No ventre de suas mães, o Profeta e o Messias se comunicam

17 Dezembro 2021

 

Publicamos aqui o comentário do monge italiano Enzo Bianchi, fundador da Comunidade de Bose, sobre o Evangelho deste 4º Domingo do Advento, 19 de dezembro de 2021 (Lucas 1,39-45). A tradução é de Moisés Sbardelotto.

 

Eis o texto.

 

O quarto Evangelho confessa de modo doxológico e glorioso: “A Palavra se fez carne e pôs a sua tenda entre nós” (Jo 1,14), e os Evangelhos sinóticos também nos testemunham que a Palavra de Deus se humanizou no meio de nós em Jesus de Nazaré, o filho de Maria e de José.

Lucas, em particular, é o evangelista que quer especificar quando e como essa Palavra, bem antes de aparecer publicamente, habitou no meio de nós e, com audácia, nos relata o momento exato em que, segundo as palavras do mensageiro de Deus, o poder do Espírito Santo estende a sua sombra sobre Maria (cf. Lc 1,35), uma jovem virgem de Nazaré, e a torna mãe de um filho de Adão que somente Deus nos poderia dar: o seu Filho!

Assim, no escondimento, no silêncio, ocorre a humanização de Deus: a partir dessa concepção, a Palavra de Deus está no meio de nós, e Maria, a mãe de Jesus, é a tenda na qual ela faz a sua morada. Segundo Lucas, essa Palavra, esse Lógos toû Theoû, começa uma viagem, vive entre os seres humanos (cf. Bar 3,38), de Nazaré a Jerusalém e de Jerusalém aos extremos confins do mundo, até Roma (cf. Lc 2,22,41; 9,51; 24,47; At 1,8; 28,30-31). Eis a “corrida da Palavra” (cf. 2Ts 3,1), a evangelização que começa – muitas vezes esquecemos isto – com o caminho, a viagem de uma mulher, de Maria, a mãe do Filho de Deus.

Sim, porque Maria, logo que recebeu o anúncio da sua gravidez (cf. Lc 1,26-38), por um impulso interior provocado pelas palavras do anjo, que, ao lhe revelar a sua maternidade, também lhe revelou a fecundidade do ventre de Isabel, sua prima, põe-se em viagem às pressas, a pressa escatológica, rumo à montanha da Judeia. Da Galileia à Judeia, de Nazaré à periferia de Jerusalém, uma viagem de vários dias.

O que move Maria? A caridade para com a idosa Isabel, a quem todos chamam de “a estéril” (cf. Lc 1,36), mas também a ânsia de comunicar a boa notícia, o Evangelho recebido do anjo, e ainda a vontade de escutar a prima como mulher na qual Deus fez maravilhas. Maria aparece imediatamente como mulher de caridade e mulher missionária.

E eis o encontro entre as duas mulheres: Maria chega à casa de Zacarias, o marido de Isabel, o sacerdote que, diante do anúncio do anjo sobre o nascimento de um filho dele, velho, e da mulher, estéril, titubeou ao acreditar e, por isso, ficou áfono, sem voz, a ponto de não poder dar a bênção ao povo, ao término da liturgia da oferta do incenso (cf. Lc 1,8-22).

Maria logo encontra Isabel e, ao entrar na casa, a saúda: uma mulher grávida há poucos dias diante de outra mulher grávida há seis meses, ambas nessa condição em virtude da graça e do poder de Deus, que tornou fecundo o útero inerte delas; ambas portadoras de um filho desejado por Deus; ambas mães, verdadeiras “tendas” nas quais moravam dois eleitos, chamados pelo próprio Deus com um nome revelado por ele.

O filho de Maria se chamará Jeshu’a, Jesus, que significa “o Senhor salva”, e se manifestará como Messias, Filho do Deus Altíssimo (cf. Lc 1,31-32), concebido pelo Espírito Santo (cf. Lc 1,35). O filho de Isabel, João, “o Senhor faz graça” (Jochanan), será aquele que “caminhará diante do Messias com o espírito e a força de Elias” (cf. Lc 1,17), profeta repleto do Espírito Santo ainda antes nascer, desde o ventre da sua mãe.

E eis que, assim que Maria entra em casa, ela dirige a sua saudação a Isabel, provocando uma reação inesperada na parente idosa. Com a sua saudação, de fato, Maria provoca três eventos que permitem a Isabel reconhecer nela não só a prima que vai ao seu encontro, mas também a “mãe do Senhor”. Assim que Maria dirige a saudação messiânica a Isabel: “Alegrem-se!”,

o filho do qual a prima está grávida, invadido pela alegria messiânica, dança, exulta no seu ventre;

o Espírito Santo desce sobre Isabel;

o mesmo Espírito lhe concede o discernimento profético daquele que está diante dela e do fruto do seu ventre.

