21 Março 2025
No último final de semana, 24 alunos de faculdade privada expuseram faixa em apologia ao estupro
Mais uma vez o país acompanha um caso de estudantes de medicina fazendo apologia ao estupro. Foi o que aconteceu no último final de semana, quando alunos da Faculdade Santa Marcelina, de São Paulo (SP), expuseram uma faixa com uma frase de violência contra mulheres.
“Violência de cunho misógino inaceitável, de cunho sexual inaceitável”, define o pesquisador Daniel Cara, professor de educação na Universidade de São Paulo (USP), em entrevista ao Conversa Bem Viver desta quinta-feira (20).
Para o especialista, o caso, além de não ser isolado, descreve muito de como está concebida a educação brasileira.
“Isso é um reflexo de uma educação que tem se pautado muito no currículo, pouco em valores, e tem formado gerações que são completamente descontextualizadas e até mesmo irresponsáveis em relação a valores éticos que são mínimos.”
“Se trata da minoria dos estudantes, a ínfima minoria dos estudantes de medicina que têm esse comportamento. É importante ressaltar isso, não é a maioria dos estudantes.”
O professor cobra que sejam tomadas medidas dentro da faculdade, como a expulsão dos estudantes, e também na área civil e criminal.
A Polícia Civil de São Paulo anunciou a instauração de um inquérito para apurar o caso. A Secretaria da Segurança Pública informou que a 8ª Delegacia de Defesa da Mulher está à disposição para ouvir as denúncias.
A entrevista é de Lucas Salum, publicada por Brasil de Fato, 20-03-2025.
Este caso dos alunos de medicina pode ser entendido como um reflexo da educação brasileira?
Infelizmente, é possível dizer que é um reflexo, sim, da educação brasileira, no seguinte sentido: a educação brasileira tem sido muito pautada pelas avaliações de larga escala e a referência de qualidade do ensino médio, se os estudantes passam nos vestibulares.
Independentemente de ser estabelecimento público ou privado, o curso de medicina é extremamente concorrido.
Mas essa obsessão que o Brasil tem tido de discutir e ensinar currículo, sem ensinar valores, sem ensinar o básico do básico do respeito ao outro, acaba gerando esse tipo de comportamento.
É assustador observar que entra ano, sai ano, os cursos de medicina reproduzem esse tipo de preconceito, reproduzem a discriminação.
E no caso da Santa Marcelina, uma violência de cunho misógino inaceitável, de cunho sexual inaceitável. Então, na prática, isso é um reflexo de uma educação que tem se pautado muito no currículo, pouco em valores, e tem formado gerações que são completamente descontextualizadas e até mesmo irresponsáveis em relação a valores éticos que são mínimos.
Agora isso tem que ser corrigido na universidade, não tem jeito. A universidade também tem o papel, como diz o artigo 205 da Constituição Federal, de preparar plenamente a pessoa, preparar para o exercício da cidadania e da qualificação para o trabalho.
Isso significa que, tanto em relação à preparação plena da pessoa e para a cidadania, e até mesmo para o trabalho, é preciso deixar claro que é inaceitável esse tipo de comportamento.
Os estudantes devem agora passar por um processo administrativo que envolve advertência, espero que não seja só uma advertência, [mas] suspensão e expulsão.
Pela importância da Santa Marcelina eu considero importante que, de fato, eles avaliem a possibilidade de expulsão porque é preciso dar um recado claro.
E, nesse caso, para além da questão da expulsão, é preciso também avaliar questões mais profundas e que são imprescindíveis de serem avaliadas, de, inclusive, responsabilização civil e penal.
Os estudantes têm que entender que são adultos e, sendo adultos, não é qualquer frase que é aceita e que pode ser proferida num ambiente qualquer que seja, ainda mais um ambiente educacional.
Como o senhor comentou, é recorrente casos do tipo dentro de cursos de medicina. Podemos fazer uma relação, por exemplo, com a concorrência que existe para ingressar nas faculdades e o prestígio que esses alunos têm?
Se trata da minoria dos estudantes, a ínfima minoria dos estudantes de medicina, que têm esse comportamento. É importante ressaltar isso, não é a maioria dos estudantes.
Então isso é necessário para ser justo com quem é estudante de medicina e acaba levando um rótulo de comportamento discriminatório por conta dessa minoria que age de forma irresponsável.
Agora existe um outro fator que é inegável que é uma coincidência reiterada, ano após ano, de casos envolvendo estudantes de medicina, casos desse tipo de ação discriminatória e violenta.
Então, é preciso que as faculdades de medicina pensem sobre isso. Os estudantes de medicina entram na universidade com muito prestígio. As universidades privadas são caríssimas, eles têm hábitos de consumo que são divulgados nas redes sociais, inclusive.
Existe uma aura no estudante de medicina que é uma aura que precisa ser combatida é uma aura negativa, nesse sentido de achar que pode tudo e não pode tudo. Tem que respeitar as pessoas, é o básico do básico, inclusive para o exercício da medicina.
Mas quero reiterar, é a minoria, só que é uma minoria que, ano após ano, tem cometido esse tipo de absurdo, que a gente viu na Santa Marcelina.
O estudante de medicina é respeitado porque ele vai ser médico. É uma profissão belíssima e que exige um juramento, um juramento que, na prática, está pautado na defesa irrestrita da vida e no exercício profissional de defender a vida.
E quando você tem uma atitude discriminatória, você está indo contra a própria integralidade do ser humano.
Esses casos costumam envolver as atléticas. De fato, há alguma relação a ser feita?
As atléticas são fundamentais numa experiência universitária, eu sou um defensor das atléticas como exercício associativo, conjunto de estudantes que se associam para realizar atividades na educação superior.
Isso é fundamental, ela é saudável, é salutar e deve ser estimulada.
Agora, o que ocorre? As atléticas têm sido dominadas, muitas vezes, por uma experiência de masculinidade, uma experiência de elitismo, especialmente atléticas de cursos muito concorridos e que acabam sendo elitizados.