Agropecuária impulsiona mais de 90% do desmatamento mundial

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13 Setembro 2022

 

O estudo deixa claro que um punhado de commodities é responsável pela maior parte do desmatamento ligado à produção em terras agrícolas.

 

A reportagem é publicada por EcoDebate, 12-09-2022.

 

Parar o desmatamento exigirá uma mudança radical na forma como o problema é abordado. Para serem eficazes, as medidas precisam contemplar tanto os papéis diretos quanto indiretos da agropecuária. Um novo estudo publicado hoje na proeminente revista Science aponta que entre 90% e 99% de todo o desmatamento nos trópicos é causado direta ou indiretamente pela agropecuária. No entanto, apenas algo entre metade e dois terços disso de fato resulta em expansão da produção agrícola nas terras desmatadas.

 

O estudo é uma colaboração entre muitos dos principais especialistas em desmatamento do mundo, e fornece uma nova síntese das relações entre desmatamento e agropecuária.

 

Após uma análise dos melhores dados disponíveis, o novo estudo mostra que a quantidade de desmatamento tropical causado pela agropecuária é superior a 80%, o número mais citado na última década.

 

Isso ocorre em um momento crucial após a Declaração de Glasgow sobre Florestas na COP26 e antes da Conferência de Biodiversidade da ONU (COP15) no final deste ano. Os resultados podem ajudar a garantir que os esforços urgentes para combater o desmatamento sejam guiados e avaliados por uma base de evidências adequada ao propósito.

 

“Nossa análise deixa claro que entre 90 e 99 por cento de todo o desmatamento nos trópicos é causado direta ou indiretamente pela agropecuária, mas o que nos surpreendeu foi que uma parcela comparativamente menor do desmatamento – entre 45 e 65 por cento – resulta na expansão da produção agrícola real nas terras desmatadas. Essa descoberta é de profunda importância para criar medidas eficazes para reduzir o desmatamento e promover o desenvolvimento rural sustentável”, diz Florence Pendrill, principal autora do estudo na Chalmers University of Technology, na Suécia.

 

O fato de a agropecuária ser o principal motor de desmatamento tropical não é novidade. Entretanto, as estimativas anteriores de quanta floresta foi convertida em terras agrícolas nos trópicos variavam muito – de 4,3 a 9,6 milhões de hectares por ano entre 2011 e 2015. As novas descobertas neste estudo reduzem esse intervalo para 6,4 a 8,8 milhões de hectares por ano, e ajudam a explicar a incerteza nos números.

 

“Uma grande peça do quebra-cabeça é quanto desmatamento é ‘para nada‘”, observou o Prof. Patrick Meyfroidt da Universidade Católica de Louvain, na Bélgica. “Embora a agropecuária seja o motor final, as florestas e outros ecossistemas são frequentemente desmatados para especulação de terras que vieram a ser usadas, projetos que foram abandonados ou mal concebidos, terras que se mostraram impróprias para o cultivo, bem como devido a incêndios que se espalharam para florestas vizinhas a áreas desmatadas”.

 

Compreender a importância desses fatores é fundamental para os formuladores de políticas – seja em mercados consumidores, como a legislação de devida diligência, recentemente proposta pela União Europeia para “produtos livres de desmatamento”, sejam iniciativas do setor privado para commodities específicas, ou ainda para políticas de desenvolvimento rural em países produtores.

 

O estudo deixa claro que um punhado de commodities é responsável pela maior parte do desmatamento ligado à produção em terras agrícolas. Mais da metade está ligada apenas a pastagens, soja e óleo de palma (dendê). Nesse sentido, o estudo também chama a atenção para as falhas de iniciativas setoriais específicas, geralmente limitadas para lidar com os impactos indiretos.

 

“Iniciativas setoriais para combater o desmatamento podem ter um valor inestimável, e novas medidas para proibir a importação de commodities ligadas ao desmatamento nos mercados consumidores – como as que estão em negociação na UE, Reino Unido e EUA – representam um grande passo para além dos esforços quase todos voluntários até agora para combater o desmatamento‘, disse o Dr. Toby Gardner do Instituto do Meio Ambiente de Estocolmo e Diretor da iniciativa Trase, de transparência para cadeia de fornecimento. “No entanto, como mostra o nosso estudo, fortalecer a governança florestal e do uso da terra nos países produtores deve ser o objetivo final de qualquer resposta política. As cadeias de fornecimento e as medidas de sustentabilidade tomadas pelos consumidores precisam ser concebidas de maneira que também lidem com as formas indiretas através das quais a agropecuária está ligada ao desmatamento. Eles precisam levar a melhorias no desenvolvimento rural sustentável, caso contrário as taxas de desmatamento permanecerão teimosamente altas em muitos lugares”, acrescentou o Dr. Gardner.

