17 Junho 2025
A transição energética que Lula cobrará dos países mais ricos do mundo é a mesma que permite ao Brasil explorar combustíveis fósseis na Amazônia?
A reportagem é de Alexandre Gaspari, publicada por ClimaInfo, 16-06-2025.
Os líderes do G7, que reúne os 7 países mais ricos do planeta, estão em Kananaskis, no Canadá – o primeiro encontro do grupo desde que Donald Trump voltou à presidência dos Estados Unidos. Convidado a participar do encontro, o presidente Lula pretende cobrar nesta 3ª feira (17/6) que o G7 se comprometa com a transição energética global. Não apenas para garantir a segurança do suprimento energético, mas também pela urgência de se combater as mudanças climáticas.
No mesmo dia em que Lula cobrará a transição das nações ricas, a Agência Nacional do Petróleo (ANP) promoverá mais um “leilão do fim do mundo” no Rio de Janeiro, com a devida autorização do governo federal. Serão 172 blocos para explorar petróleo e gás fóssil – tanto convencional como por fracking –, boa parte deles em áreas de altíssima sensibilidade ambiental, como na Foz do Amazonas e na região de Fernando de Noronha, ou com impacto direto em Terras Indígenas, caso de Parecis, entre Mato Grosso e Rondônia. “Drill, baby, drill!”, diria um orgulhoso Trump, ao lado da presidente da Petrobras, Magda Chambriard.
Simultaneamente, em Bonn, na Alemanha, a presidência da COP30 lidera a principal reunião preparatória da ONU para as conferências do clima lidando com o atraso das metas climáticas dos países, que deveriam ter sido fechadas em fevereiro. E também com o “elefante na sala” dos combustíveis fósseis na cúpula de Belém, como bem nomearam Stela Herschmann, do Observatório do Clima (OC), e Ilan Zugman, da 350.org. Isso dias depois do Brasil não ter aderido ao “Apelo de Nice”, na Conferência dos Oceanos (UNOC3), na França, no qual cerca de 100 países exigem um tratado “ambicioso” contra a poluição por plásticos – que tem no petróleo sua principal matéria-prima.
“Temos orgulho de ser uma nação oceânica. O espaço marítimo brasileiro ocupa 5,7 milhões de quilômetros quadrados, área comparável à da Amazônia. Por isso, o chamamos de Amazônia Azul. As duas Amazônias sofrem o impacto da mudança do clima. As florestas tropicais estão sendo empurradas para seu ponto de não retorno. O oceano está febril. Em apenas um ano, a temperatura média do mar elevou-se quase o mesmo que nas quatro décadas anteriores. A ciência comprova que a cau
sa dessa enfermidade é o aquecimento global e o uso de combustíveis fósseis. Nos últimos dez anos, o mundo produziu mais plásticos do que no século anterior. Seus resíduos representam 80% de toda a poluição marinha. Salvar esse bioma requer empenho renovado na implementação do ODS 14 e do Acordo de Paris”, disse Lula no discurso de abertura da UNOC3.
Cálculos de Shigueo Watanabe Jr., pesquisador do Instituto ClimaInfo, mostram que a queima dos combustíveis fósseis esperados para os 172 blocos do “leilão do fim do mundo” da ANP gerará mais de 11 bilhões de toneladas de dióxido de carbono equivalente (tCO2e), volume maior do que o agronegócio emitiu em seis anos. Somente as 47 áreas da Foz do Amazonas despejariam quase 5 bilhões de tCO2e na atmosfera.
É uma quantidade imensa de gases de efeito estufa, que ameaça tanto a Amazônia Verde, a maior floresta tropical do planeta, quanto a Amazônia Azul mencionadas por Lula na Conferência dos Oceanos. E que o presidente conclamou os países presentes à UNOC3 a defender e preservar. “É impossível falar de desenvolvimento sustentável sem incluir o oceano. Sem protegê-lo, não há como combater a mudança do clima”, disse ele.
O problema é que as ideias de Lula não correspondem aos fatos, como diria Cazuza. A cobrança aos países ricos é pertinente e necessária, já que são os principais responsáveis pela tragédia climática que assola todo o planeta e que ameaça principalmente as nações mais pobres e que menos contribuíram para as mudanças do clima.
Não há justificativa para cobrar sem fazer. Afinal, o Brasil tem “a faca e o queijo” nas mãos para liderar a descarbonização da economia global, como mostrou um estudo da Universidade John Hopkins. No entanto, continua sem um plano de transição energética, apesar de ter 90% de sua eletricidade gerada por fontes renováveis de energia e dispor de sol e vento à vontade para produzir cada vez mais energia limpa.
Pior: o país insiste na falácia de que o petróleo vai financiar sua transição energética, quando levantamentos do INESC e do ClimaInfo já mostraram que isso não acontecerá. Enquanto isso, as petroleiras poderão “fazer a festa” nas duas Amazônias. E sob as bênçãos do governo federal.