18 Junho 2025
O documentário revisita a vida e o legado do padre argentino e estreia em Madri. Seu trabalho nas favelas e seu compromisso com os pobres deixaram uma marca profunda na história social.
A informação é de Diego Jemio, publicada por El País, 17-06-2025.
O filme abre com uma imagem em preto e branco. Em uma entrevista para a televisão, ele afirma com firmeza: “O maior de todos os idealistas foi Jesus Cristo, que sonhou que um dia todos os homens deixariam de ser pecadores. Acredito que quem não é idealista é um cadáver vivo”. O narrador é Carlos Francisco Sergio Mugica Echagüe, conhecido por todos na Argentina como Padre Mugica. Sua vida e parte de seu legado estão presentes em Padre Mugica, na Hora da Luz, o documentário de Walter Peña e Nicolás Cuiñas que será exibido na quarta-feira, às 15h15, na Sala de Cinema Ibéria da Casa de América, em Madri.
Após a exibição, haverá um debate com Christian Asinelli, vice-presidente corporativo de Programação Estratégica do CAF - Banco de Desenvolvimento da América Latina; José Cobo Cano, cardeal arcebispo de Madri; Walter Peña, codiretor do documentário e diretor da Pastoral Villera; e o padre Ignacio Bagattini, pároco do bairro Mugica (antiga Villa 31).
Como se sua vida fosse um caleidoscópio, o filme conta a história de Mugica e das últimas décadas do país. Aborda o Movimento dos Sacerdotes para o Terceiro Mundo – ele foi um de seus fundadores –, a morte de Eva Perón, sua ordenação sacerdotal, a construção da Paróquia Cristo Obrero, seu trabalho em conjunto com os mais necessitados da Vila 31 – hoje bairro Padre Carlos Mugica – e seu assassinato em maio de 1974 por um grupo de extrema direita.
“Até hoje, continuo profundamente comovido com a história de vida de Carlos, com sua determinação em colocar os pés na areia. Ele veio de uma família rica que tinha tudo planejado. Ele é alguém que decidiu não apenas dar a vida, mas também transformá-la. Ele trabalhou pelos menos favorecidos e acabou dando a vida por eles. Ele continua sendo um farol e um exemplo para as novas gerações”, diz Walter Peña, codiretor do filme.
“Queríamos renovar a imagem de Mugica”, acrescentou Nicolás Cuiñas, “e trazê-la para o presente, 50 anos após seu assassinato. Sua visão política sempre foi voltada para a política, mas ele nunca deixou de ser padre, apesar dos ataques que recebeu da própria Igreja e do establishment político.”
Falar de Mugica nos faz lembrar do Concílio Vaticano II, dos padres das favelas e da necessidade de uma Igreja comprometida com os pobres. Aparece também a imagem do Papa Francisco, que promoveu a transladação de seus restos mortais do Cemitério da Recoleta — o cemitério mais aristocrático de Buenos Aires — para a Paróquia Cristo Obrero, na Villa 31.
Sem o legado de Mugica, não haveria Francisco. O Papa era dez anos mais novo que Carlos. Após seu assassinato em 1974, sua figura foi silenciada e ofuscada pela Igreja. Somente 25 anos após sua morte Bergoglio reviveu sua imagem como padre e marcou o evento histórico da trasladação de seus restos mortais quando a construção de uma rodovia ameaçou destruir sua paróquia. "Muito mais tarde, Mugica começou a aparecer com destaque como nome nas homilias e discursos de padres e bispos", observa Cuiñas.
Em algumas cenas do filme, o ator Víctor Laplace caminha pelas ruas da Villa 31 e lê trechos escritos por Mugica. "A categoria de pessoas quase coincide com a categoria de pobres, embora não a abranja inteiramente. Sei, pelo Evangelho, pela atitude de Cristo, que devo olhar a história humana a partir da perspectiva dos pobres", diz um deles. Atuar neste filme teve um significado especial para Laplace, pois ele conheceu Mugica e caminhou por aquelas ruas durante seus anos de ativismo.
“O trabalho dele era extraordinário. Naqueles anos, tínhamos um lema: 'Só o povo salva o povo'. Ele tinha uma mente brilhante, constantemente gerando coisas novas. Junto com outros artistas, tentávamos apoiá-lo de todas as maneiras possíveis. Lembro-me dele profundamente envolvido na favela, trabalhando para e em nome dos trabalhadores”, relembra o ator.
Após a exibição em Madri, o filme terá exibições adicionais em Roma, Nápoles e Paris. A turnê europeia do filme é patrocinada e promovida pela CAF, o banco de desenvolvimento da América Latina e do Caribe. "A CAF realiza projetos de infraestrutura na Villa 31, onde fica a paróquia do Padre Mugica. Mas também realizamos outros projetos de infraestrutura institucional, com temas culturais, de liderança e de fortalecimento da democracia. Apoiamos o lançamento deste filme porque acreditamos que é importante gerar reflexão em um momento particular da Argentina", afirma Christian Asinelli, vice-presidente corporativo de Programação Estratégica da CAF. "Seu legado é significativo e está relacionado ao trabalho que realizamos, fornecendo planos e projetos concretos para melhorar a qualidade de vida das pessoas pelas quais ele lutou", acrescenta.
Embora 51 anos tenham se passado desde o assassinato, o legado de Mugica continua vivo nos padres das favelas, nos refeitórios populares e nas redes de apoio que ele criou em bairros populares. Mas os diretores do documentário acreditam que suas lições são ainda mais profundas e necessárias em tempos de individualismo exacerbado.
A mensagem fundamental de Mugica, afirma Peña, é o trabalho comunitário e que as coisas podem ser resolvidas por meio de esforços comunitários. "Trata-se de ajudar aqueles com menos recursos a alcançar uma vida melhor. O individualismo em que vivemos hoje tem prazo de validade curto. Ele sempre dizia que, quando falamos de 'nosso pai', já estamos nos referindo a um 'nós'".
“Ele dizia que as coisas tinham que vir de baixo para cima. Ele era um grande articulador do pensamento dos moradores das favelas e fazia tudo construindo comunidade, por meio da política e da fé, que sempre estiveram interligadas. Ele assumiu o comando e foi para a frente de batalha. Ele se arriscou para não colocar os outros em risco, e as lutas que travou foram sempre pela paz. Ele nunca recorreu à violência”, observa Cañas.
Certa vez, perguntaram ao Padre Mugica o que significa ter fé. Com toda a franqueza e sem rodeios, ele respondeu com uma frase que ainda hoje ressoa com sua inegável relevância: "Ter fé é amar os outros".