21 Mai 2025
Tem raposa no galinheiro: enquanto maior parte do governo age para manter vetos a benefícios para combustíveis fósseis na lei das eólicas offshore, MME avalia benesses para carvão.
A reportagem é de Alexandre Gaspari, publicada por ClimaInfo, 20-05-2025.
A articulação política do governo federal corre contra o tempo para manter os vetos do presidente Lula na lei 15.097/2025, que regulamenta as eólicas offshore no Brasil. Lula vetou “jabutis” [matérias estranhas ao tema] incluídos no texto por deputados e senadores que beneficiam termelétricas a gás fóssil e a carvão. Além de “sujar” a geração elétrica brasileira, uma das mais renováveis do mundo, os “jabutis” vão aumentar as contas de luz até 2050, doendo bastante no bolso da população brasileira.
Mas o Ministério de Minas e Energia (MME) age para trocar “seis” por “meia dúzia” e salvar os poluidores. A pasta quer lançar uma medida para contratar a energia de usinas a carvão localizadas no Rio Grande do Sul e no Paraná, benefício dado pelo governo Bolsonaro a térmicas de Santa Catarina, como parte de um [pasmem] “Programa de Transição Energética Justa”. Ou seja, o MME “limparia” a lei das eólicas offshore, tirando o combustível fóssil de seu conteúdo, mas sujaria o ar ao estender outra vez o mecanismo para beneficiar essas térmicas.
Nos últimos anos, a geração a carvão vem respondendo por menos de 2% da produção elétrica brasileira. Pouco para um país que tem quase 90% de sua energia elétrica a partir de fontes renováveis – hidrelétricas e usinas eólicas e solares. Mas esse “pouco” beneficia [bem] poucos e causa estragos para todos. A eletricidade a carvão é a mais “suja” entre os combustíveis fósseis, com altos níveis de emissões de gases de efeito estufa, agravando as mudanças climáticas. Além de ser muito mais cara que a gerada por fontes renováveis.
Um estudo liderado pelo Global Energy Monitor (GEM) com informações para o Brasil do Instituto Arayara apontou que subsídios para a produção de energia a partir do carvão custaram, entre 2020 e 2024,, em média, R$ 1,07 bilhão por ano. Algo absurdo num país com sol e vento à vontade para ampliar a oferta de eletricidade renovável.
Quanto aos prejuízos ao clima, o 4º Inventário de emissões atmosféricas em termelétricas, do Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA), mostra que o parque termelétrico que injeta eletricidade no Sistema Interligado Nacional emitiu 4,8% a mais por gigawatt-hora (GWh) gerado em 2023 em comparação a 2022. As 67 plantas analisadas jogaram 18 milhões de toneladas de dióxido de carbono equivalente na atmosfera. E as três usinas líderes do ranking das emissões são todas a carvão, e todas instaladas no Rio Grande do Sul: Candiota III, com 13% de participação; Jorge Lacerda IV, 12%; e Pampa Sul, com 10%.
Ou seja, apenas três usinas a carvão responderam por 35% da emissões de GEE entre 67 termelétricas analisadas. No entanto, quando se verifica a geração elétrica dessas plantas, apenas duas delas estão no “top 5” da quantidade de energia produzida: Jorge Lacerda IV, com 9% da participação total, na 3ª posição; e Candiota III, com 7%, na 5ª colocação.
Apesar do prejuízo financeiro e climático, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, tenta “salvar” as caras e sujas térmicas a carvão do Sul. Afeito aos combustíveis fósseis, o ministro também integra a “tropa de choque” que quer a qualquer custo explorar petróleo no país “até a última gota”, nem que seja numa região de altíssima sensibilidade ambiental como a da foz do Amazonas.
Enquanto isso, Silveira se cala diante do urgente Plano de Transição Energética (Plante) do país. Definir o que estará neste plano, como se dará a implantação das ações e um cronograma para que isso aconteça é tarefa do MME. Mas é quase certo que chegaremos à COP30 sem nada nas mãos para apresentar. Nem mesmo no papel.
Em entrevista a André Trigueiro no “Cidades e Soluções”, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, reforçou que o mundo precisa abandonar o petróleo o quanto antes, o que vale também para o carvão. Embora defenda estudos para saber se há mesmo petróleo e gás fóssil na chamada “Margem Equatorial”, que inclui a foz do Amazonas, Haddad frisa que essa pesquisa não pode atrasar a transição energética brasileira. E nem significar que o Brasil produzirá os combustíveis fósseis da margem, se de fato existirem.
Falta, portanto, a Alexandre Silveira, seu colega de Esplanada dos Ministérios, entender isso, e não somente para o petróleo mas também para o carvão. Porque nem mesmo o ministro da Fazenda, que é quem tem que encontrar recursos e “pagar as contas” do governo, inclusive das catástrofes climáticas como a que atingiu o Rio Grande do Sul em maio do ano passado e custou R$ 100 bilhões aos cofres federais, diz que é preciso produzir mais combustíveis fósseis para bancar a transição energética brasileira.
Insistir nessa falácia – menos de 0,2% da renda do petróleo é destinada ao clima no Brasil, como mostrou o Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) – é querer usar carvão e petróleo para apagar o incêndio climático que eles próprios produzem. E deixando de lado o imenso potencial de fontes renováveis do Brasil.
Em tempo: É inegável que uma transição energética justa precisa considerar o presente e o futuro dos trabalhadores da indústria dos combustíveis fósseis, bem como das populações de cidades cuja economia gira em torno da atividade. Luisa Cruz, técnica pesquisadora do DIEESE, e Renata Padilha, fundadora do movimento Eco Pelo Clima, destacam, em artigo no Sul21, que a centralidade do carvão na cidade de Candiota (RS), historicamente vinculada à mineração e à geração de energia a carvão, não é apenas econômica, mas também simbólica, cultural e familiar. O que não significa que para resolver esse impasse é preciso estender subsídios e benefícios para essa indústria, mas sim escutar essas pessoas e incluí-las na busca de soluções, capacitando-as para outras atividades econômicas. Assim como substituir esse simbolismo do século passado por outros, associados a bem-estar, saúde, preservação ambiental e liderança no combate à crise climática.