02 Abril 2024
Pequim historicamente simpatizou com a causa palestina e tem apoiado consistentemente a OLP desde a década de 1960. Ao mesmo tempo, a China é atualmente o segundo maior parceiro comercial de Israel.
A reportagem é de Javier Barroso e Nerea Hernández, publicada por El Salto, 30-03-2024.
"Reconhecemos a legitimidade das pessoas em lutar pela libertação contra a dominação estrangeira e colonial; contra qualquer forma de submissão por qualquer meio disponível, incluindo a luta armada. Este reconhecimento aparece em diferentes convenções internacionais. A luta armada, quando está ligada à autodeterminação de um território frente a operações coloniais, se distingue do terrorismo e este é um direito que emana da legislação internacional". Com estas palavras, em 22 de fevereiro, Ma Xinmin dirigiu-se ao Tribunal Internacional de Justiça em nome do Ministério das Relações Exteriores chinês, reconhecendo o direito de exercer a luta armada pelo povo palestino contra a opressão israelense.
Desde outubro passado, o governo chinês tem mantido uma posição de "neutralidade pró-Palestina". Há anos o país vem fazendo declarações públicas no cenário internacional em apoio ao direito legítimo do povo palestino de criar um Estado livre e soberano, escolhido pelos próprios palestinos. Este último ponto é característico da política diplomática chinesa: oposição ao intervencionismo de terceiros. Por outro lado, a Palestina tem uma embaixada "informal" em Sanlitun, o distrito diplomático da capital chinesa. Pequim historicamente simpatizou com a causa palestina e apoiou consistentemente a OLP desde a década de 1960. Foi o primeiro país não árabe a reconhecer a Palestina como Estado.
Em 1º de janeiro de 2024, no site oficial do Ministério das Relações Exteriores, foi publicado um comunicado detalhando os oito acordos alcançados em uma reunião entre a China e o secretário-geral representando os sete Estados da Liga Árabe. Neste acordo, eles exigem o "cessar imediato e total do fogo e violações do direito internacional e humanitário; a oposição ao deslocamento forçado da população palestina e a criação de um corredor humanitário imediato". Nos três pontos seguintes, eles afirmam que qualquer acordo de paz deve implicar que a Palestina governe sobre seu território, com ênfase na solução dos Dois Estados, retornando às fronteiras de 1967, e que a Palestina se torne um membro oficial das Nações Unidas em "uma solução que permita a coexistência pacífica dos povos judeu e árabe".
A posição oficial do governo chinês foi novamente refletida na 14ª Assembleia Popular Nacional da China, o principal órgão legislativo do país asiático, que ocorreu entre a última semana de fevereiro e a primeira de março. As "Duas Sessões" são o evento político mais importante da China, reunindo representantes políticos de todas as regiões, a maioria deles homens, com uma presença tímida e simbólica de mulheres. Essas sessões definem a agenda e os principais pontos de atuação política do ano que se inicia na China, após terem sido debatidos anteriormente dentro do Partido.
No contexto das "Duas Sessões", às 10 horas da manhã de 7 de março de 2024, Wang Yi, ministro das Relações Exteriores e membro do Comitê Central do Partido Comunista, concedeu uma entrevista coletiva para jornalistas estrangeiros e nacionais. Em relação ao conflito palestino-israelense, Wang Yi afirmou que "esta rodada do conflito entre Israel e Palestina causou 100.000 vítimas civis, além de inúmeras vidas inocentes enterradas sob os escombros. Não há distinção no valor das vidas e não pode ser estabelecida por motivos religiosos. Não há uma única razão que justifique a continuação deste conflito, nem uma única razão que justifique o assassinato de civis". Wang Yi também instou a comunidade internacional a participar imediatamente e impor um cessar-fogo como prioridade absoluta. "As pessoas de Gaza têm o direito de viver neste mundo, de serem ajudadas, socorridas e cuidadas, todas as pessoas detidas devem ser libertadas e qualquer ataque a civis deve parar", acrescentou nesta coletiva de imprensa.
