09 Mai 2025
Testemunhas da Faixa de Gaza relatam dois meses sem ajudas humanitárias
A informação é de Francesca Ghirardelli, publicada por Avvenire de 08-05-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
“Tenho medo de me acostumar com a fome, de me contentar com uma crosta de pão e uma pitada de sal sentada à beira da mesa, e de que o vazio se torne meu amigo”, escreve on-line com sua trágica caneta a poeta Fedaa Zeyad de Gaza. Enquanto a Faixa afunda no risco de carestia, ela conta ao Avvenire como é insuportável “a ideia de que crianças criadas na guerra se acostumem a refeições pobres em proteínas. Aquelas que nasceram em 2022 e que agora têm três anos acham que as lentilhas são o alimento mais importante. Elas não conhecem o conceito de frango. Israel nos castiga com o cerco mortal a todos os nossos sentidos”. Há nove semanas, as autoridades israelenses impediram a entrada de suprimentos e ajudas. “Sinto-me como se tivesse 70 anos, mas tenho 26”, confessa Reem Hamad, uma professora de inglês deslocada na Faixa ocidental.
“Minha mãe perdeu 20 quilos e meu irmão Rami, mais de 10. Não há farinha e, quando a encontramos, tem um preço exorbitante e está estragada. Mas não temos escolha e acabamos comprando, apenas para descobrir que está misturada com areia”. Para fazer compras, se paga em dinheiro, mas os custos para sacar dinheiro dos bancos ou receber transferências do exterior são muito altos. “As comissões são acima de 30%, 100 dólares valem menos de 70”, continua. “Há pessoas desesperadas que andam em grupos em busca de comida e, para obtê-la, cometem crimes e até matam. Ninguém se sente seguro. Nem mesmo nas áreas distantes dos bombardeios, que se tornaram extremamente intensos”.
“A palavra ‘segurança’ perdeu seu significado há muito tempo”, comenta um professor universitário do bairro de Sheikh Radwan, na Cidade de Gaza, que prefere não ser identificado. “Vivemos de sobras, de latas. Alguns preços são absurdos: um saco de 25 quilos de farinha custa 1.500 shekels” (quase 370 euros, 15 euros por quilo, enquanto na Itália custa um euro e meio). A essas condições já extremas, se somam as notícias sobre os planos israelenses de deportar os habitantes de Gaza. “Quando os ouve, a população fica frustrada, aterrorizada e com raiva”, acrescenta o professor.
O Dr. Mohamed Abu Shawish, do Al Aqsa Martyrs Hospital, chama a situação alimentar de “catastrófica”. A maioria das pessoas “come apenas meia refeição, algumas não comem nada”, acrescenta. Pedimos para nos traduzir do árabe um de seus posts mais recentes na mídia social: “Em meio aos discursos sobre a extensão da operação militar (israelense) e o deslocamento forçado para Rafah, a fome e a morte se tornaram companheiras em cada casa de Gaza. A fome está devastando nossos filhos. Escrevo para convidar aqueles que ocupam posições de responsabilidade para sentir a dor das pessoas, para tocar com a mão o local, em vez de teorizar do alto. De que resistência falam quando os corpos de nossos filhos se decompõem diante de nossos olhos? Não estou escrevendo para lamentar, mas para despertar aqueles cuja consciência está adormecida”.
Ikhlas Abu Riash, mãe de uma criança de dois anos, ficou sozinha porque seu marido foi preso durante um deslocamento. “Vivo em minha casa destruída e queimada. Toda noite, enquanto dormimos, pedras caem sobre a gente e aparecem insetos e ratos”, nos escreve on-line. Uma mensagem após a outra, se torna um desabafo: “Eu digo basta a essa guerra, abaixo o Hamas e seus líderes. Toda vez que os combates estão prestes a terminar, o Hamas recusa as propostas de trégua. Estamos com a resistência, mas somos contra os governantes do Hamas porque eles destruíram Gaza. Escrevam isso, não tenho medo de ninguém. Uma criança de dois anos perde o pai e sofre de desnutrição, mas que culpa cometeu para viver uma infância assim?”.