21 Março 2025
Richard Sennett é um homem afável com um tom de voz calmo. Aos 82 anos, com uma trajetória que o levou a ser reconhecido como um dos grandes pensadores da segunda metade do século XX, ele continuou a travar uma guerra até o século XXI, seja falando de arquitetura, economia, arte ou sociologia, campo que sempre foi considerado seu domínio de atuação e de onde partem muitas de suas obras, que estudaram profundamente a relação das pessoas com as cidades que habitam e as conexões dessas mesmas cidades com as pessoas que nelas vivem.
A entrevista é de Toni García Ramón, publicada por El Diario, 20-03-2025.
Um espelho, muitas vezes desconfortável, sempre afiado, às vezes enganoso, sobre a maneira como nos misturamos com nossos vizinhos, como nos movemos pelos lugares sem ter consciência de sua natureza e como vivemos em um caos do qual é muito difícil escapar, mas contra o qual devemos lutar: uma batalha contra essa praga chamada "planejamento urbano", que devasta o tecido social e cria exércitos de estranhos e em cujas raízes está a primeira pedra da desumanização que agora assola todos os cantos do planeta.
O natural de Chicago recebe o elDiario.es na sede da Anagrama (sua editora na Espanha), localizada no coração da capital catalã, para falar sobre sua mais recente obra, O Intérprete (Anagrama e Arcàdia, em catalão). Ele acabou de pedir um café e, assim que esta entrevista terminar, ele estará indo para casa depois de uma conversa na noite anterior, na qual destacou sua legião de referências e sua capacidade de tecer fios entre disciplinas aparentemente não relacionadas, uma habilidade evidente em seu último trabalho, tremendamente profético e profundamente belo.
Embora o livro tenha sido publicado originalmente em abril de 2024, o leitor ficará surpreso ao saber que, logo nas primeiras linhas, o autor menciona Trump, um desses personagens que os anglo-saxões chamam de "maior que a vida", que acaba de vencer as eleições em seu país e que se encaixa perfeitamente no(s) tema(s) deste ensaio, em que arte, política e vida se misturam repetidamente em uma espécie de pequenos quebra-cabeças que o leitor deve resolver na hora.
Esta entrevista acontece nos primeiros dias do segundo mandato presidencial de Donald J. Trump, e Sennett pigarreia e expressa seu descontentamento com os caprichos do acaso que transformam O Intérprete em um livro que pode ser lido de capa a capa, espiando pelo canto do olho tudo o que está acontecendo em um mundo que parece ter sido tomado por uma névoa espessa na qual ninguém consegue enxergar além dos próprios pés: "Infelizmente, não tenho orgulho disso", enfatiza o sociólogo ao lembrar da relevância de seu trabalho em tempos sombrios.
"O que está acontecendo é que Trump, como Putin, usa todas essas técnicas teatrais e faz o que quer e vai aonde quer ir. Hoje ele fala sobre uma coisa e amanhã ele fala sobre outra. E hoje ele fala sobre os Estados Unidos e amanhã ele fala sobre Gaza, que ele provavelmente nem sabe onde fica, mas que ele quer transformar em um parque temático".
Em O Intérprete, Sennett defende não responder com boas maneiras ou correção fria àqueles que usam a linguagem como arma e apelam a instintos básicos, como o palhaço malvado que lhe bate no rosto com uma torta ou o vilão de James Bond. "A arte deve encontrar uma maneira de se revelar por meio de métodos que sejam igualmente convincentes, porque esse é o seu papel", diz ele.
Assim, sua obra mais recente percorre o caminho dos filósofos renascentistas até os bares de Greenwich, em Nova York, com uma agilidade que o coloca — com toda a certeza — no Olimpo dos grandes ensaístas modernos, ao lado de Eliot Weinberger e Gore Vidal, homens que, na mesma página, poderiam, como ele, falar de Wagner, de Boris Johnson, da Grécia Antiga, da comédia da arte ou de junk food sem que uma única palavra o irritasse.
"A arte é um instrumento; pode fazer o bem ou o mal. A noção de que ela só pode fazer o bem é muito ingênua. Como qualquer outra forma de expressão, você pode usá-la de uma forma ou de outra", diz Sennett, que no livro — às vezes enigmático, outros de clareza meridiana — parece duvidar do real papel da arte na vida cotidiana.
O Intérprete é o primeiro livro de uma trilogia que se concentra nos três pilares do DNA humano: interpretação, narrativa e imagem ("que tentarei terminar se minha saúde permitir", diz Sennett com um sorriso). "A fagulha deste livro? Bem, comecei como intérprete, tocando violoncelo, e depois me dediquei à sociologia, um plano B que não recomendo a ninguém (risos)".
Mas, acima de tudo, em O Intérprete, o sociólogo parece (quase) convencido de que ninguém pode impedir essa apropriação das grandes ferramentas do mundo da arte, e especialmente do teatro, para servir aos novos tiranos. "Este é o novo instrumento para moldar o mundo", diz Sennett, olhando para o celular do jornalista sobre a mesa: "A forma máxima de solidão que as pessoas estão experimentando agora é online".
“O universo online é uma vasta câmara hiperbárica onde você pode eliminar rápida e sistematicamente tudo o que não quer ouvir. Se você imaginar uma cidade física — qualquer cidade física — é impossível apertar um botão e fazer as pessoas desaparecerem. Não só isso: você pode eliminar qualquer coisa que não goste, qualquer coisa que não queira ver ou ouvir. Você pode evitar qualquer exposição ou interação com pessoas diferentes, pessoas que não pensam como você. É por isso que a rua é um lugar e uma metáfora. É o mesmo que ouvir um álbum ou uma música no Spotify ou ouvir a mesma música em um show: é totalmente diferente”. E ele conclui: “Não estamos estudando o suficiente, e estamos documentando, mas todo esse universo de TikToks e coisas do tipo está desempoderando adolescentes e jovens adultos, que agora preferem ficar sozinhos com seus celulares. Você os chama de redes sociais, mas eles são o oposto: são antissociais”.