Solenidade da Ascensão de Jesus - Ano A - A revelação do amor que se torna serviço à vida plena

19 Mai 2023

"Este ano, a Solenidade da Ascensão cai no mesmo dia em que começa a Semana Laudato Si’, uma semana em que a cada ano celebramos o aniversário da encíclica do Papa Francisco sobre o cuidado com a casa comum. E o tema da Semana Laudato Si’ este ano é “Esperança para a Terra. Esperança para a humanidade.” Neste grande evento da Ascensão, quando o Filho retorna para colo do Pai, Jesus leva em seu próprio colo a sua comunhão enquanto ser humano com a criação. Ele, a quem foi dada toda a autoridade no céu e sobre a terra (cf. Mt 28,18), insere o mistério da criação no mistério da Santíssima Trindade, pois é por ele e nele que todas as coisas foram e são criadas. Poderia haver alegria e esperança maior?".

A reflexão é de Suzana Moreira. Ela é mestra em Teologia Sistemático-Pastoral (PUC-Rio). E é gerente de programas para Conversão Ecológica, pelo Movimento Laudato Si’.

Leituras do dia

1ª leitura - At 1,1-11
Salmo - Sl 46(47),2-3.6-7.8-9 (R. 6)
2ª leitura - Ef 1,17-23
Evangelho - Mt 28,16-20

Estamos na 7ª Semana da Páscoa, e neste domingo celebramos a Solenidade da Ascensão do Senhor.

Quando eu era pequena, lembro muito bem da minha avó materna cantando “Subindo, subindo, subindo para o céu eu vou!” e eu ficava imaginando a gente subindo ao céu da mesma forma que eu imaginava Jesus subindo ao céu quando eu escutava o relato da ascensão em Ato dos Apóstolos. E eu sentia um misto de estranhamento, contemplação e alegria. A partir dessas três dimensões eu gostaria de propor algumas reflexões para nós nesta solenidade este ano.

Vamos começar com o estranhamento. Na primeira leitura, os discípulos questionam "Senhor, é agora que vais restaurar o Reino em Israel?" (At 1,6). É curioso ver como, mesmo com tudo que já haviam vivido e testemunhado do modo de viver e ser de Jesus, os discípulos ainda estavam apegados à expectativa messiânica judaica de uma libertação que é ao mesmo tempo social, religiosa e política. Jesus não nega a expectativa de seus discípulos, mas os desafia a irem além com uma resposta que exige muita paciência: "Não vos cabe saber os tempos e os momentos que o Pai determinou com a sua própria autoridade.” (At 1,7) Toda a maneira de Jesus viver, ser, se relacionar, se comunicar e se revelar como Filho de Deus causam um estranhamento nos discípulos. Jesus não instaurou a libertação que os discípulos esperavam, mas sim revelou a libertação do amor que se coloca a serviço, o amor que se revela pela força da partilha do pão, a força da convivência comunitária, a força da capacidade relacional da humanidade, o amor que gera como consequência processos para a libertação social, religiosa e política. A autoridade do Pai que Jesus menciona não cabe dentro da lógica humana de uma autoridade impositora. Pela forma como Jesus se revela, ele revela que a autoridade do Pai é uma autoridade de amor e comunhão. Já diria o Papa Francisco: “o tempo é superior ao espaço” (Evangelii Gaudium 222). Jesus instaura o processo de libertação integral da humanidade que, pelo poder do Espírito Santo que recebemos, podemos testemunhar até os confins da terra (cf. At 1,8).

