05 Junho 2025
Em uma de suas últimas entrevistas, realizada em 2022, a arqueóloga franco-brasileira relembra sua trajetória para o Mulheres da Conservação.
Foi em agosto de 2022, durante as gravações de uma etapa do Mulheres na Conservação com a pesquisadora Márcia Chame, que tivemos o nosso encontro com a grande arqueóloga e referência mundial, Niède Guidon.
Marcia, bióloga e pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz, é também diretora científica da Fundação Homem Americano, uma das muitas iniciativas de Niède para manter o conhecimento, a pesquisa e, principalmente, a história da Serra da Capivara no Brasil.
A entrevista é de Paulina Chamorro e João Marcos Rosa, publicada por ((o))eco, 04-06-2025.
Como uma verdadeira pupila, Márcia iniciou suas pesquisas na Serra da Capivara na década de 1980, acompanhando expedições da arqueóloga Niède Guidon, investigando a relação humana com seus parasitos. Seus estudos resultaram na conexão entre biodiversidade e saúde, buscando nos posicionar diante dos desafios enfrentados pela humanidade.
Suas pesquisas continuam conectando biodiversidade e saúde, sempre com o objetivo de entender e enfrentar esses desafios.
O encontro entre o conhecimento popular e a ciência é um dos pilares do trabalho de Niède Guidon, aprendido por Márcia ao longo de sua trajetória.
Depois de uma saída de campo bastante quente, passamos pela casa de Niède, que fica na mesma área da sede do Fundação Museu do Homem Americano.
Com sua saúde já debilitada, ela nos concedeu um tempo de conversa, junto com Marcia Chame, sem perder a ironia bem-humorada de quem já fez de tudo para criar, manter e agora salvar um dos principais Parques Nacionais do país e um dos mais impressionantes do mundo. Guidon faleceu na madrugada desta quarta-feira (04), aos 92 anos, em São Raimundo Nonado.
A seguir, leia trechos desta conversa com Niède Guidon, uma mulher de legado incomensurável, que mudou a história brasileira desde que chegou à Serra da Capivara, em 1973. Essa entrevista estará disponível na íntegra no podcast Mulheres na Conservação.
Sobre o início das pesquisas na Serra da Capivara em 1973:
“Eu saía andando para todo lado. Teve dias que cheguei a andar mais de 40 km para chegar até um sítio que não tinha caminho nenhum, só para chegar no carro. Levava equipamentos pesadíssimos, toda a parte de fotografia e outros instrumentos necessários. Agora estou aqui, quietinha, sem fazer nada.”
Sobre a importância de um início multidisciplinar na Serra da Capivara:
“Não adiantava fazer só arqueologia numa região que ninguém conhecia. Não se sabia nada da região. Então, quando vim para cá, resolvi convidar outros pesquisadores de diferentes áreas para vir aqui, e daí deu tudo certo. A França criou a missão franco-brasileira, que sempre financiou tudo. Tinha antropólogos, biólogos, botânicos, paleontólogos… todo mundo trabalhando aqui, e muita coisa foi descoberta, né? Se eu tivesse ficado sozinha aqui, não teria descoberto tudo.”
Sobre a ligação com a comunidade local e sua importância:
“Nós começamos a envolver as pessoas aqui, e elas entenderam a importância de tudo isso, porque criou trabalho. Aqui era uma região muito pobre. As pessoas viviam do que conseguiam plantar e caçar. Como caçavam bastante, depois entenderam que isso gerava trabalho e possibilidades de vida.”
Sobre a criação das estradas internas do Parque Nacional Serra da Capivara:
“Começamos a fazer essas estradas para facilitar as pesquisas e escavações. Fizemos de uma forma que não perturbasse o meio ambiente, mas que permitisse que muitas pessoas pudessem trabalhar.”
Sobre a história das guariteiras (desde 1996, o parque só tem mulheres responsáveis pelas guaritas):
“Abrimos as guaritas e, como era longe e ficava a noite toda lá, coloquei homens. Mas o que percebi foi que, à noite, a guarita muitas vezes ficava vazia ou o funcionário ficava no bar, em vez de trabalhar. Tinha um outro que era casado e levava a amante dele para lá. Quando vi toda a bagunça que eles faziam, decidi colocar as mulheres para trabalhar lá também. E deu certo, né? Naquela época, o pessoal foi alfabetizando a gente, e todos nós aprendemos a ler e escrever. As mulheres também trabalhavam nesse período. Acho que foi a partir daí que as mulheres começaram a entrar na guarita e também a fazer manutenção das estradas, pelo que me lembro.”
Pelo Mulheres na Conservação deixamos o nosso respeito e admiração pelo legado e vida de Niede Guidon, que transformou definitivamente a forma como olhamos para a história do Brasil e das Américas. E com determinação e propósito, trabalhou incansavelmente pela conservação e distribuição de conhecimentos.