15 Mai 2025
Se você perguntar às pessoas sobre Mari Luz Canaquiri, elas vão contar como ela deu à luz sua filha mais nova em uma canoa no rio Marañón, com o bebê chegando antes que ela e o marido pudessem alcançar o centro de saúde mais próximo.
A reportagem é de Barbara Fraser, publicada por National Catholic Reporter, 13-05-2025.
A história revela muito sobre ela, especialmente sua força de vontade, formada por viver em um lugar onde as pessoas carecem de serviços básicos como água potável segura e atendimento médico decente, e onde o assentamento foi reconstruído repetidas vezes à medida que o rio erodiu a margem onde as casas estavam localizadas. Também mostra o quanto sua vida está intimamente ligada ao rio.
As pessoas que conheceram Canaquiri quando ela era jovem, na aldeia indígena Kukama de Shapajilla, na Amazônia peruana, comemoraram quando ela ganhou o prestigioso Prêmio Ambiental Goldman neste ano, como presidente da Huaynakana Kamatahuara Kana, uma organização de mulheres Kukama cujo nome significa "mulheres que trabalham." No ano passado, a organização obteve uma vitória histórica em um processo judicial que reconheceu o rio Marañón e seus afluentes como detentores de direitos.
Na cerimônia de entrega do Prêmio Goldman em San Francisco, no dia 21 de abril, Canaquiri disse ao público que ela e as outras mulheres da organização têm "defendido nosso rio e território pelo direito à água, pelo direito à vida."
Ela acrescentou: "Quero enviar uma mensagem para o mundo inteiro para proteger a Mãe Terra, a natureza, os rios, o território que dá vida a todos. Para o povo Kukama, os rios são muito sagrados, fundamentais para a vida, para o meu país e para o mundo."
O que não ficou visível naquela cerimônia, entretanto, foi a jornada que levou Canaquiri e outras integrantes da organização de mulheres a lutarem pelo rio Marañón no primeiro caso de direitos da natureza levado à justiça no Peru. Essa jornada tem suas raízes na paróquia de Santa Rita de Castilla, uma pequena cidade na margem do Marañón, na região nordeste de Loreto, no Peru.
Canaquiri e as outras mulheres da organização vêm de pequenas aldeias ao longo do rio, onde as casas de madeira têm telhados de palha de palmeira e são construídas sobre palafitas para manter a área de moradia acima das águas anuais de inundação. As aldeias não têm eletricidade, água potável segura nem sistemas de saneamento, e os sistemas de educação e saúde da região estão entre os piores do país.
“Deus me inspirou, dando-me força, vida e coragem para liderar outras mulheres neste belo trabalho”, disse Canaquiri pouco antes da cerimônia do prêmio Goldman. “Esta é realmente uma luta coletiva, que vai ajudar todos nós que vivemos em nosso território, assim como a região, o país e o mundo inteiro. Porque se trata de direitos fundamentais para a vida — a proteção dos nossos rios, a proteção do nosso território, que é a natureza.”
Para Canaquiri e outras integrantes da Huaynakana, essa compreensão da importância do rio — além de ser o lugar onde se banhavam, lavavam roupas e panelas, e retiravam água para cozinhar e beber — foi aperfeiçoada na Paróquia de Santa Rita. Lá, padres e missionárias acompanharam a transformação delas de jovens tímidas em líderes confiantes de suas comunidades.
Canaquiri marca o início de sua própria jornada na data de 18 de setembro de 1991, quando ela e outras mulheres participaram de um programa organizado pela paróquia e pelo UNICEF para tentar reduzir a alta taxa de mortalidade materna e infantil nas aldeias ao longo do Marañón. O programa treinava agentes comunitários de saúde, incluindo mulheres conhecidas como “mobilizadoras”, cuja função era ensinar outras mulheres as habilidades aprendidas nos workshops.
Com as habilidades e a confiança que desenvolveu, Canaquiri assumiu um papel de liderança em Shapajilla, sua comunidade de origem, atuando como presidente do Clube das Mães e de um programa de nutrição infantil chamado Copo de Leite. Outras mulheres também gradualmente se tornaram líderes em suas comunidades. E, com o trabalho delas e dos promotores de saúde e parteiras treinados na paróquia, as taxas de mortalidade materna e infantil diminuíram.
O treinamento abrangia não apenas saúde, mas uma ampla variedade de temas que ajudaram as mulheres a enxergar além dos limites de suas comunidades. Canaquiri lembra que foi o atual bispo de Iquitos, o missionário agostiniano espanhol Miguel Ángel Cadenas, e seu colega agostiniano, o Padre Manolo Berjón, que na época eram os párocos em Santa Rita, quem a apresentou à Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, um documento fundamental sobre os direitos dos povos indígenas.
