Incrível: Deus é humano!

24 Dezembro 2021

 

Publicamos aqui o comentário do monge italiano Enzo Bianchi, fundador da Comunidade de Bose, sobre o Evangelho deste Natal do Senhor, 25 de dezembro de 2021 (Lucas 2,1-14). A tradução é de Moisés Sbardelotto.

 

Eis o texto.

 

Caríssimos amigos e amigas, eis-nos “reunidos juntos” para meditar novamente sobre o que acontece nesta noite. Nós simplesmente obedecemos à nossa fé em Jesus Senhor e Salvador de todos os homens e mulheres. Quando fazemos a profissão de fé, nós dizemos: “Creio em Jesus Cristo, Filho de Deus, que nasceu da Virgem Maria”, e por isso queremos agora celebrar juntos o seu nascimento.

Deus se fez homem, o Invisível se fez visível, o Eterno se fez mortal para ser o Emanuel, o Deus conosco e entre nós. Isso aconteceu na história, e Lucas traça as suas coordenadas. No tempo em que César Augusto reinava como imperador, enquanto Quirino era governador da província da Síria, durante um censo em que era preciso se registrar na cidade dos pais, José também foi de Nazaré da Galileia para Belém na Judeia e foi com a sua esposa, Maria, que estava grávida. E precisamente em Belém, a cidade de Davi, o rei e messias a quem Deus havia feito a promessa de um descendente, Maria deu à luz seu filho em um estábulo, único lugar que foi encontrado, pois faltava um lugar para ela na hospedaria.

Esse menino, portanto, nasceu assim, como nascem todos os filhos dos homens e das mulheres, e foi depositado em uma manjedoura que se tornou o seu berço. Aconteceu assim e não de outra forma, diz-nos Lucas: um nascimento como tantos outros ocorrido no mundo dos nômades, no mundo dos pastores, no campo. Jesus nasce, vem ao mundo como uma criança qualquer, frágil, vulnerável, vem ao mundo pelas mãos de outros, os pais, de uma mãe que o envolve em faixas, de um pai que vigia sobre aquele parto.

Porém, é assim que aquele menino, imediatamente, já no seu nascimento, narra a Deus. Aquilo que João nos diz sobre o Filho que nos narrou a Deus (exeghésato) acontece desde o nascimento de uma criança que nasce na pobreza, na humildade. Na pequenez, ele narra os traços de um Deus que é capaz de humildade, que é capaz de pequenez, que é capaz de dar início a uma vida.

Portanto, a partir daquele dia, Deus deve ser buscado na vida dos homens e das mulheres, deve ser buscado no nascimento deles, no cotidiano deles, na morte deles. Nós, a fim de não sermos nós mesmos e a fim de não aceitarmos os outros, inventamos lugares para encontrar e reconhecer a Deus, inventamos ações para encontrar e reconhecer a Deus e não acolhemos o mistério da humanização de Deus, esse mistério que só o cristianismo desvela e proclama.

É a humanidade, a humanidade de Jesus que nos permite conhecer quem é Deus, e é na humanidade de cada um de nós, na humanidade dos outros, dos homens e das mulheres que devemos ver a ação de Deus, o amor de Deus de que somos constituídos, como fiéis, imitadores.

Quando esse menino nasce, ele narra o amor de Deus por nós e nos pede apenas uma coisa: crer no amor. Na sua primeira carta, o apóstolo João proclama: “Nós cremos no amor”, e essa é a verdadeira definição do ser cristão, uma definição, porém, que nos levanta uma pergunta à qual devemos responder na fé, sobretudo nesta noite: nós cremos no amor?

Cada um de nós deve se perguntar: eu creio no amor? Porque o cristianismo – e é preciso dizer isto com força sobretudo neste tempo –, antes de ser o ato de amar aos outros – e o repito –, antes de ser o ato de amar aos outros, pede como condição prévia e absoluta o ato de se crer no amor; porque, se alguém não crê no amor, pode até fazer muitas coisas generosas, grandes gestos e ações, mas, como revela Paulo, seriam apenas gestos de protagonismo, semelhantes a címbalos estridentes.

O que fizeram aqueles pastores aos quais o anjo do Senhor apareceu? Creram no amor narrado por um Salvador, narrado por um Messias, o recém-nascido Jesus. Somente crendo no amor de Deus é que eles decidiram ir a Belém para ver o que o anjo lhes havia anunciado.

E atenção: o anjo os convidou para irem a Belém, mas não os convidou para irem ver o Salvador, o libertador, o Deus conosco, e essa página de Lucas tem algo que muitas vezes nos escapa: o anjo os convidou a irem ver um sinal, um sinal, nada mais do que um sinal. Essa é uma fórmula inesperada no Evangelho de Lucas, porque, aliás, isso não faz parte da sua linguagem: mas esse bebê, esse menino envolto em faixas que está em uma manjedoura, uma cena humana, de todas as famílias que davam à luz naquele tempo, é um sinal, é apenas um sinal, apenas um sinal que remete a uma esperança de outro dia, um sinal que remete a uma libertação que será total mais tarde, quando vier definitivamente Aquele que foi designado como Salvador.

Isso é importante, é importante para nós que celebramos o Natal, contemplamos o nascimento de Jesus na carne, mas esse é apenas um sinal porque somos convidados a esperar a vinda do Senhor na glória, na parusia.

Sim, é uma longa espera que nos espera: a partir desse sinal, nós somos convidados a crer no amor, porque somente quem crê no amor pode crer no Deus que é amor.

Aqui também há uma inversão: não se crê primeiro em Deus e, consequentemente, sendo Deus amor, crê-se no amor. Não, primeiro cremos no amor e, na medida em que se crê realmente no amor, somos capazes de crer em Deus, o Deus que é narrado por aquele Jesus, por aquele seu Filho que se fez menino, que se fez simples, frágil, pobre, assim como o ser humano é no seu nascimento. Portanto, se cremos no amor, os anjos também podem realmente cantar glória a Deus no mais alto dos céus, ou seja, o fato de crermos no amor testemunha que Deus tem peso na vida dos homens e das mulheres; e assim os anjos também testemunharão que há paz para os homens e as mulheres que Deus ama.

Mas nós cremos no amor? Os votos que eu faço para todos vocês no Natal, para mim, para cada um de nós, para todos vocês, é que nos façamos essa pergunta e que nos exercitemos em crer no amor: porque crer no amor é um exercício, não é algo que ocorre por conta própria, mas é a condição na qual podemos ser, acima de tudo, crentes em Deus e, depois, capazes de paz e de amor entre nós, irmãos e irmãs.