 

Os resultados do estudo apontam para a necessidade de as intervenções nas cadeias de fornecimento irem além do foco em commodities específicas e em mera gestão de risco. Elas precisam ir além e ajudar também a impulsionar parcerias entre produtores e mercados consumidores e governos. Isso precisa incluir fortes incentivos para tornar a agropecuária sustentável mais economicamente atraente ao mesmo tempo em que desincentiva a conversão de vegetação nativa e apoia os pequenos produtores mais vulneráveis.

 

Os autores dizem que isso deve incluir um foco mais forte nos mercados domésticos, muitas vezes os maiores impulsionadores da demanda por commodities, como o caso da carne bovina no Brasil, além de um fortalecimento de parcerias entre empresas, governos e sociedade civil nas jurisdições produtoras.

 

A agricultura contribui para o desmatamento de várias maneiras que muitas vezes interagem. A maior parte do desmatamento tropical ocorre em paisagens onde a agricultura é o principal fator de perda florestal. Parte desse desmatamento causado pela agricultura resulta na produção agrícola (esquerda) atendendo à demanda doméstica e de exportação de várias commodities agrícolas. No entanto, o desmatamento pela agricultura também ocorre sem expansão de terras agrícolas manejadas por meio de vários mecanismos (direita), o que pode levar ao abandono ou semi-abandono da área desmatada. Registros agrícolas incompletos também explicam parte desse desmatamento.

 

Por fim, o estudo destaca três lacunas importantes onde mais evidências são necessárias para orientar os esforços de redução do desmatamento; “A primeira é que, sem uma base de dados global e temporalmente consistente sobre desmatamento, não podemos ter certeza sobre as tendências gerais de conversão.

 

A segunda é que, com exceção do dendê e da soja, carecemos de dados sobre a cobertura e expansão de commodities específicas para saber quais são mais importantes. A nossa compreensão global sobre pastagens é das que mais precisam de melhoria. A terceira é que sabemos comparativamente muito pouco sobre florestas tropicais secas e sobre as florestas na África”, disse o professor Martin Persson, da Chalmers University of Technology.

 

“O que é mais preocupante, dada a urgência da crise”, acrescentou o Prof. Persson, “é que cada uma dessas lacunas de evidência impõe barreiras significativas à nossa capacidade de reduzir o desmatamento da maneira mais eficaz – sabendo onde os problemas estão concentrados, ou compreender o sucesso dos esforços até agora”.

 

Apesar dessas lacunas de conhecimento e incertezas remanescentes, o estudo enfatiza que uma mudança radical nos esforços é urgentemente necessária para combater e conter efetivamente o desmatamento, assim como para evitar a conversão de outros ecossistemas e promover o desenvolvimento rural sustentável.

 

A Declaração de Glasgow sobre Florestas reconheceu a importância de abordar conjuntamente as crises do clima e da perda de biodiversidade, e estabeleceu um novo nível de ambição para combater o desmatamento e promover a agropecuária sustentável. Os autores deste novo estudo enfatizam que é fundamental que os países e seus formuladores de políticas comecem a priorizar esses objetivos.

 

Notas:

 

Disentangling the numbers behind agriculture-driven tropical deforestation. Disponível aqui.

 

O estudo é de autoria de: Florence Pendrill, Toby A. Gardner, Patrick Meyfroidt, U.Martin Persson, Justin Adams, Tasso Azevedo, Mairon G. Bastos Lima, Matthias Baumann, Philip G. Curtis, Veronique De Sy, Rachael Garrett, Javier Godar, Elizabeth D. Goldman, Matthew C. Hansen, Robert Heilmayr, Martin Herold, Tobias Kuemmerle, Michael J. Lathuillière, Vivian Ribeiro, Alexandra Tyukavina, Mikaela J. Weisse, Chris West

 

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