Madeireiros foram principais beneficiados por canetada de Bim no Ibama

Eduardo Fortunato Bim (Foto: Agência Brasil)

20 Julho 2022

 

Presidente do Ibama declarou pessoalmente prescrição de 164 multas usando despacho que pode anular 60% das infrações entre 2008 e 2019 como justificativa.

 

A reportagem é de Bianca Muniz e Laura Scofield, publicada pela Agência Pública, 14-07-2022.

 

Depois de mudar o entendimento do Ibama com uma canetada e fazer com que todas as multas aplicadas pelo órgão nos últimos dez anos possam voltar à estaca zero, o atual presidente da instituição, Eduardo Bim, declarou pessoalmente a prescrição de 164 multas ambientais usando o despacho nº 11996516 como justificativa. Boa parte dos casos envolvem madeireiros, conforme dados obtidos pela Agência Pública via Lei de Acesso à Informação.

 

Não é a primeira vez que Eduardo Bim beneficia empresários do setor com uma canetada. Em 2020, ele chegou a se reunir com madeireiros antes de divulgar um despacho afrouxando as regras para exportação de madeira. Essa decisão motivou investigação da Câmara Ambiental do Ministério Público Federal e levou à saída do então ministro Ricardo Salles do Ministério do Meio Ambiente. Bim ficou 90 dias afastado do cargo por suspeita de envolvimento no esquema de contrabando de madeira ilegal investigado pela operação Akuanduba.

 

Das 164 infrações prescritas a mando de Eduardo Bim entre 31 de dezembro de 2021 e 10 de junho de 2022 analisadas pela reportagem, o nome do infrator e o tipo de infração foram identificadas em 158 processos. Vinte e quatro casos envolvem empresas que têm como atividade principal ou secundária a transformação de madeira, como fabricação de móveis e serrarias, e cinco pessoas físicas sócias de madeireiras. Juntos, pessoas físicas e jurídicas somam R$ 42,8 milhões em multas.

 

Madeireiros foram grupo mais beneficiado por canetada de Bim (Foto: Marcelo Camargo | Agência Brasil)

 

Mais da metade dos processos prescritos são atrelados a CPFs e CNPJs com outras multas ambientais, sendo que entre os madeireiros a proporção é maior: 22 entre os 24 autuados. A maior parte das infrações é contra a flora, com ao menos 86 processos, seguido pelas infrações de controle ambiental

 

Entre os madeireiros infratores beneficiados pela medida com as multas mais altas está Antônio Lucena Barros, fazendeiro conhecido como Maranhense. Sócio de empresas do ramo imobiliário, agrícola e madeireiro, foi autuado em setembro de 2008 e multado em R$ 16,4 milhões por impedir a regeneração natural de mais de 3 mil hectares de vegetação nativa em área de Reserva Legal, no município de Cumaru, no Pará. Maranhense já é conhecido na região sul do estado por estar ligado a exploração ilegal de mogno, tráfico ilegal de madeira, denúncias por trabalho escravo e por associação criminosa na operação Reis do Gado. Em 23 de fevereiro de 2022, Bim decidiu pela prescrição do auto –  o despacho formalizando a decisão, porém, só foi publicada um mês depois, em março.

 

Em seguida aparece Jaudenes Vanzella. Sócio da empresa Compensados Vanzella, ele foi multado em mais de R$ 11 milhões por destruir mais de 2 mil hectares de mata nativa na região da Amazônia Legal, em março de 2010. Ele também foi autuado em 2015 e 2018, por infrações que somam R$ 561 mil reais.

 

Entre as empresas, a Juara Madeiras aparece com uma multa de mais de R$ 500 mil prescrita por vender 1825 m³ de madeira serrada sem a devida licença válida. Apesar de não ser a maior multa do levantamento, a empresa tem em seu CNPJ outras 12 infrações contra a flora registradas pelo Ibama entre 2005 e 2009, que totalizam mais de R$ 2 milhões.

 

Para a ex-presidente do Ibama Suely Araújo, especialista sênior em políticas públicas do Observatório do Clima, isso é uma mostra da ilegalidade do mercado brasileiro de madeira. “O mercado da madeira no país é muito ilegal”, diz. “Quando você cruza as informações dos alertas de desmatamento com as autorizações que tem no sistemas públicos, quase a totalidade da madeira que circula internamente é ilegal. A situação é um pouco diferente para exportação, porque você tem um controle maior. Mas a madeira interna é muito ilegal”.

 

Ibama estima que despacho pode afetar cerca de 42 mil processos

 

Despacho de bilhões

 

Conforme revelado por investigação da Agência Pública, o despacho de Eduardo Bim vai muito além desses 164 casos e pode gerar prejuízo de ao menos R$ 3,6 bilhões à União. Com a decisão, uma fase antes obrigatória do processo de autuação ambiental – a notificação via edital para alegações finais — pode ser interpretada como nula, anulando todos os processos entre 2008 e 2019, quando a notificação via edital era válida. 

 

Em resposta a um requerimento feito pelo deputado Rodrigo Agostinho (PSBSP) questionando o despacho, o Ibama informou que a decisão do presidente do Ibama pode impactar 42 mil (60%) dos cerca de 70 mil processos lavrados entre 2008 a 2019 em que os infratores foram notificados para alegações finais exclusivamente via edital. 

 

Em retorno ao pedido de acesso à informação da reportagem, o Ibama informou que essa interpretação já começou a ser aplicada, mesmo com a possibilidade de prescrição de milhares de multas. Como os efeitos da alteração podem afetar o caixa do Ibama, Eduardo Bim pediu que a Coordenação-Geral de Cobrança e Recuperação de Créditos da Procuradoria-Geral Federal avaliasse a medida “para eventual ratificação do entendimento”, mas o órgão ainda não se manifestou. 

 

 

Para Suely Araújo, o montante de processos prescritos é pequeno dentro do total em andamento no Ibama, mas preocupa já que todos foram prescritos em um período curto e pelo mesmo motivo: a interpretação de que as notificações para alegações finais que não ocorreram pessoalmente devem ser anuladas. “Quando essas alegações finais eram feitas pela internet, isso estava previsto na legislação. Então os servidores da área de instrução e julgamento não faziam nada mais do que seguir a legislação“. 

 

Araújo ainda pontua que a canetada deslegitima o sistema sancionador, em que a oportunidade de defesa e de recurso são oferecidas ao infrator. “Os cidadãos têm que ter certeza de que tudo está correndo conforme as regras. E era o que ocorria, porque a regra não previa a notificação pessoal. Quando você enfraquece o processo sancionador, quem tá na ponta, o criminoso, fala assim ‘eu sei que isso não vai dar em nada’. E um recado desses impulsiona novos crimes ambientais”.

 

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