Nos anos 2000, uma série de vazamentos de óleo trouxe as questões ambientais para o centro das atenções e levou a conversas sobre como as mulheres viam o Marañón, um mundo complexo que deu origem à primeira pessoa Kukama, descendente de uma jiboia, e onde espíritos do rio e membros da família que sofreram acidentes e desapareceram nas águas turvas vivem em cidades subaquáticas. O testemunho das mulheres sobre o significado cultural do rio foi fundamental no processo judicial que levou ao reconhecimento do Marañón e de seus afluentes como detentores de direitos.
Em uma visão de mundo em que animais e plantas são considerados gente, a palavra espanhola para pessoas, “o rio para nós é uma pessoa”, disse Canaquiri enquanto o processo judicial estava em andamento. “Se uma corporação tem direitos, por que o rio, que é uma pessoa, não pode ter direitos também?”
A variedade de temas abordados nos cursos da paróquia abriu os olhos das mulheres “não apenas para suas próprias comunidades, mas para a situação ao redor delas”, disse a espanhola irmã Araceli Guimera, da Sociedade Missionária do Sagrado Coração de Jesus, que trabalhou por anos em Santa Rita. “E, pouco a pouco, elas se organizaram.”
Esse novo papel trouxe seus próprios problemas.
“Os homens da região não queriam que as mulheres recebessem treinamento, porque isso significava que elas ficariam fora de casa, e também porque isso significava que elas poderiam debater em pé de igualdade com os homens em situações públicas”, lembrou Cadenas. “Como resultado, algumas mulheres sofreram abusos [violentos] por parte dos maridos. No entanto, elas perseveraram e tiveram uma voz cada vez mais importante, a ponto de alcançar esse reconhecimento” com o Prêmio Goldman.
Nos cursos, a equipe da paróquia “sempre me dava tempo para falar [para o grupo] sobre questões que eu achava importantes”, diz Canaquiri, que evoluiu de uma jovem tímida que quase nunca falava em público para a líder autoconfiante que, na cerimônia do Prêmio Goldman, chamou a atenção do presidente do país.
“Temos um líder autoritário que se opõe aos povos indígenas e àqueles que defendem a natureza”, ela disse ao público. “Há políticas contra a natureza, leis que a ameaçam. Na Amazônia, há produção de petróleo, mineração ilegal, desmatamento, poluição do nosso rio Marañón.”
Pessoas que defendem os direitos territoriais são processadas e, às vezes, assassinadas, afirmou.
Segundo líderes indígenas nacionais e grupos internacionais de vigilância, mais de 30 pessoas foram mortas no Peru na última década por defenderem seu território contra grileiros, traficantes de drogas e garimpeiros ilegais.
“E isso é injusto”, disse Canaquiri.
A sentença sobre os direitos da natureza que as mulheres conquistaram, que também designa as comunidades indígenas como guardiãs do rio, pode abrir maiores possibilidades para proteger a bacia hidrográfica do Marañón, e o prêmio Goldman deu maior visibilidade à questão. As mulheres também estão se manifestando em outros espaços.
Canaquiri é a protagonista do premiado documentário “Karuara, Povo do Rio”, da cineasta canadense Stephanie Boyd. Canaquiri e outras integrantes do grupo já contaram sua história para públicos internacionais na Europa, Inglaterra, Canadá e outros países da América Latina.
Mas proteger o rio da poluição industrial e urbana adicional e dos impactos de grandes projetos de infraestrutura ainda será uma luta difícil.
“A sentença é um marco importante, porque oferece aos povos indígenas um meio legal que lhes permite, não apagar as assimetrias, mas reduzi-las, para que possam negociar com o governo e com as empresas em condições melhores,” disse Cadenas.
Questionada sobre seus sonhos para o futuro da bacia hidrográfica, Guimera respondeu: “Posso sonhar, mas a realidade não é fácil. No entanto, se tivermos pessoas que sabem como lutar e como defender, podemos conquistar coisas que até agora não foram alcançadas. Mas isso tem que ser feito coletivamente. Na união há força.”
Berjón, que também fez parte da equipe da paróquia durante os anos formativos das mulheres, diz que o que aprendeu com elas é também o conselho que daria: “Continuem. Vocês têm que continuar.”
E em suas palavras na cerimônia do prêmio Goldman, Canaquiri resumiu a importância do trabalho de seu grupo para toda a bacia amazônica, assim como o compromisso das mulheres de continuar essa luta.
“Nós, mulheres Kukama, existimos e resistimos em defesa da natureza, dos rios, do nosso território,” disse ela. “Sem o rio, não haveria floresta.”