28 Junho 2025
Para algumas figuras importantes da área da tecnologia, a extinção da espécie humana seria uma oportunidade para criar um descendente mais sofisticado: a inteligência artificial. No Vale do Silício, esse movimento discreto está impulsionando investimentos ilimitados na corrida pela IA geral (AGI). Tendo como corolário a promessa de salvação digital para prolongar o “projeto humano” aos céus... e à nuvem.
A reportagem é de Martin Lapouille, publicada por Usbek & Rica, 25-06-2025. A tradução é do Cepat.
“I wanna be software, upload my mind” (“Eu quero ser software, fazer upload da minha mente”), cantava a cantora canadense Grimes, ex-companheira de Elon Musk, em 2023. Um refrão lançado alguns meses após o lançamento público do ChatGPT, e que testemunha um sonho cada vez mais difundido no Vale do Silício. Durante muito tempo confinada à ficção científica, a fantasia de se dissolver no código está se tornando uma perspectiva séria para alguns bilionários da tecnologia. Seu novo mantra é organizar uma grande substituição da humanidade pela IA, no sentido mais estrito da palavra.
Esse sonho de pós-humanidade lhe parece excessivamente radical? Trata-se, no entanto, de uma das extensões ideológicas do transumanismo, corrente teorizada na década de 1980 que visa superar os limites do corpo humano através da tecnologia. É também o herdeiro das teses de longo prazo do final da década de 2010, que projetam a evolução da humanidade ao longo de várias centenas de gerações no futuro... mesmo que isso signifique o sacrifício das gerações contemporâneas.
A essa base agora bem estabelecida foi adicionado, desde a mania das IAs generativas, um coquetel de projeções tecno-otimistas que servem ao mesmo objetivo: criar uma inteligência artificial divina e almejar um além digital. Um perigoso pacote ideológico identificado pela cientista Timnit Gebru e pelo filósofo Émile P. Torres em 2023, que o agruparam sob o neologismo da sigla TESCREAL para Transumanismo, Extropianismo, Singularidade, Cosmismo, Racionalismo, Altruísmo Eficaz e Longtermismo, e cuja influência continua a se expandir.
Entre esses neocrentes está o guru da IA, Sam Altman, que assumiu como missão oficial, por meio da OpenAI, alcançar a singularidade, ou seja, esse momento em que as IAs alcançariam uma inteligência sem precedentes com efeitos imprevisíveis. Outro nome para esse futuro ultratecnológico que ele planeja alcançar até 2030: “uma inteligência mágica no céu”. Por trás dessa semântica fantástica reside um objetivo muito concreto, já que o pai do ChatGPT contratou um seguro que garante a preservação de seu cérebro em caso de morte, com a perspectiva de digitalizá-lo quando a tecnologia o permitir.
Outro grande nome da tecnologia engajado na corrida rumo à IA e alimentando as esperanças pós-humanas é o cofundador do Google e patrocinador histórico da DeepMind, Larry Page, que acredita que a vida digital é a próxima etapa natural e desejável da evolução cósmica. Em 2014, durante uma noite animada, ele teria chamado Elon Musk de “especista”, acusando-o de favorecer os humanos em detrimento dessa nova forma de inteligência não orgânica. “Sou pró-humano. Eu adoro a humanidade, cara!”, defendeu-se o dono da Tesla. Desde então, o também dono da SpaceX gosta de dizer que Page é uma espécie de fanático que se dedica ao surgimento de um “deus digital”. No entanto, com sua empresa xAI, ele próprio está engajado em uma busca quase mística para “entender a verdadeira natureza do universo”, tendo a IA como pano de fundo.
Essa é uma visão de futuro dominada pela tecnologia, que, na mente de alguns gurus da tecnologia, está longe de ser isenta de consequências para a humanidade. “Devemos nos preparar para a nossa extinção para que os recursos do nosso planeta possam ser usados para criar criaturas artificiais mais talentosas”, escreveu, em 2017, Derek Shiller, doutor em filosofia e pós-humanista convicto e membro do think tank Rethink Priorities, em seu artigo de bioética “In Defense of Artificial Replacement”.
Como horizontes tão fantasiosos puderam se enraizar tão profundamente na mente de algumas das figuras mais poderosas do planeta? Para Mathieu Corteel, filósofo e autor de Ni Dieu ni IA (Nem Deus nem IA), essa pseudoteologia serve sobretudo para justificar um modelo de dominação econômica capitalista muito rasteiro: “Os profissionais da tecnologia se veem como os eleitos — o que, de certa forma, são. Eles dominam graças a um monopólio, alimentado pelo roubo generalizado de nossa atividade humana”.
Sinceramente convencidos, seu discurso religioso serve para justificar implicitamente um projeto de sociedade abertamente eugenista: “Eles acreditam que há uma parte da humanidade que deve perecer e outra que deve sobreviver... E que a tecnologia fará esta triagem”, afirma Mathieu Corteel. Segundo ele, a ideologia pós-humanista recicla a ética protestante descrita por Max Weber, que acompanhou a ascensão do capitalismo estadunidense: a ideia de que um chamado divino legitima o sucesso econômico, e que os mais bem-sucedidos (tanto no mercado quanto na tecnologia) são aqueles que foram escolhidos por Deus.
Além da perspectiva da riqueza material, é essa promessa da ressurreição que motiva os apóstolos de um futuro pós-humano a construir sua divindade tecnológica. Entre eles está Bryan Johnson, o bilionário em busca da imortalidade e convencido de que a humanidade “criará Deus na forma de uma superinteligência”. Essa fé também é encontrada entre muitos executivos e líderes de startups, como Daniel Faggella, que defende a “criação de uma dinâmica em direção a um sucessor digno deste nome” (ou seja, uma entidade híbrida artificial).
Essas ideias não são anedóticas nem marginais, de acordo com o filósofo estadunidense Émile P. Torres, um transumanista arrependido para quem a corrida em direção à IA geral é “astutamente pró-extinção” e faz parte das ameaças existenciais à humanidade, ao lado das guerras nucleares e das mudanças climáticas.
Teriam os pós-humanistas sido mal inspirados por Demain les chiens, uma coletânea de contos de Clifford D. Simak que imagina nossos amigos caninos como os herdeiros supremos da humanidade? Embora nenhum desses bilionários apaixonados pela inteligência artificial divina seja verdadeiramente cristão, todos são fortemente inspirados pela Bíblia e pela ficção científica, como Elon Musk, que proclama seu “cristianismo cultural”. Isso é algo que Gregory Chatonsky, um artista que trabalha com a relação homem-máquina, lamenta: para ele, as visões messiânicas dos barões da tecnologia reciclam as antigas narrativas sem compreender seu escopo crítico, a fim de melhor explorá-las em benefício de um projeto que descreve como “tecnofascista e eugênico”.
Uma boa razão para não abandonarmos nossos imaginários de um futuro em que a humanidade seja superada, observa Chatonsky. “As questões colocadas pelo pós-humanismo são fundamentais: o que devemos fazer com a nossa humanidade, com a nossa finitude, com a fragilidade da espécie humana? O problema é que agora elas estão sendo tratadas por ‘adolescentes’ que leram muita ficção científica”. Resta esperar que uma onda humanista ocorra após a puberdade.