“Os padres que não apoiam Francisco deveriam se perguntar: ‘O que estou fazendo aqui?’”, cobra cardeal Ouellet

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18 Fevereiro 2022

 

Quando o cardeal canadense foi nomeado para liderar a Congregação para os Bispos em 2010, a pasta que aconselha o papa sobre candidatos de todo o mundo para servirem como bispos católicos, o ex-professor de teologia era “mais atento à dimensão doutrinal do trabalho”, ele conta. “Mas com o Papa Francisco, nós aprendemos a dimensão do acompanhamento”, afirma Ouellet, em entrevista. “Nós aprendemos que não é o suficiente falar para o povo o que eles tem que fazer”.

 

A reportagem é de Christopher White, publicada por National Catholic Reporter, 17-02-2022. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.

 

A Congregação para os Bispos é uma das mais poderosas pastas, com um mandato desafiador de selecionar os candidatos certos para liderar as dioceses pelo mundo.

Muitas vezes é um processo confidencial, e Marc Ouellet, que foi amplamente considerado papável – o que significa ser candidato a ser papa – nos conclaves de 2005 e 2013, reconheceu que não é um trabalho fácil. Embora ele não tenha dado um número exato de quantas pessoas recusam o pedido para ser nomeado bispo, ele disse que a estimativa de 30% às vezes citada “não está longe”.

Ouellet foi nomeado para liderar a congregação pelo Papa Bento XVI e permaneceu sob o comando do Papa Francisco, embora reconheça que parte do foco do que se espera dele e dos outros bispos da Igreja mudou.

“Um pastor tem que andar com as pessoas”, disse Ouellet. “Temos que ensinar sempre a verdade, mas, ao mesmo tempo, estar atentos, ser compassivos e misericordiosos. Foi o que aprendi com o Papa Francisco, e acho que é uma vantagem”.

Mas o cardeal de 77 anos, que provavelmente está enfrentando o fim de seu mandato, tendo servido além de dois mandatos de cinco anos como chefe de um departamento da Cúria, não está desistindo da doutrina.

De fato, em 17 de fevereiro, ele presidirá um simpósio internacional de três dias sobre o sacerdócio que acontecerá no Vaticano. A conferência reunirá uma série de bispos, padres, formadores religiosos e especialistas de todo o mundo para explorar as dimensões teológicas do sacerdócio, incluindo o celibato.

Durante uma entrevista em 15 de fevereiro ao NCR, no escritório da congregação, perto da Praça São Pedro, Ouellet disse que espera que a conferência encontre um equilíbrio em defender a importância do sacerdócio, ao mesmo tempo em que resiste às tentações do clericalismo.

Ouellet disse que o antídoto para o clericalismo, contra o qual Francisco repetidamente alertou, pode ser encontrado na comunidade.

“O foco do simpósio será a participação no único sacerdócio de Cristo”, disse ele, que inclui todos os batizados.

“A presença da comunidade dos batizados é uma mensagem para o resto do mundo. E não é apenas uma mensagem de conhecimento, é uma mensagem de fraternidade de testemunhar o amor e ser uma comunidade atraente”, continuou.

Um dos desafios da era pós-Reforma, disse Ouellet, é uma “visão muito clerical da Igreja”, que se desenvolveu como forma de defender o sacerdócio e a estrutura hierárquica da Igreja.

“Acabamos empobrecidos de ambos os lados”, refletiu, “porque eles [denominações protestantes] mantiveram o sacerdócio batismal, enquanto nós o esquecemos”.

“Defendemos o sacerdócio ministerial, que é um elemento-chave da Igreja”, disse ele, embora reconhecendo que ajudou a contribuir para uma mentalidade clerical. Ele acredita que o Concílio Vaticano II, com seu foco em todo o povo de Deus, ajudou a “reconciliar” essa divisão.

No entanto, Ouellet admitiu que, aos olhos da maior parte do mundo, o sacerdócio católico celibatário e exclusivamente masculino é uma proposta difícil. Mas ele é um que a apoia.

Seu livro de 2019, “Friends of the Bridegroom: For a Renewed Vision of Priestly Celibacy” (“Amigos do Noivo: para uma visão renovada do sacerdócio celibatário”, em tradução livre), que explorou a escassez global de padres e os desafios dos escândalos de abuso do clero, também defendeu a adesão da Igreja à disciplina do celibato.

Após sua publicação, o cardeal disse que um grupo de cerca de uma dúzia de teólogos homens e mulheres começou a se reunir para planejar o simpósio desta semana sobre o sacerdócio, que ele disse ter o total apoio de Francisco.

