Também nós somos cegos?

17 Março 2023

Publicamos aqui o comentário do monge italiano Enzo Bianchi, fundador da Comunidade de Bose, sobre o Evangelho deste 4º Domingo da Quaresma, 19 de março de 2023 (João 9,1-41). A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis o artigo.

No caminho para a Páscoa, depois do tema da água viva que Jesus Cristo dá a quem nele crê, a Igreja nos faz meditar sobre a luz ou, melhor, sobre a iluminação, ação realizada por Jesus para que possamos ver e ser resgatados da escuridão.

O longo relato da cura de um cego de nascença é, na realidade, a narração de um processo em diversas etapas promovido contra Jesus. Um processo contra aquele que é “a luz do mundo” (Jo 8,12), a luz que veio ao mundo, aquela que ilumina todo ser humano, mas uma luz não reconhecida e não acolhida por aqueles a quem foi enviada (cf. Jo 1,4-5.9-12).

Esse relato é paradoxal, porque nos testemunha que quem é cego, quem não vê, ao encontrar aquele que é a luz do mundo, torna-se “capaz de ver”, enquanto quem vê, ao encontrar Jesus, fica deslumbrado a ponto de se revelar cego, incapaz de ver. Esse trecho, além disso, é altamente cristológico, apresenta muitos títulos atribuídos a Jesus, títulos que dão ritmo à passagem da cegueira à visão, das trevas à luz, da ignorância à fé testemunhada. Mas, como sempre, escutemos o texto com humilde obediência.

Tendo saído do templo de Jerusalém, onde celebrou a festa de Sucot, das Cabanas, festa outonal na qual se invocava a água como dom de Deus para a vida plena, Jesus vê junto à piscina de Siloé um homem acometido de cegueira desde o nascimento. Como em tantos outros relatos de milagres, esse doente não invoca Jesus nem lhe pede a cura, mas é Jesus quem, ao passar, vê e discerne um homem necessitado de salvação.

Os discípulos que estão com Jesus também veem esse cego, mas com um olhar diferente. Conhecem a doutrina tradicional que liga automaticamente a doença e o pecado, não sabem ver acima de tudo o sofrimento de um homem, mas tentam espionar seu pecado. Por isso, perguntam imediatamente a Jesus: “Mestre, quem pecou para que nascesse cego: ele ou os seus pais”.

Jesus, que não vê o pecado, mas sim o sofrimento e o grito de ajuda nele presente, declara que aquela doença é ocasião para a manifestação do Deus que intervém e salva. Seu olhar é diametralmente oposto ao olhar culpabilizante dos discípulos, um olhar que expressa um interesse pelo sofrimento humano e uma vontade de cura conforme o desejo de Deus.

Diante do mal, nós, humanos, sobretudo nós, pessoas que creem, buscamos uma explicação, queremos identificar a culpa e o culpado. Ao contrário, Jesus rejeita este olhar, o olhar dos discípulos, não propõe nenhuma explicação para aquela cegueira, para o mal sofrido pelo cego, e, com uma reação de compaixão muito humana, aproxima-se do cego e começa a agir para suprimir o mal e fazer a vida triunfar.

Jesus se diz “enviado” para fazer as obras de Deus, e isso é possível “enquanto é dia”, enquanto ele está no mundo, entre os homens, como luz que as trevas não podem ofuscar (cf. Jo 1,5). Ditas essas palavras, faz um gesto de cuidado e terapêutico: amassou um pouco de pó com sua saliva e a espalhou nos olhos do cego. Desse modo, repetiu o gesto com o qual Deus criou Adam, o terrestre, moldando-o a partir do pó da terra (cf. Gn 2,7).

Não é um gesto de magia, mas sim um gesto muito humano: o homem cego se sente tocado por Jesus, sente seus dedos e a lama em seus próprios olhos, sente que pode pôr sua confiança em quem o “viu” e o reconheceu como uma pessoa necessitada.

E, assim que Jesus lhe manda ir se lavar na piscina adjacente – conhecida como de Siloé, ou seja, do enviado de Deus –, ele obedece, vai e depois volta a Jesus capaz de ver. Ao contrário de Naamã com Eliseu (cf. 2Re 5,10-12), ele crê nas palavras de Jesus como palavras poderosas e eficazes, e assim encontra aquela visão que nunca teve.

O quarto Evangelho descreve a cura em apenas dois versículos, sem entrar em detalhes. De fato, trata-se de um “sinal” (semeîon), mais que de um milagre (dýnamis): não é o fato em si que deve chamar a nossa atenção, mas o que deve ser buscado é seu significado e, sobretudo, quem está na origem do sinal.

Mas esse fato, essa ação desencadeia um processo contra Jesus, um processo à revelia, porque ele não está mais presente ao lado do homem curado. O processo é articulado em quatro cenas, mas no fim é Jesus quem anuncia o verdadeiro processo em curso, no qual se revela quem vê e quem é cego.