Uma vez revisadas as comunicações oficiais, se observarmos os laços comerciais entre a China e as duas partes do conflito, a perspectiva muda. No caso da China e da Palestina, segundo fontes oficiais do governo chinês, o volume do comércio bilateral entre os dois territórios alcançou 160 milhões de dólares, refletindo um aumento de 23% em relação ao ano anterior. Embora a quase totalidade sejam exportações chinesas. Os dados entre janeiro e junho de 2023, meses antes do início da última onda de ataques, mostravam um saldo de 90 milhões. Estas vendas da China para a Palestina representam 5% do total de importações na Palestina e estão inseridas na Iniciativa do Cinturão e Rota, na qual a potência asiática busca fortalecer suas relações econômicas com diferentes áreas da Ásia, América Latina, Europa e África.
O consultor emérito do Observatório de Política Chinesa, Xulio Ríos, observou em uma análise de outubro de 2023 que "a China é a principal parceira comercial de Teerã e a dependência econômica do Irã da China é substancial. Por sua vez, o Irã fornece ajuda financeira, armas, treinamento e suporte tecnológico ao Hamas".
Quanto às relações econômicas entre China e Israel, a China é atualmente o segundo maior parceiro comercial de Israel, com um valor total de comércio de 24,5 bilhões de dólares, representando um aumento de 10% em 2022 em relação ao ano anterior. Em particular, entre 2019 e 2022, o comércio entre os dois países teve um aumento significativo, registrando um aumento de 6,41 bilhões de dólares, representando um crescimento de 57%. Esse aumento ocorreu nas importações chinesas. Em 2021, a China superou os Estados Unidos para se tornar a maior fonte de importações de Israel. E este aumento que continua disparando nos últimos anos é devido ao desenvolvimento de tecnologia de ponta por ambos.
Dentro deste amplo volume de comércio de importações, encontramos a empresa DaJiang Innovation Technology, que se dedica ao comércio de tecnologia militar de ponta. As forças policiais e de repressão israelenses utilizam os drones vendidos por esta empresa para controle e repressão da população.
A cooperação comercial entre os dois países, que começou focada na compra de material militar de Israel, tem mudado para materiais de infraestrutura e tecnologia civil, como os semicondutores. O atual papel geopolítico-chave dos semicondutores coloca em uma posição delicada as relações econômicas com Israel, já que as empresas chinesas estão enfrentando bloqueios e restrições por parte dos EUA nessa área tão delicada quanto fundamental.
No geral, observa-se um desequilíbrio ou incongruência entre os aspectos puramente diplomáticos, que posicionam a China a favor do povo palestino e da solução de dois Estados; e no econômico, onde o vínculo comercial com Israel é praticamente incomparável, de 240 bilhões para 160 milhões de dólares.
O jornalista palestino Khaled Abujarad, sediado em Pequim e que trabalha para o meio de comunicação CCTV+, destaca que "tanto o governo quanto o povo chinês mantiveram uma posição firme de apoio à Palestina desde o início". Ele reconhece que "embora não alcance o nível de envolvimento do Estado do Iêmen, a China tem mantido uma posição corajosa em comparação com o resto do mundo".
Abujarad relata que sua família está em Rafah, tentando sobreviver em uma cidade que se tornou uma armadilha para mais de um milhão e meio de gazenses. Ele reconhece que está vivendo em um estado de constante angústia e lamenta não poder fazer nada a respeito. Embora ele diga que seus parentes diretos estejam bem, ele não consegue ficar em paz porque "todo o povo palestino é minha família e está sofrendo". O jornalista conta que vários amigos chineses querem doar dinheiro para ajuda humanitária e ele está facilitando essa cadeia de solidariedade através de sua conta no Egito.
Além da comunidade palestina estabelecida em Pequim, que tenta colaborar com seus familiares enviando remessas, pessoas chinesas decidiram ir além e tentar organizar de alguma forma grupos de ajuda direta ao povo palestino. Na plataforma Zhihu, fórum de uso semelhante ao Reddit, o mais usado do país asiático, encontramos tópicos em torno da questão de se é mais importante enviar dinheiro e recursos para a Palestina ou pressionar politicamente Israel através da opinião pública, com milhares de intervenções. Além disso, o governo chinês afirma estar enviando ajuda humanitária desde outubro de 2023.