Ouellet disse ao NCR que o sacerdócio é “mais contracultural do que nunca” por duas razões: primeiro, toda a existência de um padre no mundo é definida por sua fé, algo que Ouellet disse que apresenta desafios em um mundo secularizado onde a fé é cada vez mais privatizada.

Em segundo lugar, os indivíduos celibatários são vistos por grande parte do mundo como “não totalmente humanos”.

Embora sempre haja aqueles que são “suspeitos”, o cardeal disse que a escolha do celibato é “uma maneira de afirmar quem é Jesus”.

Em uma era pós-moderna, ele admitiu ser um caso difícil de defender, mas disse que se um padre está realmente vivendo sua vocação, ela se torna atraente para os outros, e isso, ele acredita, é a evangelização.

Embora possa ser a evangelização, Ouellet admite que entre os maiores desafios do sacerdócio nos últimos anos tem sido a ferida auto-infligida dos escândalos de abuso do clero que abalaram a Igreja em todo o mundo.

A Igreja, disse Ouellet, deve “fazer penitência” para reconhecer seus erros na forma como enfrentou o abuso sexual e seu acobertamento, e parte do reconhecimento significa “reformar” como os padres são formados.

Em décadas, e até séculos, passados, disse ele, padres eram formados em “isolamento” como “um grupo a parte”. Embora o cardeal acredite que isso tem a vantagem de criar um forte sentido de fraternidade, ele disse que as mudanças estão a caminho.

Os padres, acredita ele, devem desenvolver uma maior capacidade relacional, inclusive com as mulheres e as famílias, para entrar na “plenitude da vida pastoral”.

“Se alguém não possui uma capacidade relacional saudável”, disse ele, “essa pessoa não é adequada para o ministério”.

O simpósio sobre o sacerdócio ocorre em meio a outro grande ponto de inflexão na Igreja Católica global: um novo processo sinodal, lançado em outubro passado, em um esforço para criar uma Igreja mais participativa e ouvinte.

Desde o seu lançamento, os organizadores do Sínodo dos Bispos do Vaticano têm procurado facilitar uma maior inclusão dos membros leigos da Igreja. Em novembro, Ouellet participou da Assembleia Eclesial da América Latina e do Caribe, que ajudou a impulsionar o sínodo global e destacou o papel elevado dos leigos católicos.

Ouellet disse que não vê o simpósio do sacerdócio em conflito com o foco sinodal da Igreja, dizendo que, neste momento, o papel do padre é “realmente ouvir”.

Ele alertou contra a “fadiga” que alguns padres podem expressar ao participar do processo, observando que testemunhou muito entusiasmo, que acredita poder ajudar a renovar toda a Igreja, incluindo o sacerdócio.

Como alguém conhecido pela teologia mais tradicional, quando perguntado sobre o Caminho Sinodal que está ocorrendo atualmente na Alemanha – onde mais de dois terços de todos os delegados votaram em apoio às mulheres diáconas e expressaram o desejo de uma mudança no entendimento da Igreja sobre a homossexualidade – o cardeal disse que Francisco reiterou que o sínodo não é um processo parlamentar.

“Esta será uma operação delicada, para não ser uma espécie de distorção por ideologias”, disse. O cardeal disse que, ao considerar o caminho sinodal da Alemanha, o concílio plenário da Austrália e outras iniciativas semelhantes, neste momento a Igreja deve esperar “até o final do processo até que ponto [tais propostas] são aceitáveis para a Igreja universal”.

Há muitas incógnitas, disse ele, mas acrescentou que, em geral, acredita que o processo sinodal global é um sinal de “esperança” e “renovação”.

No entanto, muitos dos críticos mais ferozes do sínodo podem ser encontrados nos Estados Unidos e no mundo de língua inglesa, muitas vezes ligados à resistência a Francisco e suas prioridades. Em dezembro, o cardeal Sean O'Malley, de Boston, disse em uma entrevista que isso era particularmente agudo entre “jovens clérigos conservadores” que muitas vezes têm visões distorcidas de Francisco devido à influência das mídias sociais.

Embora observando que não queria abordar as especificidades da situação na Igreja dos EUA, Ouellet disse que um padre deve sempre exercer seu sacerdócio “em comunhão com e sob Pedro”.

“Talvez eles não estejam felizes porque ele não está do mesmo lado político”, supôs Ouellet. “Mas o critério deles é a política. O que temos que buscar com o papa é seu espírito missionário”.

“Eu convidaria o jovem clérigo a olhar para o papa como um exemplo”, continuou o cardeal. “Um padre deveria estar trabalhando em comunhão com o papa, caso contrário ele deveria se perguntar: ‘O que estou fazendo aqui?’”.

 

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