07 Mai 2025
"Ao citar Idea de Europa, Francisco revela sua convicção, que era a de Przywara, precisamente: estamos no fim da época constantiniana e do experimento de Carlos Magno."
O artigo é de Antonio Spadaro, diretor da revista La Civiltà Catollica, publicado por Avvenire, 06-05-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
É como um filme, ou pelo menos vamos vê-lo assim, editando algumas sequências. Quatro.
- 13 de março de 2013: na loggia da bênção de São Pedro, aparece um papa vestido de branco e somente de branco, sem a mozeta vermelha, que é o símbolo da herança imperial sobre o papado.
- 2 de maio de 2025: no Instagram aparece o imperador Donald vestido com as vestes brancas da autoridade papal.
- 11 de abril de 2019: o papa se ajoelha inesperadamente diante dos líderes do Sudão do Sul que vieram ao Vaticano em busca de paz e beija seus sapatos, enquanto lhes diz “permita-me...”.
- 20 de abril de 2025: o papa cumprimenta o vice-imperador, e se despede dele segurando três ovinhos Kinder para seus filhos.
Essas são as sequências de um filme absurdo que talvez alguém venha a filmar mais cedo ou mais tarde, mas agora as imagens dançam em nossa memória e se fundem com as sequências lentas filmadas em 6 de maio de 2016 no Vaticano.
Naquele dia, todos os líderes europeus foram ao trono de Pedro para entregar a Francisco o Karlpreis, ou seja, o Prêmio Internacional Carlos Magno, um reconhecimento conferido anualmente pela cidade alemã de Aachen no Dia da Ascensão. A sala do Vaticano escolhida foi a “Régia”, construída segundo um projeto de Antonio da Sangallo, o Jovem, destinada a receber os soberanos em visitas oficiais e, portanto, com um valor político preciso. Posso testemunhar a eletricidade na sala naquele dia.
Em seu discurso, Francisco citou Idea de Europa, uma obra do jesuíta Erich Przywara (1889-1972). Poucos sabem que esse pensador de nome impronunciável foi um dos pilares do pensamento político de Bergoglio. Devemos acolher o desafio de “pensar a cidade como lugar de convivência entre várias instâncias e níveis”, evitando “aquela tendência reducionista que habita toda tentativa de pensar e sonhar o tecido social”, disse Bergoglio citando o autor. Essas são palavras que deveriam ser gravadas em pedra.
Ao citar Idea de Europa, Francisco revela sua convicção, que era a de Przywara, precisamente: estamos no fim da época constantiniana e do experimento de Carlos Magno. A “cristandade”, ou seja, o processo iniciado com Constantino, no qual se implementa um vínculo orgânico entre cultura, política, instituições e Igreja, está se concluindo. A Europa nasceu e cresceu em relação e em oposição ao Sacrum imperium, que tem suas raízes na tentativa de Carlos Magno de organizar o Ocidente como um estado totalitário.
Para Francisco, esse processo é a possibilidade de a Igreja retomar os caminhos evangélicos iniciados por Francisco de Assis, Inácio de Loyola e Teresa de Lisieux, rompendo a barreira que a separava dos pobres, para os quais o cristianismo sempre pareceu como a ideologia e a garantia política das classes dominantes. O fim do regime de “cristandade” não significa, de forma alguma, o crepúsculo do Ocidente, mas traz consigo um recurso teológico decisivo, precisamente porque a missão de Carlos Magno está chegando ao fim. Cai o muro que quase até hoje impediu o Evangelho de alcançar as camadas mais profundas da consciência, de penetrar no âmago da alma. Essa também era a convicção de Friedrich Heer, o grande historiador e estudioso austríaco do Sacro Império Romano.
Francisco, portanto, rejeita tão radicalmente a ideia da implementação do reino de Deus na terra, que havia sido a própria base do Sacro Império Romano e de todas as formas políticas e institucionais semelhantes, até a dimensão atual do “partido”. Se entendido dessa forma, de fato, o “povo escolhido” entraria em um emaranhado de dimensões religiosas, institucionais e políticas que o fariam perder a consciência de seu serviço universal e o contraporiam àqueles que são distantes, aqueles que não lhe pertencem, ou seja, o “inimigo”. A Igreja rejeita, portanto, qualquer “imperador” que se arvore a defensor da fé: “Não deixemos que o sagrado seja instrumentalizado pelo que é profano. O sagrado não deve ser sustentação do poder, e o poder não deve se sustentar na sacralidade”, Francisco havia trovejado no Cazaquistão (ou seja, a poucos passos da fronteira com a Rússia).
