A história de um clássico de Natal: “Cristãos, vinde todos!”

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20 Dezembro 2021

 

Em todo o mundo neste tempo de Advento e Natal, os cristãos ouvirão e cantarão alguma versão de “Adeste Fideles”. É tradicionalmente o hino final durante a Missa da Meia-Noite na Basílica de São Pedro no Vaticano, assim como “O Come, All Ye Faithful”, sua contraparte em inglês (ou “Cristãos, vinde todos” em português), é onipresente nas celebrações de Natal mais modestas. Mas de onde veio e por que é tão popular?

 

O artigo é de Benjamin Ivry, publicado por America, 10-12-2021. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.

 

Adeste fidelis
Laeti triumphantes
Venite, venite in Bethlehem
Natum videte regem angelorum

Venite adoremus (3x)
Dominum

O come, all ye faithful
Joyful and triumphant
O come ye, O come ye to Bethlehem
Come and behold Him
Born the King of angels

O come, let us adore Him (3x)
Christ the Lord

Sing, choirs of angels
Sing in exultation
Sing, all ye citizens of Heav'n above
Glory to God in the Highest glory

 

Um chamado à adoração, as palavras do hino em latim Venite, adoremus (“Vinde adoremos”) são familiares das liturgias do Advento, Natal e Epifania. E parte da música reproduz o Credo Niceno, uma declaração de fé cristã amplamente usada na liturgia.

O musicólogo irlandês William H. Grattan Flood concluiu que a letra e a música da canção “remontam ao primeiro quarto do século XVIII e devem ser atribuídas a uma fonte católica e ao culto católico”. A canção foi descrita pelo beneditino Dom John Stephan como tendo “algo de handeliana”.

Embora suas fontes e origens exatas não estejam comprovadas, os musicólogos concordam que o hino foi associado pela primeira vez a um músico, leigo católico, do século XVIII, John Francis Wade. Ele viveu em uma comunidade católica inglesa, exilada na França após o fracassado levante jacobita de 1745. Essa rebelião tentou restaurar um monarca católico, Charles Edward Stuart, conhecido informalmente como “Bonnie Prince Charlie”, ao trono da Inglaterra. O musicólogo britânico Bennett Zon afirmou que o hino pode ser interpretado como um chamado às armas para que os fiéis jacobitas retornassem com alegria triunfante à Inglaterra (Belém) e venerassem o rei dos anjos, ou seja, o rei inglês (Bonnie Prince Charlie).

 

 

Mesmo que esse argumento não convença, “Adeste Fideles” é identificada na lenda com criadores católicos. Uma dessas atribuições míticas é para o rei João IV de Portugal, um compositor amador do século XVII cujas obras foram supostamente destruídas no terremoto de Lisboa de 1755. Além de “Adeste Fideles”, ele também supostamente escreveu um cenário de “Crux Fidelis”, hino utilizado na Sexta-Feira Santa durante a Adoração da Cruz e na Liturgia das Horas da Semana Santa. No entanto, o mesmo “Crux Fidelis”, uma melodia confiante em um tom maior, apareceu pela primeira vez na França no século XIX, que é quando a maioria dos especialistas concorda que foi escrito.

Adeste Fideles” ficou conhecido na Inglaterra durante algum tempo como “o hino português”, porque no século XVIII era encenado na capela da embaixada de Portugal em Londres. Na época, os hinos em latim eram vistos com desagrado como papistas pelas autoridades anglicanas.

O hino também foi atribuído a monges cistercienses anônimos, a ordem que se ramificou dos beneditinos e evitou o embelezamento musical. Talvez a simplicidade de “Adeste Fideles” tenha feito alguns dos primeiros ouvintes relembrarem simples cantos cistercienses. O próprio texto foi atribuído por alguns, de maneira bastante improvável, a São Boaventura, o teólogo franciscano do século XIII.

 

A versão em inglês

 

 

 

Essencial para a popularidade contínua do hino foi sua tradução para o inglês. A mais influente das dezenas de tentativas foi em 1841, pelo padre anglicano Frederick Oakeley. Quatro anos depois, Oakeley tornou-se católico, seguindo o exemplo do cardeal John Henry Newman, a cuja comunidade em Oxford ele ingressou. Um autor prolífico de manuais lúcidos e concisos, incluindo Catholic Worship (1872) e The Ceremonies of the Mass (1855), Oakeley se referiu a seus livros como “este pequeno trabalho” ou “este pequeno manual”, mostrando que ele trabalhou bem em formulários. Essa ia miniaturização se adequava perfeitamente a “O Come All Ye Faithful”, onde uma sequência rápida de imagens aumenta a vivacidade da música.

 

Originalmente intitulado “Ye Faithful, approach ye”, o texto de Oakeley começava “O come, all ye faithful/ Joyfully triumphant,” mas isso logo foi mudado para “Joyful and triumphant”. Um coro de Oakeley poderia confundir os cristãos modernos: “God of God, light of light,/ Lord, he abhors not the Virgin’s womb” (“Deus do Deus, luz da luz / Senhor, ele não abomina o ventre da Virgem”) .

 

A adaptação de Oakeleycarried in the maiden’s womb” (“carregado no ventre da donzela”, em português; “gestant puellae viscera”, em latim) com termos da oração “Te Deum”: “você não abominou o ventre da virgem” (“non horruisti Virginis uterum”). O objetivo era refutar os gnósticos que acreditavam que o divino não poderia se misturar com a humanidade corrupta.

