Nacionalismos Ucranianos

Emblema da Organização dos Nacionalistas Ucranianos, da parte apoiadora de Stepan Bandera (OUN-B). (Foto: Wikimedia Commons)

20 Mai 2022

 

"O atual presidente Volodomir Zelensky foi eleito também por causa do cansaço da opinião pública ucraniana em relação à retórica nacionalista de Poroshenko. Zelensky foi apresentado e eleito - com mais de 70% dos votos no segundo turno - com base em seu programa de pacificação do país, bem como da redução do papel dominante das oligarquias, a que também o homem de negócios Poroshenko estava vinculado. Zelensky estava falhando nas duas frentes e, às vésperas da invasão russa, seu consenso, segundo pesquisas, estava em queda livre. Paradoxalmente, a agressão da Rússia e, portanto, a transformação de Zelensky em um presidente resistente em armas, estão redimindo-o aos olhos de uma opinião pública recompactada pelo grave perigo", analisa Simona Merlo, em entrevista de Giordano Cavallari, publicada por Settimana News, 19-05-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.

 

Simona Merlo é professora de história contemporânea na Universidade Roma 3. Ela estudou em particular a história da Ucrânia na era contemporânea e seu cristianismo. Entre suas publicações: ll’ombra delle cupole d’oro. La Chiesa di Kiev da Nicola II a Stalin (1905-1939), Guerini e Associati, 2005; Una vita per gli ultimi, Edizioni Qiqajon, 2009. Aqui ela responde às nossas perguntas - em clara transparência com a atualidade - sobre a figura de Stepan Bandera e as origens do nacionalismo ucraniano.

 

"Para o monge cristão Spiridon Kisljakov, arquimandrita ortodoxo, que foi capelão na Primeira Guerra Mundial, viveu em Kiev, onde morreu em 1930, - informa Simone Merlo - uma Igreja que toma partido a favor da guerra não é uma Igreja evangélica. Parece-me uma mensagem fortemente atual".

 

Eis a entrevista.

 

Prezada professora, ouvimos falar - nestes tempos – de um certo Stepan Bandera, com a sensação de que mesmo quem o citou em apoio às suas posições, especialmente na Itália, não saiba muito bem quem ele é. Você poderia reconstruir brevemente sua história?

 

Stepan Bandera talvez seja a figura mais controversa da história da Ucrânia do século XX. Falar sobre Bandera é divisivo, tanto para a opinião pública da Ucrânia pós-soviética, quanto para os historiadores e cientistas políticos que lidam com a contemporaneidade: considerado revolucionário e combatente por alguns, fascista e nacionalista extremista por outros. Ele é uma figura que polariza os ânimos, além das mentes.

 

Sua biografia diz que ele foi um dos principais expoentes da Organização dos Nacionalistas Ucranianos: a OUN.

 

Bandera foi o combatente que, durante a Segunda Guerra Mundial, fundou o exército insurrecional ucraniano - o UPA -, que por um lado colaborou com o nazismo alemão em chave antissoviética, por outro reivindicou uma Ucrânia independente.

 

Em 1941 Bandera estava entre os promotores de um estado ucraniano independente na Galícia e - por isso - foi preso pelos próprios nazistas alemães e internado no campo de concentração de Sachsenhausen. Após a guerra, quando a Ucrânia Ocidental foi incorporada à URSS, ele se refugiou com sua família na Alemanha Ocidental, onde foi assassinado por um agente da KGB soviética em Munique.

 

Qual era a sua filiação religiosa?

 

Bandera era galego. Toda a Galícia era de maioria greco-católica: a Igreja Católica de rito bizantino, originada no século XVI. Seu pai - Andriy - era sacerdote dessa Igreja e era um político, o que não era de todo surpreendente na época e naquele contexto histórico.

 

Esse detalhe familiar, a meu ver, no entanto, não significa que, na história política e militar de Stepan Bandera, a filiação eclesial tenha tido uma importância particular.

 

Desenvolvimentos históricos

 

Você poderia, em torno da figura de Bandera, traçar a história do nacionalismo ucraniano?

 

A Organização dos Nacionalistas Ucranianos não nasceu com Bandera, mas antes de sua atividade política. A OUN nasceu em Viena entre as duas guerras mundiais - em 1929 - entre os combatentes ucranianos da Primeira Guerra Mundial contra os poloneses na Ucrânia.

 

Devemos considerar que, especialmente na Ucrânia ocidental e na Galícia em particular, a partir da Primeira Guerra Mundial, praticamente sem interrupção, os combates continuaram acontecendo. A Galícia fazia parte da Confederação Polaco-Lituana e depois tornou-se território dos Habsburgos. No final da Primeira Guerra Mundial, voltou a fazer parte da Polônia.

 

Como resultado da Segunda Guerra Mundial, a Galícia também seria incluída nos territórios da União Soviética, embora nunca tenha pertencido ao Império Russo. A aspiração à independência não foi coroada até 1991, como sabemos.

