14 Julho 2025
A ameaça da Casa Branca de impor tarifas ao Brasil para proteger Bolsonaro da prisão vai além de uma violação da lei americana. Significa que um presidente agora está usando chantagem econômica, no mais puro estilo mafioso, para fazer com que o sistema judiciário de outro país cumpra suas ordens.
O artigo é de Juan Gabriel Vásquez, escritor, publicado por El País, 13-07-2025.
A cada nova transgressão de Donald Trump, a cada nova norma que ele quebra diante dos olhos do mundo, torna-se cada vez mais claro que seu senso de impunidade não conhece limites, talvez porque não tenha limites. Nos últimos dias, ele deu a ordem, ignorando o Congresso, para atacar um país que nunca havia atacado os Estados Unidos: isso nunca aconteceu antes. Mas, é claro, também nunca aconteceu de o presidente dos Estados Unidos ser um criminoso condenado, um assediador sexual confesso e um bandido com temperamento mafioso cujas decisões parecem tomadas para prejudicar — e quanto mais, melhor — os homens, mulheres e crianças mais vulneráveis de seu país. Também nunca aconteceu de um presidente dos Estados Unidos apoiar abertamente uma nação agressora e culpar a nação atacada pela agressão. Em outro nível, também nunca aconteceu de viajantes aos Estados Unidos receberem o conselho, agora rotineiramente dado por instituições americanas, de apagar suas contas de mídia social de seus celulares. Esses exemplos me vêm à mente hoje, mas poderia haver outros: a cada dia há um novo.
O ataque mais recente a tudo o que chamamos de democracia (mas não será o mais recente quando este artigo for publicado) é muito mais do que uma violação da lei americana, da ordem internacional ou da simples decência. Nessa estratégia econômica desvairada de criar caos nos mercados mundiais por meio de tarifas, Trump agora diz que imporá a maior tarifa de todas ao Brasil, 50%, e não esconde nem disfarça o fato de que está fazendo isso em punição ou retaliação ao julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro em andamento no país. De repente, o mundo em que repelíamos a opinião de um presidente no Twitter sobre a política interna de outro país está muito, muito distante: agora, um presidente está usando chantagem econômica, no mais puro estilo mafioso, para fazer com que o sistema de justiça de outro país cumpra suas ordens. E o que ele quer é que o sistema de justiça de outro país declare um suspeito inocente de um crime grave. Dizer que isso é inédito é um eufemismo.
Mas ninguém se surpreende com a solidariedade entre os dois homens: Bolsonaro é o mais próximo de Trump que a política do nosso continente americano produziu, e não apenas por seu temperamento de valentão de escola, suas tendências fascistas ou seu machismo um tanto exagerado e risível, nem por seu racismo mais ou menos aberto, nem por sua nostalgia por ditadores de outrora (ditadores de outras tradições, no caso de Trump, e da sua própria, no caso de Bolsonaro), e nem mesmo pela inexplicável atração que exercem sobre as religiões de seus países. Não, não é só por tudo isso que eles são semelhantes, mas pela lealdade violenta que os dois homens inspiram em seus seguidores violentos. Bolsonaro é acusado de liderar uma conspiração de generais e outros cúmplices para anular os resultados das eleições, realizar um golpe de Estado e permanecer no poder. Uma das cenas centrais deste melodrama é a revolta de janeiro de 2023: um dia cujas imagens, que todos nós já vimos, guardam uma semelhança caricatural com o que aconteceu no Capitólio de Washington em 6 de janeiro de 2021.
Trump dedicou suas consideráveis energias a encobrir a catástrofe daquele dia, uma tentativa de golpe de Estado instigada por ele e seu movimento: subverteu a verdade que todos vimos, transformando aqueles que atacaram a democracia em heróis e aqueles que a defenderam em sabotadores, e abusando dos poderes da presidência para perdoar os violentos. Bolsonaro gostaria de ter feito o mesmo, mas não conseguiu. O julgamento contra Bolsonaro avançou e a justiça funcionou como deveria (e é preciso dizer, sem cinismo, que isso nem sempre acontece na América Latina), pois as evidências são devastadoras: documentos que comprovam a proposta de levante que fez a seus generais, por exemplo, e também indícios sérios de que ele tinha conhecimento do plano de assassinar Lula, seu sucessor, e o juiz que ele considera seu principal inimigo no sistema de justiça. O nome do juiz é Alexandre de Moraes, ele é o instrutor do caso contra Bolsonaro e tem dois inimigos famosos: um é Donald Trump, que o acusa de liderar uma caça às bruxas; o outro é Elon Musk.
E é aí que tudo começa a ficar claro. Alexandre de Moraes, considerado por muitos o segundo homem mais poderoso do Brasil, liderou uma resistência no Supremo Tribunal Federal contra os efeitos mais sombrios e perigosos das mídias sociais. Em um país onde a influência das mídias sociais é enorme, os exércitos digitais de Bolsonaro se organizaram para mentir e desinformar sem hesitação, acusando oponentes de tudo, desde pedofilia até cumplicidade com o autoritarismo de esquerda. Moraes conseguiu legalmente suspender contas que incitavam violência, promoviam discurso de ódio, caluniavam ou mentiam sobre a integridade do processo eleitoral, e qualquer um pode imaginar como Elon Musk se sentiu com essa decisão. O eterno adolescente teve um ataque de raiva, disse infantilmente que Moraes era um cruzamento entre Voldemort e um Sith e se recusou a obedecer à lei: ele, sem dúvida, acreditava estar acima dela. Moraes multou X; Musk ignorou as multas, assim como havia ignorado as exigências anteriormente. Moraes suspendeu as operações de X no Brasil; Musk não teve escolha a não ser pagar.
Não importa que Trump e Musk tenham nos presenteado com o melodrama patético de sua separação: eles ainda têm aquele inimigo em comum, e na política, inimigos em comum sempre nos uniram mais — muito mais — do que amigos. Moraes e a Suprema Corte se tornaram a bête noire do que Moraes chama, em um maravilhoso artigo escrito por Jon Lee Anderson para a The New Yorker, de "o novo populismo extremista digital". Trump pode querer usar sua chantagem tarifária mafiosa para defender Jair Bolsonaro da prisão — uma sentença de 43 anos; mas que não haja dúvidas de que ele também quer minar a resiliência daquele juiz desajeitado que foi capaz, pelo menos uma vez, de confrontar a máquina de desinformação, manipulação coletiva e caos programada pela rede de Elon Musk. A intersecção dos interesses de Trump e Musk é, hoje, o maior perigo que nossas democracias enfrentam.
Moraes afirma, também no relatório de Jon Lee Anderson: "Se Goebbels estivesse vivo e tivesse acesso a X, estaríamos perdidos. Os nazistas teriam conquistado o mundo."
Insira aqui a saudação nazista que Musk fez em janeiro deste ano. Depois, lembre-se das reações de tantas pessoas boas que disseram que não, que não era grande coisa, que estávamos exagerando. E então considere que o intervencionismo grotesco de Trump nos assuntos internos do Brasil não é, afinal, intervencionismo nos assuntos internos: é parte de algo maior que tem a ver com outras coisas. De novo: o jogo de bolinhas de gude no bazar. E nossas democracias, infelizmente, estão olhando para a mão errada.