A primeira cena (vv. 8-12) tem como protagonistas os vizinhos, aqueles que costumavam encontrar o cego, que se dirigem a ele, agora curado. Eles se interrogam sobre o que ocorreu com o cego, se é realmente a mesma pessoa. E ele reivindica com força a própria identidade: “Sou eu, que antes era cego e agora vejo”. Seus interlocutores lhe perguntam o que aconteceu, e ele lhes conta aquilo que o homem chamado Jesus fez e disse. Então, tomados pela curiosidade, perguntam-lhe onde está esse Jesus, para podê-lo encontrar, mas ele não sabe responder.

Outros homens, atentos à Lei, levam o cego aos fariseus, os observantes especialistas da Torá, para que julguem a obra de Jesus (vv. 13-17). Com efeito, especifica o autor, “era sábado o dia em que Jesus tinha feito lama e aberto os olhos do cego”. Segue-se, portanto, a pergunta: “Um homem que infringe a proibição de trabalhar no dia de sábado e, portanto, um pecador pode fazer uma boa ação?”. A resposta parece óbvia: “Não, ele não vem de Deus!”. É isso que os fariseus gostariam de ouvir do homem curado, que, ao contrário, responde: “É um profeta”, mais um passo rumo à descoberta da identidade de Jesus. Ele está progredindo na fé...

Segue-se a terceira cena (vv. 18-23): ao não aceitarem a declaração do homem curado, esses homens religiosos mandam chamar seus pais e os interrogam sobre a cegueira de seu filho. Tomados de medo, preferem não ler, não interpretar o que aconteceu com seu filho. Dizem que ele era cego de nascença, que agora vê, mas não sabem como isso pôde acontecer. Por isso, descarregam sobre ele a responsabilidade: “Interrogai-o, ele é maior de idade, ele pode falar por si mesmo”.

E eis a quarta e última cena (vv. 24-34). Aqueles fariseus chamam novamente o homem curado e o convidam a escutar a solidez de sua doutrina. Tentam convencê-lo, porque eles “sabem”, têm a autoridade para discernir que Jesus é um pecador e, portanto, não pode fazer nada de bom. Mas o homem curado confirma, com bom senso: “Se ele é pecador, não sei. Só sei que eu era cego e agora vejo”.

Mas essas palavras não são suficientes, razão pela qual eles insistem em interrogá-lo, pedindo-lhe que conte mais uma vez o que aconteceu. Em resposta, ele ironiza: “Eu já vos disse, e não escutastes. Por que quereis ouvir de novo? Por acaso quereis tornar-vos discípulos dele?”.

Segue-se a reação indignada daqueles homens religiosos, que desprezam e insultam o homem. A pretensão desses fariseus, especialistas nas Escrituras, é a de “saber”, de conhecer a tradição à qual querem permanecer fiéis: portanto, não podem admitir que uma boa ação possa ser realizada mediante uma violação do sábado. Esse saber, esse conhecimento que pretendem possuir os impede de reconhecer uma “novidade”, que, porém, se manifesta mediante a emergência do bem. Só o passado é normativo para eles, e eles o qualificam como uma tradição de autoridade: por isso, não sabem nem querem saber a origem de Jesus. O homem que era cego, porém, agora vê, isto é, sabe: ele sabe que foi curado por Jesus, sabe que Deus não escuta o pecador, mas sim quem faz a sua vontade. Ele, portanto, é expulso da comunidade dos observantes fiéis da Lei, expulso como todos aqueles que reconheciam Jesus como Messias (cf. v. 22).

Nesse ponto, eis que se revela o verdadeiro processo em curso. Sabendo que aquele homem havia sido expulso da sinagoga, Jesus vai procurá-lo e, ao encontrá-lo, faz-lhe uma pergunta, da qual nasce o diálogo que constitui o ápice desta página:

– “Acreditas no Filho do Homem?”
– “Quem é, Senhor, para que eu creia nele?”
– “Tu o estás vendo; é aquele que está falando contigo.”
– “Eu creio, Senhor!”. E prostrou-se diante de Jesus.

Eis a abordagem da fé: o homem chamado Jesus (v. 11), o profeta (v. 17), aquele que vem de Deus (v. 33), o Filho do homem (v. 35), é o Kýrios (v. 38), o Senhor. Jesus então, tendo conhecido essa fé, diz em voz alta: “Eu vim a este mundo para exercer um julgamento, a fim de que os que não veem, vejam, e os que veem se tornem cegos”.

A reação daqueles fariseus mostra que eles entenderam o que está em jogo. Com efeito, perguntam-lhe: “Também nós somos cegos?”. E Jesus conclui, com autoridade: “Se fôsseis cegos, não teríeis culpa; mas como dizeis: ‘Nós vemos’, o vosso pecado permanece”. Ver um sinal realizado por Jesus e não reconhecer o bem que ele representa, não reconhecer que Deus está na origem de seu agir significa ser lançado fora, estar nas trevas, não ver.

Só resta nos perguntar se nós também somos cegos na fé: cremos, talvez, que vemos, mas não reconhecemos quem é a luz, Jesus Cristo?

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