Falar da opinião pública chinesa é problemático, uma vez que estamos falando de 1,4 bilhão de pessoas, mas olhando um pouco para as redes sociais, podemos encontrar algumas opiniões que se destacam nos mecanismos de busca. Dois jornalistas chineses da agência de notícias CCTV+, Lin Xiaoyu e Dong Feng (que pediram para mudar seus nomes para preservar o anonimato), que estão muito em contato com a atualidade das redes sociais, nos contam que "a opinião predominante é de apoio ao povo palestino". Segundo eles, "o apoio surge do mundo virtual e inunda as redes sociais. Embora não tenham ocorrido manifestações, o posicionamento público na internet é majoritariamente a favor da Palestina".
Ao entrar na rede Douyin (TikTok) e fazer uma busca com palavras-chave sobre o conflito, destacam-se, principalmente, vídeos de gazenses feridos ou mortos após os ataques israelenses, ou de menores de idade feridos em busca de suas famílias. Na rede Xiaohongshu também estão sendo organizadas campanhas esporádicas convocando ao boicote de produtos israelenses.
Segundo Lin e Dong, "a oposição à agressão israelense em Gaza tem sido muito clara nas redes sociais, onde várias contas têm divulgado e continuam divulgando vídeos com tradução para o chinês da brutalidade do genocídio em Gaza. Também se voltaram para a criação gráfica de solidariedade com o soldado americano imolado Aaron Bushnell. A viralização do vídeo completo de Aaron Bushnell causou grande comoção nas redes sociais".
Além disso, durante o dia 8 de março passado, segundo o portal de análise marxista da atualidade chinesa, Chuang, o coletivo Chinese & Taiwanese Queers & Feminists for Palestine publicou um manifesto, que também foi impresso em fanzines e distribuído em algumas cidades, alertando contra a lavagem rosa que a propaganda israelense estava realizando ao apresentar seus massacres como uma libertação para as mulheres. O Bilibili é a principal rede social para ver vídeos na China. Se inserirmos as palavras Israel e Palestina no buscador e procurarmos os vídeos com mais visualizações, que contam em milhões, veremos que se tratam, na maioria das vezes, de vídeos de análises históricas de alguns canais especializados que tentam explicar as raízes do conflito.
Dando uma olhada nos comentários nesses vídeos, principalmente aqueles com mais "curtidas", podemos encontrar dois pontos de vista principais. Em primeiro lugar, que Israel passou de vítima a perpetrador. Na verdade, um dos vídeos usa as figuras clássicas do caçador de dragões que se transforma em um dragão malvado. Não são poucos os que apontam que ele está incorrendo nas mesmas práticas genocidas do nazismo. Também encontramos várias mensagens criticando o governo palestino dentro e fora do território por não apoiar mais radicalmente o Hamas, que geralmente é considerado um grupo de guerrilha e não um grupo terrorista.
O tom de simpatia pela Palestina muitas vezes está associado ao sentimento anticolonialista enraizado no povo chinês através da educação e da história da Guerra de Resistência contra o Japão, que ainda não completou um século de história. O tom de muitas referências nas redes pode lembrar as declarações oficiais durante a era do maoísmo, quando o Partido Comunista era muito mais contundente a esse respeito.
A reação aos massacres na Palestina também se manifesta como um dos cenários onde a rivalidade geopolítica entre China e Estados Unidos é disputada, principal aliado de Israel. Após o bloqueio dos EUA a qualquer tipo de ação (usando o veto até três vezes) para deter os massacres no Conselho de Segurança da ONU, a China foi contundente em sua rejeição a essa ação. Na segunda-feira passada, 25 de março, quase um mês depois, o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China, Lin Jian, afirmou que "a China continuará apoiando o Conselho de Segurança para que adote medidas responsáveis e significativas", em referência à resolução apresentada por Argélia, Guiana, Malta, Moçambique, Serra Leoa, Eslovênia e Suíça — um texto que exige um cessar-fogo imediato. Finalmente, outra resolução foi aprovada, desta vez sem o veto dos EUA.
Como Ríos observa em outra de suas análises, os ecos da rivalidade entre EUA e China ressoam neste conflito. A China vem sugerindo desde 2022 uma série de propostas políticas em seu "Quadro de Segurança Global", que pretende ser uma alternativa à intensificação da violência e ao aumento da influência dos EUA nas regiões da Ásia.
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A intrincada posição da China em relação ao conflito palestino-israelense - Instituto Humanitas Unisinos - IHU