06 Abril 2024
"As lutas institucionais não perderão seu valor. Mas em tempos ásperos é junto a nós mesmas, em territórios autogestionários de cuidado, luta e sustentação da vida, que nossa alternativa ao capitalismo florescerá.
O artigo é de CFEMEA, publicado por Outras Palavras, 05-06-2023.
O CFEMEA é uma organização feminista antirracista que existe para incomodar, deslocar e transgredir. Fundada em, 1989, por um grupo de mulheres feministas, que assumiram a luta pela regulamentação de novos direitos conquistados na Constituição Federal de 1988. Em 30 anos de existência, a organização desenvolveu ações de advocacy (promoção e defesa de ideias); articulação e comunicação política; ações de formação e mobilização; controle social das políticas para as mulheres e, mais recentemente a promoção do autocuidado e cuidado entre ativistas. Nosso objetivo é a sustentabilidade do ativismo, sabendo que só assim permaneceremos na luta. Estamos junto às nossas companheiras no front da luta pelos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres, no enfrentamento aos fundamentalismos e a todas as formas de violência contra as mulheres e na luta contra o racismo.
Eis o artigo.
Estejamos atentas/es: o pessimismo é reacionário, embota a nossa imaginação política, tornando mais fácil acreditar na inevitabilidade do fim da vida no planeta do que na possibilidade de construção de resistências e alternativas ao capitalismo patriarcal, racista e ambientalmente insustentável.
Vivemos março, mês de luta das mulheres, e mesmo as ativistas sentem o peso quase imobilizador destes tempos sombrios. Até nós feministas, que sabemos que o fim do patriarcado (racista, brancocêntrico e capitalista) demanda processos profundos, longos e contínuos, macro e micropolíticos. Mesmo nestes tempos sombrios, também vivemos desenganos! A crise climática em fase de ebulição global, a ascensão dos fundamentalismos e seus apocalipses, o ressurgimento do fascismo, seus ódios e suas guerras, genocídios, feminicídios, etnocídios, ecocídios, a fome, a miséria são avassaladores, nos assombram e podem nos paralisar.
Mas sejamos realistas, porque o otimismo excessivo a essa altura do campeonato é ilusão e não nos ajudaria a avançar. Resgatemos da história das lutas alguma lucidez: no final do século XVI, estima-se que aproximadamente 50 pessoas negras fugindo do cativeiro – mulheres, homens, famílias inteiras – criaram o que se tornaria o Quilombo dos Palmares. Aqui, em plena vigência da escravidão, essas pessoas que conseguiram escapar, plantaram no meio do mato uma semente de resistência, entre tantas outras que vinham sendo semeadas pelas/os africanas/os em várias partes do mundo. E ela brotou, frondosa, floresta, sem plantation, nem mineração. Palmares provou que outro mundo era possível e resistiu por décadas.
No pensar de Beatriz Nascimento, o Quilombo, como história (intensamente) vivida, ele não interrompeu sua trajetória, estando arraigadamente infiltrado nas mentes dos indivíduos brasileiros. Sejamos quilombolas! Invoquemos essa memória para incitar outras fugas do “irremediável destino apocalíptico”, outras experiências, outros ativismos, imaginemos e persigamos outros destinos, novos aquilombamentos, outras retomadas. Porque outros mundos só serão possíveis se mais gente desobedecer, subverter, imaginar, criar, plantar novas sementes, cuidar, coletivizar a luta e sustentar a vida nos territórios onde existimos e podemos (re)existir e reinventar, nessa luta, a própria vida.
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Incitação feminista a novas formas de desobedecer - Instituto Humanitas Unisinos - IHU