 

Versões modernas

 

 

Os cristãos continuaram afinando aspectos da tradução para o inglês. Em março de 1973, um maestro alertou o The Musical Times que os grupos deveriam cantar “Come and behold Him born / The king of angels” (“Venham e vejam ele nascer / O rei dos anjos”;  “Natum videte / Regem angelorum”) em vez da frase usual: “Come and behold Him [pause]/ Born the king of angels” (“Oh! Vinde, Vede nascido, vosso rei eterno”).

 

Quando outras palavras foram definidas para a melodia de “Adeste Fideles”, pode ter sido causado um desconforto. Na década de 1870, na Abadia de Bath, na Inglaterra, “Though troubles assail”, um poema do cura John Newton, substituiu o texto de Oakeley. Os fiéis ficaram consternados por “Adeste Fideles” terminar com: “We hope to die shouting,/ We hope to die shouting,/ We hope to die shouting,/ ‘The Lord will provide’.” (“Nós esperamos morrer gritando, / Esperamos morrer gritando, / Esperamos morrer gritando, / ‘O Senhor proverá’”.

 

 

Na Escócia, o reverendo Robert Menzies, um missionário do século XVIII, relatou que a canção “rapidamente se tornou moda em [Edimburgo]; meninos assobiavam em todas as ruas; até foi dito que os melros da praça juntavam-se ao coro!”.

 

Musicólogos nigerianos apontaram para o risco das bem intencionadas traduções anglicanas do hino para as línguas africanas que não levassem em consideração os múltiplos significados de palavras com diferentes acentuações. Na língua igbo falada no sudeste da Nigéria, a linha “True God, begotten not made” (“Deus verdadeiro, gerado, não feito”) foi traduzida como “porco de Deus, que nunca é compartilhado”, o que significa que as iguarias de porco oferecidas ao clero missionário não eram divididas com a congregação.

 

E na língua iorubá da Nigéria Ocidental, outra linha do hino foi mal traduzida como "Saia catar dendê, vocês que gostam de soltar água (urinar)". Como resultado, observou o musicólogo nigeriano Lazarus Nnanyelu Ekwueme, o hino “frequentemente provoca risos nos meninos do coro”.

 

Ecos culturais

 

Vayamos cristianos
Llenos de alegría
Vayamos vayamos con fé a Belén.
Hoy ha nacido
Cristo nuestro hermano.

Que nuestra fé te adore
Que nuestro amor te cante
Que nuestro ser te aclame
Oh hijo de Dios.

Humildes pastores
Dejan sus rebaños
Y llevan sus dones al niño Jesús.
Nuestras ofrendas
Con amor llevamos.

Desde un pesebre
El Señor nos llama.

 

Adestes Fideles” ressoou na literatura moderna com sua inclusão no romance “Finnegans Wake”, do autor católico irlandês James Joyce. Em trocadilhos de várias camadas, Joyce se referiu a “Ahdostay, feedailyones” (“Fiquem, aqueles que se alimentam diariamente”, em tradução muito livre), sugerindo um chamado a permanecer para aqueles que se alimentam diariamente.

 

O compositor americano Charles Ives usou “Adeste Fideles” em sua obra orquestral “Dia da Decoração”. Ives já havia escrito um prelúdio de órgão e marcha lenta em que “Adeste Fideles” apareceu. No “Decoration Day” (o antigo nome de Dia da Memória, 30 de maio, nos EUA), Ives fez o hino aparecer em um contexto de morte e ressurreição semelhante ao dos mártires de James Joyce.

 

Às vezes “Adeste Fideles” aparece fora do contexto, como lembra o compositor de cinema Miklós Rózsa. Preparando o épico de Hollywood de 1959 “Ben-Hur”, o diretor William Wyler sugeriu que um presépio com a estrela de Belém em vista seria a ocasião ideal para incluir “Adeste Fideles” como uma “canção de Natal”. Rózsa apontou que colocar o hino em um conto do primeiro século seria anacrônico, mas o diretor não se deixou persuadir, mesmo depois que Rózsa ironicamente sugeriu também adicionar o “White Christmas” de Irving Berlin.

 

Muito do apelo da música na cultura contemporânea é claramente devido à sua acessibilidade a cantores amadores; os que estão nos bancos deleitam-se na época do Natal com esse hino eminentemente cantável que parece ser dirigido a eles.

 

E como opina o Dictionary of North American Hymnology, as repetições da melodia impõem um “senso de urgência” que se ajusta inteiramente ao contexto: “Imagine uma criança, puxando sua mão, dizendo com insistência: ‘Vamos, vamos, vamos!’”.

 

 

Cristãos, vinde todos, com alegres cantos
Oh! Vinde, oh! Vinde até Belém
Vede nascido, vosso rei eterno

Oh! Vinde adoremos! (3x)
O salvador!

Humildes pastores deixam seu rebanho
E alegres acorrem ao rei do céu
Nós, igualmente, cheios de alegria

O Deus invisível de eternal grandeza
Sob véus de humildade, podemos ver
Deus pequenino, Deus envolto em faixas!

Nasceu em pobreza, repousando em palhas
O nosso afeto lhe vamos dar
Tanto amou-nos! Quem não há de amá-lo?

Oh! Vinde adoremos!(3x)
O salvador!

 

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