 

A Galícia deve, portanto, ser considerada o principal – ainda que não exclusivo – motor do nacionalismo ucraniano, da segunda metade do século XIX até aos nossos dias. Os impulsos nacionalistas ucranianos manifestaram-se fortemente durante os dois conflitos mundiais, mas também, justamente, entre os mesmos e além deles: não esqueçamos que a UPA continuou a combater contra os soviéticos nas regiões ocidentais da Ucrânia até os anos 1950.

 

Havia outros nacionalismos ucranianos além daquele da OUN?

 

O nacionalismo da OUN teve seu centro geográfico na Galícia. Mas há uma longa tradição de elaboração nacional na Galícia, a partir da segunda metade do século XIX, especialmente em Lviv, e há outros centros de nacionalismo ucraniano também no Império Russo, em Kiev e Kharkiv.

 

Qual o papel de Bandera na formação ideológica do nacionalismo ucraniano? Nesse sentido, é justificada a sua frequente menção? Que outras figuras deveriam ser mencionadas?

 

Como eu disse, Bandera era principalmente um combatente. Como tal, passou para a história e para o imaginário nacionalista ucraniano. Ele não era em si um teórico do nacionalismo. Nesta qualidade, Dmytro Doncov, o ideólogo do "nacionalismo integral", deveria ser mais citado.

 

Messianismo e nacionalismo

 

Em que ideias se baseava esse tipo de nacionalismo ucraniano?

 

Em seus escritos, Doncov - um admirador de Mussolini - foi o porta-voz de uma vocação messiânica do nacionalismo ucraniano. Seu nacionalismo se definiu como "integral": polonófobo, antissemita, russofóbico. Polonófobo e antissemita em terras, como a Galícia e a Volínia - ou seja, as regiões ocidentais da Ucrânia -, multiétnicas, onde era abundante a presença de judeus e poloneses.

 

A Segunda Guerra Mundial, nessas terras, foi particularmente brutal, com a eliminação de judeus e poloneses. A componente judaica foi praticamente eliminada nessas regiões pelos nazistas alemães durante a ocupação, com a decisiva colaboração dos colaboracionistas ucranianos.

 

Enquanto o êxodo cruzado de poloneses e ucranianos através das fronteiras entre a Ucrânia soviética e a Polônia - em vista de uma espécie de homogeneidade étnica - continuou muito além do fim da Segunda Guerra Mundial.

 

Qual foi o papel das Igrejas - e em particular da Igreja greco-católica - na história das divisões que está nos apresentando?

 

A presença majoritária da Igreja Greco-Católica nas regiões ocidentais – o motor, justamente, do nacionalismo ucraniano – tem evidentemente seu lugar de destaque na formação do sentimento nacional ucraniano e ainda constitui uma particularidade na densa complexidade desse país.

 

No entanto, não acredito que seja possível - com uma simplificação trivial - identificar historicamente a posição da Igreja Greco-Católica Ucraniana com o nacionalismo radical. Posso citar, por exemplo, a figura do metropolita Andrei Szeptycki, que protegeu os judeus, ou a figura do padre greco-católico Omeljan Kovch, que morreu no campo de concentração de Majdanek por sua obra em favor dos judeus.

 

O final do século XX

 

Chegamos à história mais recente, até os dias de hoje. O que aconteceu em 1991?

 

O período da perestroika de Mikhail Gorbachev, na Ucrânia ainda soviética - portanto antes de 1991 - foi um período de despertar nacional. É no clima da perestroika que se começa a falar da reabilitação de Stepan Bandera e, de forma mais geral, dos combatentes da UPA.

 

O primeiro dos monumentos a Bandera e outros combatentes da UPA foi erguido já na década de 1990 - portanto, no período ainda soviético. Nesse período reapareceram as bandeiras rubro-negras de memória do movimento nacionalista de Bandera, assim como seu nome começou a ser citado novamente em algumas manifestações populares.

 

Isso explica como, a partir de 1991, ou seja, a partir da independência da Ucrânia, com a transformação, na prática, das fronteiras administrativas da União Soviética em fronteiras nacionais entre Rússia, Bielorrússia e Ucrânia, os sucessivos governos, ainda que de formas muito diferentes, tiveram de acertar as contas com a exigência de construir um panteão e uma história nacional, recorrendo também a figuras divisivas.

 

A figura de Bandera é emblemática nesse sentido. Nem todos os ucranianos podiam e podem se reconhecer na ideologia da qual Bandera era portador.

 

Que leituras governamentais, então, foram feitas de Bandera e do seu nacionalismo?

 

Em 2005, o terceiro presidente, desde 1991, da Ucrânia, Victor Yuscenko, que saiu da chamada Revolução Laranja, decidiu conferir a Bandera a Ordem de Herói da Ucrânia, a mais alta honraria nacional.