Ainda com essa sensação de estranhamento, passemos agora para a contemplação. As respostas de Jesus aos discípulos e a ascensão que acontece em seguida exigem de nós hoje esse movimento da cabeça ao coração: pausar, respirar, e refletir. O que significa ser testemunhas de Cristo até os confins da terra? (cf. At 1,8) Os discípulos se sentiam um pouco perdidos e “continuavam olhando para o céu, enquanto Jesus subia” (At 1,10) ao mesmo tempo que já não podiam ver nada porque uma nuvem cobriu tudo (cf At 1,9). E nesse breve instante de olhar perdido pra cima, os discípulos conseguem ouvir “por que ficais aqui, parados, olhando para o céu?” (At 1,11) Aí surge um novo desafio para os discípulos: voltar a olhar para a Terra, porém agora com um olhar renovado e que será empoderado pela força do Espírito Santo.

Acredito que para nós até hoje é difícil realmente voltar o olhar para a Terra. Não só pela tendência de ainda nos relacionarmos com Deus como se estivesse distante acima de nós, mas também pela dor e angústia que sentimos ao olhar para nossa Terra e ver o quanto está longe de ser um espaço de amor, justiça e comunhão. Vivemos num tempo de crise socioambiental, uma crise complexa que está relacionada a todas as esferas da humanidade, pois diz respeito à forma como usamos os recursos naturais e os distribuimos, à forma como pensamos e criamos nossos espaços públicos e privados, e é uma crise que em sua raiz se encontra o egoísmo e o egocentricismo do ser humano. E diante dessa crise, o Papa Francisco nos diz que “O melhor antídoto contra este mau uso da nossa casa comum é a contemplação” (Audiência Geral, 16 de setembro de 2020). A contemplação leva a uma atitude de cuidado, é uma atitude que precisa ser cultivada e exercitada da mesma forma como exercitamos um músculo quando estamos fracos. Exige tempo e paciência para a cada dia reconhecer a beleza da criação de Deus nesta terra e entre todas as suas criaturas, e conforme vamos cultivando e exercitando esse olhar contemplativo, vamos aprendendo a amar e, como dizem, quem ama cuida.

Entremos agora então no sentimento da alegria. Em meio a este infinito cosmos de um universo que ainda não sabemos todas as suas proporções, nós, criaturas pequeninas desta Terra, temos a capacidade de contemplar não só a própria criação mas também a boa nova que é para toda a criação - nós humanos e nossa casa comum. Por isso podemos aclamar junto ao salmista: “Povos todos do universo, batei palmas, gritai a Deus aclamações de alegria!” (Sl 46(47), 2). Jesus promete aos discípulos o batismo do Espírito Santo, a Divina Ruah que possibilita que nós sejamos testemunhas até os confins da terra, e que é ela também que sustenta o verdor da vida, a força vital ou viriditas como diria Santa Hildegarda de Bingen. Peçamos então, apropriando-nos das palavras de São Paulo aos Efésios, que a Divina Ruah abra o nosso coração à sua luz, para que saibamos qual a esperança que o seu chamamento nos dá (cf. Ef 1,18).

Este ano, a Solenidade da Ascensão cai no mesmo dia em que começa a Semana Laudato Si’, uma semana em que a cada ano celebramos o aniversário da encíclica do Papa Francisco sobre o cuidado com a casa comum. E o tema da Semana Laudato Si’ este ano é “Esperança para a Terra. Esperança para a humanidade.” Neste grande evento da Ascensão, quando o Filho retorna para colo do Pai, Jesus leva em seu próprio colo a sua comunhão enquanto ser humano com a criação. Ele, a quem foi dada toda a autoridade no céu e sobre a terra (cf. Mt 28,18), insere o mistério da criação no mistério da Santíssima Trindade, pois é por ele e nele que todas as coisas foram e são criadas. Poderia haver alegria e esperança maior?

Que nesta Solenidade da Ascensão possamos verdadeiramente festejar e celebrar a Páscoa, a certeza da vitória da vida sobre a morte e proclamar a boa nova para toda a criação até os confins da terra, a boa nova de processos de libertação para tempos de amor, justiça e comunhão, em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo. E assim que possamos cantar também como cantava a minha avó: “Subindo, subindo, subindo para o céu eu vou!”

Laudato Si’! Louvado seja!

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