Nessa viagem de caridade, mas também evangelizadora, com o simples som da sua voz (phoné), Maria provoca a alegria messiânica anunciada pelos antigos profetas (cf. Sof 3,14; Zc 2,14), assim como a descida do Espírito Santo sobre Isabel. E logo João pula ou dança, revelando à mãe a identidade profunda de Maria.

Cumpre-se, assim, a promessa do anjo a Zacarias: “Ele ficará cheio do Espírito Santo desde o ventre de sua mãe” (Lc 1,15). E assim João, ainda menino anônimo no ventre da mãe, já profetiza, não com a palavra, mas com a exultação. Ocorre uma communicatio idiomatum entre filho e mãe, que reconhecem, ambos, a presença do Senhor em embrião no ventre de Maria. Sim, podemos dizer que, na Visitação, tem início o ministério de Maria, polo de atração do Espírito Santo, e, ao mesmo tempo, o de João, que profetiza, anuncia, indica Aquele que vem e exulta pela sua presença (cf. Jo 3,29).

Esse relato causa vertigem: o Messias Jesus, ainda não nascido, mas presente no ventre da mãe, Maria, encontra o precursor, o profeta presente no ventre da sua mãe, Isabel e, reconhecido, causa alegria, exultação, dança, como a de Davi diante da arca da presença do Senhor (cf. 2Sm 6,12-15). Ocorre o encontro com Cristo por parte de toda a profecia que o precedeu, profecia de Israel, mas também dos gentios, que discerne a vinda d’Aquele que vem tão desejado e profetizado; e esse reconhecimento provoca a dança adorante e alegre pelo cumprimento das promessas de Deus.

 

Tudo isso ocorre graças a duas mulheres que se encontram. Isabel, então, cheia do Espírito Santo profético, é tornada capaz de interpretar a dança do menino no seu ventre e assim exclama, com uma aclamação litúrgica (verbo anaphonéo: cf. 1Cr 15,28; 16,4.5.42; 2Cr 5, 13 LXX): “Tu, Maria, és bendita entre todas as mulheres, és bendita porque creste na palavra do Senhor, és a mãe do meu Senhor (Kýrios!)”. Ela não reconhece naquela gravidez apenas a fecundação divina (“Bendito é o fruto do teu ventre [ó Israel]”: Dt 28,4), mas confessa que aquele embrião é o Senhor concebido por Maria pelo poder do Espírito de Deus. Sim, o filho de Maria é o Cristo Senhor anunciado pelo Salmo 110 (v. 1), e, portanto, Maria é o Israel bendito, a terra bendita, porque contém a bênção plena e definitiva de Deus para toda a humanidade.

São muitas as mulheres benditas na história da salvação, embora nós nos esqueçamos disso com demasiada facilidade: de Sara a Isabel, de fato, a sua presença nas Escrituras é contínua. Mas Maria, precisamente como mãe do Senhor, é a bendita entre todas, é aquela que todas as gerações aclamarão “bem-aventurada”!

Isabel, porém, não só bendiz Maria, mas também confessa a sua verdadeira identidade: assim como Davi, o Messias e profeta, diante da arca da aliança que ia ao seu encontro, exclamou com estupor: “Como pode vir até mim a arca do Senhor?” (2Sm 6,9), assim também Isabel exclama: “Como posso merecer que a mãe do meu Senhor me venha visitar?”. Assim como a arca da aliança era o lugar da Presença, da Shekinah de Deus, assim também Maria o é!

Verdadeiramente, segundo o que a Igreja confessaria com inteligência espiritual, Maria é foederis arca, arca que contém o Senhor; é aquela que, significativamente, aparecerá nos céus como a mulher mãe do Messias (cf. Ap 11,19-12,1). E Isabel, embora consciente do que Deus fez no seu ventre estéril, sabe compreender essa diferença: Maria é a arca da aliança, o lugar da presença de Deus no mundo, o lugar onde é localizável e identificável o Deus feito carne.

Aqui o mistério é grande: mistério do Deus escondido,
escondido em um menino ainda anônimo,
ou seja, ainda sem a imposição humana do nome,
mas com um nome agradável a Deus: Jesus, “o Senhor salva”.
Ao mesmo tempo, mistério da profecia,
em João ainda áfona,
mas quem nele já sabe indicar Aquele que vem, o Senhor,
porque ele logo sabe viver a vocação de precursor.

Tudo isso no útero de duas mulheres que se falam, se escutam e se alegram louvando a Deus. O som da voz de Maria chega a Isabel, que “canta” a ela e por ela; a confissão de fé de Isabel chega a Maria, que canta o Magnificat (cf. Lc 1,46-55).

Essas não são pré-histórias do Messias, mas é a história do Messias, do Filho de Deus que se fez humano entre nós: duas mulheres, Isabel e Maria, são eloquentes a respeito disso, mulheres capazes de fé na palavra do Senhor, mulheres cheias do Espírito Santo.

 

 

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