 

Este reconhecimento foi revogado em 2011 por seu sucessor, Viktor Yanukovic: a contramedida pró-russa deste último não fez nada além de enfatizar o mito nos círculos nacionais ou nacionalistas, tanto que o presidente subsequente Petro Poroshenko - expressão da chamada Revolução de dignidade (ou Euromajdan) de 2014 - chegou a assinar uma lei para o reconhecimento da UPA, a ala militar dos nacionalistas de Bandera, fato que não deixou de produzir uma reação especialmente nas regiões da Ucrânia oriental e tensões sociais cada vez mais fortes.

 

Especialmente na segunda metade de seu período de presidência, Poroshenko adotou uma série de medidas divisivas da opinião pública ucraniana, como a troca da toponímia para eliminar todos os vestígios da Rússia e a eliminação da língua russa no âmbito oficial.

 

Lembro que o atual presidente Volodomir Zelensky foi eleito também por causa do cansaço da opinião pública ucraniana em relação à retórica nacionalista de Poroshenko. Zelensky foi apresentado e eleito - com mais de 70% dos votos no segundo turno - com base em seu programa de pacificação do país, bem como da redução do papel dominante das oligarquias, a que também o homem de negócios Poroshenko estava vinculado.

 

Zelensky estava falhando nas duas frentes e, às vésperas da invasão russa, seu consenso, segundo pesquisas, estava em queda livre. Paradoxalmente, a agressão da Rússia e, portanto, a transformação de Zelensky em um presidente resistente em armas, estão redimindo-o aos olhos de uma opinião pública recompactada pelo grave perigo.

 

E a Rússia? Como ele está usando a figura de Bandera?

 

No jogo das personalizações e das simplificações para fins de propaganda, Bandera é usado na Rússia como contra-bandeira. Todos aqueles que fazem um discurso que desagrada a Rússia são, segundo a propaganda russa, "seguidores de Bandera", portanto, nacionalistas ucranianos e nazistas.

 

O discurso sobre a desnazificação da Ucrânia feito por Vladimir Putin para justificar sua agressão, faz referência aos "seguidores de Bandera", enfatizando e instrumentalizando. Obviamente não é verdade que os ucranianos sejam seguidores de Bandera, senão algumas franjas nacionalistas minoritárias no país, assim como não é verdade que o governo de Kiev seja nazista.

 

Territórios e nação

 

Qual é a importância de toda essa história do passado no presente da Ucrânia?

 

Um estudioso sério - Timothy Snyder - fala dos territórios do que hoje é a Ucrânia, como "terras de sangue". Pensamos apenas na Primeira Guerra Mundial, depois na revolução bolchevique, na guerra civil, na carestia de 1932-33, na invasão nazista, nos massacres entre ucranianos e poloneses, no Holocausto...: tudo isso significou milhões de mortes em todos os lados e o afloramento de sentimentos profundos e de uma complexidade tal que já não pode ser reduzida a personalizações, a mitos mais ou menos inventados, a simplificações ideológicas.

 

De acordo com uma lei promulgada por Poroshenko, não se deve dizer que a Ucrânia foi libertada do nazismo pelas tropas soviéticas. Para Putin, ao contrário, deve-se dizer que os ucranianos são "seguidores de Bandera". É claro que isso significa fazer um uso instrumental da história e soprar o fogo de um passado que está sempre pronto a se inflamar.

 

Pode existir - do ponto de vista histórico - um estado ucraniano?

 

O componente nacionalista tende a tornar a história da Ucrânia muito mais homogênea do que realmente foi e é. Como mencionei, a história das regiões que compõem a Ucrânia de hoje é muito diversificada. Isso não quer dizer que a Ucrânia não tenha e não possa ter a legitimidade de Estado: de jeito nenhum!

 

Estou dizendo que a Ucrânia é um estado no plural, como aliás tantos estados do mundo, especialmente nas chamadas regiões de falha, ou seja, onde os povos e as culturas se encontram. Não é por acaso que o topônimo "Ukraïna" significa "terra na fronteira". Com a guerra em curso, a Ucrânia está encontrando uma nova coesão. Mas isso certamente não pode zerar a complexidade histórica. A política do depois terá necessariamente que levar isso em conta.

 

Uma última pergunta para traçar uma perspectiva ou talvez um motivo de esperança: o cristianismo e as Igrejas na Ucrânia poderão contribuir para o processo de pacificação?

 

Algum tempo atrás escrevi um livro, publicado em 2008, "Una vita per gli ultimi", dedicado ao arquimandrita ortodoxo Spiridon Kisljakov, que viveu em Kiev, onde morreu em 1930. Trata-se de uma figura extraordinária. Foi capelão militar na Primeira Guerra Mundial.

 

Daquela experiência, ele voltou fortemente crítico das Igrejas que alimentaram aquela guerra com suas palavras. Para o monge cristão Spiridon, uma Igreja que toma partido a favor da guerra não é uma Igreja evangélica. Parece-me uma mensagem fortemente atual.

 

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