22 Julho 2025
Mudanças nos algoritmos do Google e redes sociais reduziram em mais de 90% o alcance da mídia socioambiental, criando um “deserto jornalístico” no segmento mais crítico para o futuro do planeta.
O artigo é de Henrique Cortez, jornalista, ambientalista e editor do portal EcoDebate, publicado por EcoDebate, 22-07-2025.
Vivemos um momento paradoxal na história da comunicação. Nunca se falou tanto sobre sustentabilidade, mudanças climáticas e preservação ambiental. Ao mesmo tempo, nunca foi tão difícil para o jornalismo socioambiental independente alcançar seu público.
Uma crise silenciosa está em curso: os algoritmos das principais plataformas digitais estão sistematicamente reduzindo a visibilidade dos conteúdos especializados em meio ambiente e ciências.
Desde 2024, as transformações nos algoritmos dos mecanismos de busca e das redes sociais têm sido devastadoras para a mídia independente socioambiental.
O Google AI Overviews, por exemplo, passou a priorizar respostas diretas geradas por inteligência artificial, reduzindo drasticamente os cliques para sites especializados. Enquanto isso, as redes sociais ajustaram seus algoritmos para privilegiar conteúdos de entretenimento e engajamento superficial, relegando o jornalismo científico e ambiental a uma posição marginal.
Os números são alarmantes: alguns veículos especializados relatam quedas superiores a 90% no tráfego orgânico. Esta não é apenas uma estatística – é o prenúncio de uma extinção em massa do jornalismo especializado que mais precisamos preservar.
A redução drástica de visualizações não é apenas um problema técnico; é uma ameaça existencial. Sites de notícias dependem de audiência para sobreviver, seja através de publicidade, assinantes ou doações. Quando o alcance desaparece, a receita segue o mesmo caminho.
O resultado é previsível: fechamento de redações, demissão de jornalistas especializados e, em última instância, menos informação qualificada sobre os temas mais urgentes da nossa época.
Estamos caminhando para um “deserto jornalístico” no segmento socioambiental, onde a cobertura especializada de questões como desmatamento, poluição, energias renováveis e políticas climáticas será cada vez mais escassa.
Em um momento em que a humanidade enfrenta desafios ambientais sem precedentes, estamos perdendo justamente os veículos que nos ajudam a compreender e enfrentar essas questões.
As big techs frequentemente defendem suas mudanças algorítmicas como formas de “democratizar” a informação e melhorar a experiência do usuário. No entanto, o que observamos é o oposto: uma concentração ainda maior do poder de decidir que informações chegam ao público. Quando algoritmos privilegiam o entretenimento sobre a educação, a superficialidade sobre a profundidade, estamos assistindo a uma forma sutil, porém poderosa, de censura.
O jornalismo socioambiental independente sempre teve papel crucial na fiscalização de empresas poluidoras, na denúncia de crimes ambientais e na educação pública sobre sustentabilidade. Sua invisibilização não é apenas uma perda para o setor de comunicação – é uma ameaça à própria democracia e à capacidade da sociedade de tomar decisões informadas sobre seu futuro.
Alguns veículos conseguirão sobreviver a essa tempestade digital. Aqueles que cultivaram uma base leal de leitores, que investiram em relacionamento direto com a audiência e que diversificaram suas fontes de receita têm melhores chances. No entanto, essa resistência depende fundamentalmente do comprometimento de leitores conscientes da importância desse trabalho.
A sobrevivência do jornalismo socioambiental também exige uma mudança de paradigma: maior investimento em estratégias de SEO e otimização para mecanismos de busca geradores, diversificação de canais de distribuição, fortalecimento de newsletters e comunidades próprias, e busca por modelos de financiamento alternativos, incluindo fundações e organizações comprometidas com a causa ambiental.
Se não revertermos essa tendência, o preço será alto. Uma sociedade menos informada sobre questões ambientais é uma sociedade mais vulnerável às crises climáticas e menos capaz de pressionar por mudanças necessárias.
A extinção da mídia socioambiental independente representaria uma vitória para aqueles que preferem que questões ambientais inconvenientes permaneçam fora do radar público.
O momento exige ação urgente. Leitores conscientes precisam se engajar diretamente com os veículos que valorizam, seja através de assinaturas, doações ou simplesmente acessando os sites regularmente.
Formuladores de políticas públicas precisam reconhecer a importância estratégica do jornalismo especializado e criar mecanismos de apoio. E a própria indústria da comunicação precisa se unir para denunciar e combater práticas algorítmicas que prejudicam o interesse público.
O futuro do jornalismo socioambiental – e, consequentemente, nossa capacidade coletiva de enfrentar as crises ambientais – está em jogo. Não podemos permitir que o apagão digital se torne permanente.