21 Mai 2024
Zerar o desmatamento não dá licença ao Brasil para produzir mais petróleo e gás, já que queimar combustíveis fósseis é principal causa das mudanças climáticas.
A reportagem é de Alexandre Gaspari, publicada por ClimaInfo, 21-05-2024.
É indiscutível que o desmatamento é o grande vilão das emissões de gases de efeito estufa do Brasil. Como mostra o Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG), do Observatório do Clima, o desmatamento correspondeu a 48% das emissões em 2022. A agropecuária ficou em 2º lugar, com 26%, seguida pelo setor de energia, com 18% das emissões de GEE naquele ano.
O peso da destruição da vegetação nativa faz com que as ações governamentais se concentrem no combate a esse crime – o que vem rendendo resultados positivos na Amazônia, com queda significativa no desmate desde janeiro de 2023. Já no Cerrado, a situação é bastante preocupante e vai na contramão da tendência amazônica, com crescimento sistemático da devastação.
No entanto, os dados positivos na Amazônia, que se encaixam no compromisso do governo federal de chegar ao desmatamento zero até 2030, têm sido usados como justificativa para o país explorar mais combustíveis fósseis. Como se fosse uma autorização: já que estamos fazendo nosso dever de casa em combater o desmate, podemos produzir mais petróleo e gás fóssil. Para isso, usam a posição do setor energético no ranking nacional dos GEE.
A verdade, porém, é só uma: o Brasil precisa parar o quanto antes de explorar combustíveis fósseis. Assim como todos os países do mundo. Foi um compromisso assumido por todas as nações na COP28. E é fácil explicar por que.
Globalmente, os combustíveis fósseis – petróleo, carvão e gás fóssil – são a maior fonte de emissões de gases-estufa, fato exaustivamente comprovado pela ciência. Cerca de dois terços das emissões mundiais ligadas à ação humana são provenientes da queima dos combustíveis fósseis, o que os tornam o principal vilão das mudanças climáticas.
Obviamente os países que mais consomem petróleo, gás e carvão terão o setor de energia liderando seu inventário de emissões. Mas isso não significa que aqueles que não têm essa característica – como o Brasil – não tenham responsabilidade de reduzir os números relacionados à área energética.
Há outra razão igualmente fácil de entender: as emissões não podem ser colocadas em “caixinhas”. A atmosfera não tem fronteiras. Podemos identificar a origem das emissões dos gases que mudaram o clima. Desde a Revolução Industrial, no século 18, são os países ricos que lideram de longe as emissões de GEE. No entanto, todo o planeta sofre com as mudanças climáticas.
No Brasil a catástrofe climática no Rio Grande do Sul é a prova mais recente disso. No futuro, poderá ser a própria Amazônia: vários estudos já mostraram que a floresta colapsará se o mundo continuar se aquecendo. Em outras palavras: se o mundo continuar queimando combustíveis fósseis. Logo, para preservar a floresta, zerar o desmate é fundamental, assim como zerar petróleo, gás fóssil e carvão na matriz energética mundial. Um está ligado ao outro.
É portanto evidente que a “autorização” que os defensores da exploração de petróleo “até a última gota” no Brasil veem na queda do desmatamento não existe. Ainda mais com os inúmeros desafios para combater o desmate no Cerrado. Sem falar no “Pacote da Destruição” que tramita no Congresso com vistas a flexibilizar e enfraquecer a legislação ambiental brasileira. Esquecem os parlamentares, porém, que a proteção ambiental significa, de fato, segurança para a população do país.
Não custa lembrar que o Brasil ocupa a presidência do G20, este ano, e vai sediar a COP30, em 2025. Qualquer intenção de exercer uma liderança ambiental e climática nesses fóruns cai por terra graças a essa evidente intenção de tornar o Brasil um petroestado às vésperas do fim da era mundial dos fósseis.
O Brasil tem condições de liderar a eliminação gradual dos combustíveis fósseis na matriz energética global, cobrando de outros países ações efetivas. Mas para isso precisa já fazer a lição de casa, e deve começar tornando a Amazônia uma zona livre de novas explorações de petróleo e gás fóssil. Razões para isso não faltam.
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Por que o Brasil deve parar de explorar combustíveis fósseis - Instituto Humanitas Unisinos - IHU