01 Junho 2023
O relatório da ONG Cristosal denuncia que dezenas de presos foram torturados e assassinados durante o primeiro ano da campanha de Nayib Bukele contra as gangues.
A reportagem é de Bryan Avelar e Tom Phillips, publicada por El Diario, 31-05-2023. A tradução é do Cepat.
O custo humano da “guerra contra as gangues” de El Salvador foi exposto em um novo relatório. Dezenas de presos foram torturados e mortos na prisão depois de serem capturados durante o primeiro ano da ofensiva lançada pelo presidente Nayib Bukele contra as gangues salvadorenhas, segundo a organização de direitos humanos Cristosal.
A investigação de mais de 100 páginas documenta que pelo menos 153 pessoas morreram sob custódia depois de serem presas durante a operação. A ONG confirmou que 29 destas mortes foram violentas, enquanto qualificou outras 46 como suspeitas. Segundo documentos da Cristosal, os corpos da maioria dessas 75 vítimas apresentavam sinais de tortura, mas as causas de suas mortes foram classificadas como “indeterminadas” ou “naturais”, razão pela qual o número real de mortes violentas pode ser maior.
O grupo de direitos humanos afirma ter obtido fotografias e relatórios forenses que mostram corpos com sinais de “sufocamento, fraturas (de ossos), hematomas significativos, cortes e perfurações”. Alguns pareciam ter morrido de desnutrição. Quase metade das vítimas eram homens entre 18 e 38 anos. A ONG diz que alguns presos foram torturados com choques elétricos, denuncia a ONG.
Noah Bullock, diretor da Cristosal, defendeu que os resultados do relatório mostram que as violações dos direitos humanos sob o atual governo de El Salvador são “uma prática sistemática e não uma exceção”. O grupo baseia seu relatório em entrevistas com dezenas de familiares de mortos e presos, bem como em relatórios oficiais de perícia e trabalhos de campo realizados.
O Governo de El Salvador rejeitou as críticas recebidas sobre sua campanha contra as gangues, que resultou em mais de 67.000 pessoas presas desde o início do estado de exceção em março de 2022. O Executivo acusa as ONGs críticas e os meios de comunicação de serem defensores de gangues e “terroristas”.
Os entusiastas das criptomoedas na América do Norte defenderam o líder autoritário amante dos Bitcoin e sua repressão às gangues. Partidos de extrema direita de outros países latino-americanos que têm problemas com crimes e violências também apoiaram Bukele.
Mesmo os críticos do governo admitem que a repressão – que parece garantir a continuidade de Bukele nas eleições presidenciais do ano que vem – trouxe uma mudança radical para as comunidades salvadorenhas pobres que vivem há anos sob o controle brutal das gangues.
Milhares de famílias destruídas
“O desmantelamento das gangues tem um enorme potencial de mudança de vida para o país”, informou o jornal digital El Faro no início deste ano em uma investigação de 5.000 palavras sobre a aparente dissolução desses grupos. “Eles desmantelaram as gangues como você as conhecia”, disse o chefe de uma gangue ao El Faro.
No entanto, esses avanços tiveram um grande custo para a democracia, os direitos humanos e as liberdades civis em El Salvador, bem como para as milhares de famílias destruídas que tiveram alguns de seus membros capturados na ofensiva do governo.
Vilma Mancía viu-se obrigada a criar seus seis netos depois que seus dois filhos, de 22 e 29 anos, foram detidos durante a repressão. “Ninguém me ajuda, nem mesmo para encontrar comida... Não sei o que fazer”, disse Mancía, 65 anos, natural de Apopa, recentemente diagnosticada com câncer no estômago.
No ano passado, o The Guardian documentou o caso de um jovem salvadorenho que morreu em circunstâncias misteriosas após ser preso em Salcoatitán, uma cidade turística no coração cafeeiro de El Salvador.
Juan José Ibáñez García – um trabalhador de restaurante de 21 anos cujos amigos alegaram que ele não tinha nenhuma ligação com o crime organizado – morreu em maio passado, 15 dias depois de ser preso. “Tínhamos tantos sonhos… de sermos pais; de construir um negócio juntos; estudar juntos... e agora tudo acabou”, diz sua namorada, Sandra García. A jovem, de 23 anos, admitiu ter votado em Bukele em 2019: “Muitos salvadorenhos confiaram em Bukele e fomos enganados”.
A publicação do relatório coincide com a sentença da Justiça salvadorenha contra um dos antecessores de Bukele na presidência, Mauricio Funes, por ter negociado uma suposta trégua com as gangues durante seu mandato (2009-2014). O ex-presidente, condenado a 14 anos de prisão, vive exilado na Nicarágua desde 2019, o que significa que não pode ser preso.
A administração Bukele, apesar de sua repressão às gangues, também foi acusada de negociar com elas. Em 2021, os Estados Unidos garantiram que o líder salvadorenho selou uma trégua secreta com os líderes dos grupos Barrio-18 e MS-13. O presidente centro-americano negou as informações.
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El Salvador. Detentos torturados, estrangulados e assassinados: o custo da “guerra” de Bukele contra as gangues - Instituto Humanitas Unisinos - IHU