para um acirramento dos conflitos no Cerrado nos últimos 20 anos da série histórica, em função do que a publicação chama de “neoextrativismo”.
“Nessa trajetória, o período entre 2008 e 2015 é especialmente relevante. Está marcado pela emergência e crescente consolidação no Cerrado do processo que o pensamento social crítico na América Latina consagrou como “neoextrativismo”, entendido como a ênfase em estratégias de desenvolvimento centradas na exportação de commodities, aprofundando a dependência e os conflitos territoriais nas fronteiras agrominerais”, explica Diana Aguiar, colaboradora da Campanha Nacional em Defesa do Cerrado e coordenadora da pesquisa temática sobre o bioma.
O Atlas foi elaborado em conjunto pelo Grupo de Estudos, Pesquisas e Extensão em Geografia Agrária da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) e pelo Laboratório de Estudos sobre Movimentos Sociais e Territorialidades da UFF (Universidade Federal Fluminense), com a contribuição de pesquisadores de diversas universidades do país em parceria com a CPT. O trabalho teve como base o registro contínuo de dados realizado pelo Centro de Documentação Dom Tomás Balduino (Cedoc), criado em 1985.