07 Junho 2025
"Vidas paralelas. O ensaio de Sabina Moser designa a sintonia/simpatia entre a escritora e o Santo: trata-se do total abandono em Deus, uma vez que todo o egoísmo e todas as posses foram deixados para trás para serem preenchidos pela infinita e eterna realidade divina".
O artigo é do cardeal italiano Gianfranco Ravasi, publicado por Il Sole 24 Ore, 01-06-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
Vidas paralelas. O ensaio de Sabina Moser designa a sintonia/simpatia entre a escritora e o Santo: trata-se do total abandono em Deus, uma vez que todo o egoísmo e todas as posses foram deixados para trás para serem preenchidos pela infinita e eterna realidade divina
“Em 1937, passei dois dias maravilhosos em Assis. Enquanto eu estava sozinha na pequena capela românica de Santa Maria dos Anjos, incomparável milagre de pureza, na qual Francisco orou com tanta frequência, algo mais forte do que eu me obrigou, pela primeira vez na minha vida, a ajoelhar-me”. Assim confessava Simone Weil, uma grande figura da cultura e da espiritualidade do século passado, que nasceu em uma família judia em Paris em 1909 e morreu em 1943, em uma carta ao seu interlocutor, o dominicano Joseph-Marie Perrin.
Não é a primeira vez que evocamos esse extraordinário testemunho marcado pela genialidade, pela interioridade e pela solidariedade humana. Já o fizemos há algum tempo, apresentando a reedição pela Adelphi de uma sua obra epistolar, Attesa di Dio, onde o termo “attesa” representa tanto a “atenção”, a “propensão” a uma epifania reveladora. Foram dois os registros de sua curta biografia: de um lado, a inteligência única com a busca da transcendência e, de outro, o compromisso social conduzido até a exaustão, no ensino de estudantes operários, na tutela sindical dos trabalhadores braçais, no trabalho físico lado a lado com os explorados, no cuidado com as vítimas durante o conflito bélico mundial.
Essa dualidade explica seu fascínio por duas figuras capitais do cristianismo: Jesus de Nazaré e Francisco de Assis. A traçar o vínculo com este último, que floresceu em Santa Maria dos Anjos, como atesta a carta acima mencionada, dedicou-se Sabina Moser, constante e refinada intérprete de Weil, inclusive por meio de uma sua pessoal qualificada capacidade filosófica e teológica. Afinal, o caminho franciscano levava a pensadora francesa de volta àquele Cristo de cuja mensagem o santo de Assis era a mais pura encarnação.
O ensaio de Moser designa uma trama densa e incessantemente documentada da sintonia/simpatia entre Simone e Francisco, a ponto de criar quase uma sobreposição dos dois rostos, apesar da distância das coordenadas históricas e sociais. Esse mapa tem uma série de nervuras ideais e evidentes, como a adesão radical à vontade de Deus, a beleza como fonte de alegria e de canto, a pobreza, o desapego, a liberdade interior, a paz e assim por diante. Nervuras lidas de modo original por Weil, que sempre consegue entrelaçar sua inteligência cortante e pura com um sopro místico, de modo que, à luz de sua interpretação, o modelo franciscano consegue revelar sua grandeza e genialidade, mas também sua poderosa santidade. Se quisermos continuar a usar a metáfora das nervuras temáticas, há uma bastante original, a da “decriação”. Deixemos a palavra a Simone em seus Quaderni: “A decriação é a realização transcendente da criação, anulação em Deus que dá à criatura anulada a plenitude do ser, da qual é privada enquanto existe”.
É aquele abandono total em Deus, esvaziando-se de todo egoísmo e posse para ser preenchidos pela infinita e eterna realidade divina. São Francisco é a representação viva dessa decriação: ele se despoja de suas posses, mas também de sua própria identidade, para se configurar a Cristo, cujos estigmas sangrentos de amor carrega. Para ele e para Simome, o modelo é o Christus patiens e certamente não o todo-poderoso Pantocrator; sua transcendência está em sua pobreza, espaço humano vazio é preenchido pela plenitude divina. Mais uma vez, as palavras de Weil são esclarecedoras: “Para me tornar algo divino, não preciso sair da minha miséria, devo apenas aderir a ela... É no fundo extremo da minha miséria que eu toco Deus”.
Muito mais desponta na sinopse entre Francisco e Simone elaborada por Sabina Moser. Além disso, como Marco Vannini escreve no prefácio, “a escolha de vida de ambos foi, antes de tudo, pessoal e, portanto, na relação íntima entre a alma e Deus, mas foi também a única capaz, por sua própria essência, de renovar positivamente a comunidade humana”, aliás, a própria Igreja. Simone Weil conquistou muitos leitores agnósticos ou, pelo menos, distantes do horizonte místico. É fácil repropor os versos que Elsa Morante escreveu ao contemplar o retrato fotográfico mais conhecido de Simone com um rosto tão limpo e até modesto: “Irmãzinha inviolada / última pomba dos dilúvios / truncada beleza do Cântico dos Cânticos / disfarçada com aqueles seus engraçados óculos de colegial míope”. Mas é a ela, a “santa genial” leiga, que confiamos a última palavra com uma espécie de aforismo final: “O mundo precisa de santos que tenham gênio tanto quanto uma cidade onde a peste grassa precisa de médicos”.
Livro "Una santità geniale. Simone Weil in dialogo con san Francesco", de Sabina Moser (Editora Le Lettere, 2024).
Sabina Moser, Una santità geniale, Le Lettere, p. 178.