07 Junho 2025
"Dom Fernando - sobretudo depois do Concílio Vaticano II - era um homem que acreditava na "Igreja dos Pobres" e vivia a comunhão e participação, numa Igreja toda ela ministerial. Por isso, partilhava com os Padres, as Religiosas/os e os Agentes pastorais leigas/os a responsabilidade do pastoreio", escreve Marcos Sassatelli, frade dominicano, doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção-SP) e professor aposentado de Filosofia da UFG.
Em 2010, no centenário de nascimento (04/04/1910 - Patos - PB) e nos 25 anos da Páscoa definitiva (01/06/85 - Goiânia - GO) de Dom Fernando Gomes dos Santos, publiquei o artigo “Dom Fernando: pastor-profeta” (Diário da Manhã. Opinião Pública, 23/12/10, p. 17).
Neste ano de 2025, nos 40 anos de sua Páscoa definitiva (01/06) - pelo significado que o testemunho de vida de Dom Fernando tem para a Igreja, sobretudo hoje - achei por bem retomar, com reformalizações e atualizações, o que disse naquela época.
Desde o início da década de 1970, quando - depois do Concílio Vaticano II (1962-65) e da Conferência de Medellín (1968) - vivíamos, com muito entusiasmo, um tempo de profunda renovação da Igreja, tive a felicidade - que considero uma graça de Deus - de trabalhar em Comunidades da periferia de Goiânia e, ao mesmo tempo, de ser amigo e colaborador direto de Dom Fernando Gomes dos Santos como Coordenador da Pastoral e Vigário Geral da Arquidiocese de Goiânia. Por isso, fazendo a memória dos 40 anos de sua Páscoa definitiva, não posso deixar de dar publicamente - mais uma vez - o meu testemunho.
Por ocasião de sua morte ou, melhor dizendo, do dia em que "completou sua Páscoa", falei que Dom Fernando foi "um Pastor-Profeta dos nossos tempos", "fiel à Palavra de Deus e fiel aos apelos da realidade" (Revista da Arquidiocese. Goiânia, ano 28, n. 6/7, junho/julho 1985, p. 393 e 426-427).
Dom Fernando tinha uma personalidade forte, mas um coração muito grande. Era uma figura de extraordinária profundidade humana; sabia compreender, com amor de pai e ternura de mãe, as fraquezas do ser humano; ele foi sempre um irmão solidário de todos e todas, especialmente dos mais pobres.
No depoimento, que ele deu à Revista Eclesiástica Brasileira (REB), poucos meses antes de sua Páscoa definitiva, depois de falar da ação pastoral do Secretariado da Pastoral Arquidiocesana (SPAR), diz que ela "se complementa naturalmente no gabinete do arcebispo, sempre aberto a ouvir a todos e todas, a qualquer hora. Nesses encontros - em sua maior parte com pessoas pobres, marginalizadas e oprimidas - tem acontecido que, além das palavras de estímulo, recebam, alguma vez, o sacramento da Penitência, sem que ninguém saiba ou perceba. Transforma-se, assim, em lugar privilegiado de reconciliação e de perdão" (REB, março de 1985).
Quando, por causa de sua tomada de posição clara, destemida e firme em defesa do povo, o acusavam de ser contra o Governo, Dom Fernando dizia: “eu sou a favor do povo; quando o Governo estiver a favor do povo, eu estarei com ele, quando estiver contra o povo, eu estarei contra ele".
Como tive a graça de conviver com Dom Fernando e ser - pela afinidade que tínhamos - pessoa da sua confiança, quando alguém o procurava para tratar de um assunto que podia ser resolvido no Secretariado da Pastoral Arquidiocesana (SPAR), o ouvi diversas vezes dizer: "isso é com Frei Marcos".
Dom Fernando - sobretudo depois do Concílio Vaticano II - era um homem que acreditava na "Igreja dos Pobres" e vivia a comunhão e participação, numa Igreja toda ela ministerial. Por isso, partilhava com os Padres, as Religiosas/os e os Agentes pastorais leigas/os a responsabilidade do pastoreio.
Honra-me muito - e considero isso uma graça de Deus - o reconhecimento de Dom Fernando a respeito do SPAR, no depoimento já citado: "O SPAR tem sido o grande centro de convergência e de irradiação de tudo o que se passa na Arquidiocese no campo pastoral. Dotado de sede própria, que integra o conjunto Catedral-Cúria Metropolitana-Spar, no centro da cidade, constitui o ponto mais dinâmico da Arquidiocese. Hoje o SPAR conta com o coordenador da Pastoral, Frei Marcos Sassatelli, que é também vigário geral, e com uma extraordinária equipe de sacerdotes, religiosas/os e leigas/os competentes, de rara dedicação e eficiência. No SPAR, funcionam oito Comissões que dinamizam as atividades fundamentais, referentes às prioridades do Plano Pastoral, elaborado em Assembleia Arquidiocesana e constantemente estudado nas reuniões e encontros. O SPAR produz, também, grande número de boletins e impressos, que são divulgados nas Paróquias da Arquidiocese, principalmente nas Comunidades da periferia, e que são encomendados por outras Igrejas particulares do Brasil afora. Grande é também o número de cursos ministrados nas Comunidades da capital e do interior" (REB, ib.).
À luz dos ensinamentos da Conferência de Medellín, no Plano de Pastoral - aprovado em Assembleia Arquidiocesana e publicado em forma de Cartilha e de Documento - as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) eram a prioridade das prioridades. E hoje!?
Como todo ser humano, Dom Fernando tinha também suas limitações e seus defeitos, mas era um homem de uma só palavra, um homem íntegro, um homem "sem violência e sem medo". Com inabalável fidelidade, amava muito a Mãe Igreja, mesmo, às vezes, sofrendo profunda e silenciosamente por causa das incompreensões de irmãos da própria Igreja (cf. O Testamento de Dom Fernando. Revista da Arquidiocese. Goiânia, ano 28, n. 6/7, junho/julho 1985, p. 356).
Dom Fernando, como "pastor-profeta dos nossos tempos" e como "defensor e advogado do povo" (capa da REB de março de 1985), era também implacável na denúncia e na luta contra as injustiças sociais. Era respeitado e temido pelos poderosos, sobretudo nos tempos difíceis da ditadura militar.
Dom Fernando era um homem fiel à Palavra de Deus e fiel aos apelos da realidade, "Para desempenhar sua missão, a Igreja, a todo momento, tem o dever de escutar os sinais dos tempos e interpretá-los à luz do Evangelho (...). Por conseguinte, é necessário conhecer e entender o mundo no qual vivemos, suas esperanças, suas aspirações e sua índole frequentemente dramática" (Concílio Vaticano II, A Igreja no mundo de hoje - GS, 4).
Que a memória do testemunho de Dom Fernando Gomes dos Santos - primeiro arcebispo da Arquidiocese de Goiânia - nos 40 anos de sua Páscoa definitiva, nos ajude a sermos, sempre mais, uma Igreja verdadeiramente evangélica, comprometida com a Boa-Notícia do Reino de Deus no mundo de hoje, “desde os pobres, com os pobres e para os pobres”: o único caminho para sermos uma Igreja para todos e todas. A caminhada continua! Esperançar é preciso!