15 Mai 2025
A decisão do Supremo Tribunal de Justiça, em contraste com a tendência norte-americana.
A reportagem é de Bernardo Tombari, publicada por La Repubblica, 14-05-2025.
Uma decisão histórica que abre um precedente para todas as pessoas não binárias no Brasil. Uma pessoa que não se identifica como homem ou mulher solicitou que seu nome conste em seus documentos como gênero neutro, e seu pedido foi acatado pelo Superior Tribunal de Justiça de Brasília. Inicialmente, ela passou por terapia hormonal para fazer a transição de gênero e pediu para ser legalmente identificada como homem, mas depois se arrependeu, entrando com uma petição na justiça e solicitando documentos neutros em termos de gênero. O recurso foi aceito por unanimidade por todos os juízes do painel. Uma delas, Nancy Andrighi, descreveu a situação em tom dramático: “Esse ser humano deve estar sofrendo muito. Ele passou por uma cirurgia, tomou hormônios, se tornou o que ele achava que seria bom para ele e então percebeu que não era bem assim.”
A decisão representa uma esperança para todos aqueles no país sul-americano que rejeitam a classificação binária de gênero e vai contra uma tendência cada vez mais disseminada em outros lugares: nos Estados Unidos, Donald Trump revogou a possibilidade de mudança legal de gênero em documentos em uma diretiva em janeiro passado que, no entanto, foi bloqueada pela juíza distrital dos EUA, Julia Kobick. Em vez disso, a Suprema Corte manteve a proibição de pessoas transgênero nas forças armadas, que o presidente dos EUA já havia imposto durante seu primeiro mandato e foi então removida durante o governo Biden.
Na Escócia, há um mês, a Suprema Corte Britânica negou o status legal de mulher àquelas que não nasceram biologicamente mulheres. Mulheres transgênero MTF (de homem para mulher) também foram excluídas das leis de proteção às mulheres e antidiscriminação. Uma decisão que foi recebida com júbilo por J.K. Rowling, autora da saga Harry Potter, acusada de excluir os direitos das pessoas transgênero das batalhas feministas.
No Brasil, a história das identidades não binárias é, na verdade, muito antiga: em 1587, o explorador português Gabriel Soares de Sousa falou de cudinas, nativas brasileiras transgênero que viviam como mulheres, eram tratadas como tal e até tinham maridos. Prática posteriormente punida pela Inquisição portuguesa, mas que permaneceu no substrato cultural e ressurgiu na figura da travesti (termo pejorativo, mas reivindicado por ativistas, como aconteceu com a palavra queer), que assume identidades e papéis de gênero femininos ou não binários. Apesar da ditadura militar, ativa entre 1964 e 1985, que tornou o travestismo ilegal, o Brasil teve um dos maiores movimentos pelos direitos LGBT e foi um dos primeiros países a disseminar a terapia hormonal e a cirurgia de afirmação de gênero, que também são cobertas pela saúde pública desde 2008.