Francisco confirmou lucidamente esse ponto de vista citando o próprio Przywara alguns dias depois de receber o prêmio, em 9 de maio, em uma entrevista ao jornal francês La Croix. Quando lhe perguntaram por que ele fala de “identidade europeia” e nunca usa a expressão “raízes cristãs da Europa”, o Pontífice respondeu: “Precisamos falar de raízes no plural, porque são muitas. Nesse sentido, quando ouço falar das raízes cristãs da Europa, às vezes temo o tom, que pode ser triunfalista ou vingativo. Então, isso se torna colonialismo. João Paulo II falava sobre isso em um tom tranquilo. A Europa, sim, tem raízes cristãs. O cristianismo tem o dever de regá-las, mas em um espírito de serviço como o lava-pés. O dever do cristianismo para com a Europa é o serviço. Erich Przywara, o grande professor de Romano Guardini e de Hans Urs von Balthasar, nos ensina: o aporte do cristianismo para uma cultura é a de Cristo com o lava-pés, ou seja, o serviço e o dom da vida. Não deve ser um aporte colonialista”.
Sabemos que Trump é um “producer-in-chief” - definição de Susan B. Glasser no The New Yorker - e adora o show. Mas sua operação de imagem - de refinada inteligência artificial – tão refinada que chega a parecer brega - tinha a intenção de ser uma bomba atômica sobre o significado do cristianismo no contexto político.
Com Przywara, Bergoglio reconhecia - exatamente como está escrito na Carta aos Hebreus (13,13) - que os cristãos devem “sair fora do acampamento, suportando a desonra que ele suportou”. É por isso que a Igreja deve ser em saída e nunca ser uma entidade fechada e excludente. Não, esse não era um slogan para ser repetido como papagaios em todas as sessões eclesiais, mas uma visão muito precisa da relação entre a igreja e o mundo. Trata-se de seguir Cristo fora dos muros da cidade santa, onde ele morre como um maldito para poder reunir a humanidade toda, mesmo aquela que se considera amaldiçoada e abandonada por Deus (cf. Gl 3,13).
É justamente aqui que nasce a ideia da Igreja como “hospital de campanha”, que, na entrega do Karlpreis, também foi evocada pelo discurso do então presidente do Conselho Europeu, Tusk. E, de fato, Francisco continuou em seu discurso afirmando que “para o renascimento de uma Europa cansada, mas ainda rica em energia e potencialidades, a Igreja pode e deve contribuir”. Como? Anunciando o Evangelho, que “se traduz, acima de tudo, ao ir ao encontro das feridas do homem, levando a presença forte e simples de Jesus, sua misericórdia consoladora e encorajadora”.
Sua opção foi essencialmente não aquela de levar as pessoas à Igreja, mas levar a Igreja e seu Evangelho às pessoas, a todos, todos, todos. Uma opção apostólica, paulina, não exclusivamente pastoral, muito menos orientada para “devolver a Igreja aos católicos”, em suma.
Aqui está o significado da imagem chocante e despudorada do solene beijo nos sapatos dos líderes do Sudão do Sul, responsáveis por uma guerra fratricida, que acabavam de assinar um acordo de paz.
E aqui também está o significado pop dos ovinhos Kinder para o vice do imperador. Essas talvez sejam as imagens que os cardeais fechados no Conclave poderiam ter em seus sonhos ou pesadelos. Mas, na realidade, já existe um verdadeiro filme para ser visto, justamente com uma esclarecedora cena do Conclave: aquele com Anthony Quinn e Vittorio De Sica, dirigido por Michael Anderson e baseado no romance As sandálias do pescador de Morris West, um romance que o professor Bergoglio, aos 28 anos, fazia com que todos os seus alunos lessem no Colégio Jesuíta de Santa Fé.